Formada em Gestão e guiada por uma paixão enorme por números e trabalho, Joana Reis decidiu desde cedo que se queria juntar a negócios ligados aos setores da restauração e da diversão noturna. Começou por ser Relações Públicas numa discoteca, em Lisboa, e rapidamente navegou rumo ao topo.
Hoje, Joana é empresária e sócia do estabelecimento Lust in Rio e do restaurante Envy, que pertencem ao mesmo grupo. Feito este que conseguiu alcançar antes dos 30 anos de idade.
Apesar de ambos o Envy e o Lust operarem de noite (o restaurante abre portas às 8h), os espaços do grupo estão abertos para eventos empresariais durante o dia.
Joana, hoje és uma empresária e sócia do estabelecimento Envy (grupo Lust). Mas como é que tudo começou? Como foste parar ao que hoje são dois dos espaços mais conhecidos em Lisboa? Ainda por cima, antes dos 30…
Joana Reis (JR): Sim, é verdade. Honestamente, tudo começou quando eu ainda tinha 16 anos. Comecei por trabalhar como Relações Públicas (RP) numa discoteca em Lisboa. Era um trabalho part-time, uma coisa de fim-de-semana, pelo menos de início. Mas, eventualmente, começou a crescer o bichinho dentro de mim. Ainda cheguei a ter outros trabalhos, em paralelo, mas apercebi-me que esta área me dava dinheiro.
Mas sempre trabalhaste – desde os 16 anos.
JR: Sim. Trabalhei em call centres, em lojas de roupa, em cafés, etc. Costumo dizer que já fiz um bocado de tudo um pouco. Sempre trabalhei. Mas o bichinho da noite, como lhe chamo, era maior. Gera negócios muito rentáveis e percebi que podia deixar uma marca – ou pelo menos fazer ‘história’ – visto ser mulher e jovem. Sempre fui uma pessoa dinâmica e comecei a crescer muito cedo. Sabia que ser empreendedora era uma coisa que queria. Queria conceber empregos, estar envolvida em projetos, debater ideias, dinamizá-las com várias pessoas, entre outras coisas.
Ou seja, querias por esta tua vertente dinâmica em prática e lidar com pessoas desde cedo. Não sentiste que iria ser uma tarefa difícil, visto ser um ‘território’ maioritariamente masculino?
JR: Exatamente. E sim, claro. Sabia o quão difícil iria ser porque nunca tinha visto uma mulher a chefiar na noite. Tornou-se evidente que seria um caminho muito difícil que eu teria de percorrer. Tive que fazer escolhas, como é óbvio. Ou era mais uma RP e acabava por seguir com a minha vida noutra direção, ou podia ser diferente: mostrar que, num setor tão masculino e até, machista, podia singrar e fazer com que o meu trabalho fosse valorizado. Sei lidar com pessoas, sou competente no que faço, e sou educada também.
És uma pessoa cheia de ambição. Aliás, é algo que muito depressa se nota em ti.
JR: Tenho muita ambição, sim. E acho que ter ambição é algo de muito positivo. Acho que muita gente tem medo de mostrar que é ambiciosa com medo que seja mal visto por terceiros. Mas ter objetivos é essencial no que faço. Se não os tivesse, não teria chegado até onde estou hoje. Todos nós temos medos e inseguranças, claro. Mas nunca tive medo de dizer que sou ambiciosa, focada e determinada. Isso obrigou-me a fazer um percurso muito certinho.
Sim, tiveste que juntar à tua ambição planos concretos de ação.
JR: Sim, e arrisco dizer que acho que todas as pessoas bem sucedidas começaram, um pouco, por ter desprezo por outras pessoas. Acho que só quem tem grandes empresas de família, ou está associado a um nome maior, é que é visto de maneira diferente quando está a começar. Quem aparece ‘do nada’, acaba por ser sempre um pouco ‘julgado’. Há que batalhar para se conseguir ser visto e reconhecido.
Mas explica-me como passaste de RP a sócia e empresária ‘da noite’, como lhe chamas. Foi um processo ‘rápido’…
JR: Sim. Depois de começar, aos 16, fui promovida a VIP Manager, noutra discoteca. Tinha só 21 anos e já geria toda a área VIP. Aos 23, um dos meus atuais sócios, o Paulo Gonçalves, fez-me uma proposta para me juntar a ele num espaço que tinham no Terreiro do Paço, e ao espaço do atual Lust in Rio e Envy. Antigamente ainda se chamava Meninos do Rio.
Então assististe e estiveste envolvida no processo todo de transição do Meninos do Rio a Lust in Rio, certo?
JR: Exatamente. Eu vi o Lust a crescer até ao que é hoje. Quando me dizem que o Lust evoluiu e cresceu muito, digo sempre que eu própria cresci juntamente com ele. No início fazia de tudo um pouco e não estava apenas circunscrita à zona VIP. Notei que sempre me trataram como se eu já fizesse parte da administração – como se fosse sócia deles desde o meu primeiro dia.
Ou seja, sempre te apoiaram e apostaram em ti.
JR: Sempre. Deixaram-me crescer e brilhar ao lado deles. Foi muito importante para mim. Senti um apoio enorme dos meus atuais sócios e sei que sempre me viram como uma boa profissional. O ser mulher, ou ser tão nova, nunca foi posto em causa. Até que, um dia, me convidaram a ser, oficialmente, sócia deles. Não mudou muito, porque já era recebida de braços abertos por todos, mas tornou-se oficial. E estou muito agradecida pela oportunidade que me deram. Nunca me deixaram desistir.
O que nem sempre é fácil porque eras, e és, muito nova. Podias rapidamente ter decidido mudar de área, ou querer explorar outras possibilidades.
JR: Completamente. Houve alturas em que dizia que não aguentava mais. Trata-se de um trabalho de uma pressão extrema. Lidar com pessoas diariamente é complicado.
E faz agora, salvo erro, dois anos que te tornaste sócia, certo? És a mais nova?
JR: Sim. Os outros sócios – incluindo o Paulo Gonçalves, o Gonçalo Fitas e o Samuel Lopes – fizeram-me o convite há dois anos. Sou a mais nova da administração e juntei-me a eles antes dos 30 anos, como mencionaste. Era o meu objetivo de vida ficar sócia deles. Tinha outro sonho, o de trabalhar em restauração, e também já se tornou realidade – o Envy. Abrimos o restaurante durante a pandemia e mantivemo-lo mesmo depois desta ‘passar’.
Sou a mais nova da administração e juntei-me a eles antes dos 30 anos.
A abertura do Envy foi uma forma de lidar com as restrições impostas pela pandemia (em que os estabelecimentos noturnos não essenciais foram obrigados a fechar portas)?
JR: Sim. Era uma ideia que já tínhamos tido, mas a pandemia acelerou o processo. Com o Lust fechado, abrir um restaurante foi a solução mais acertada. Lembro-me que lhe chamávamos de Lust in Rio, também, mas percebemos que tínhamos de mudar de nome até para criar uma separação entre o que era a discoteca e o que era o restaurante. O Paulo, que sempre foi muito bom em escolher nomes, decidiu trocar o nome para Envy – inspirado nos sete pecados mortais.
O que acaba por dar uma outra dimensão ao grupo. E divide, separa, de certa forma mais ‘oficialmente’, o espaço em dois.
JR: Sim, quisemos separar uma coisa da outra. Foi uma maneira, também, de clarificar e expandir as várias vertentes do grupo. Tornar mais claro que são espaços ‘alternativos’, apesar de fazerem parte de um mesmo espaço.
Falaste agora nos sete pecados mortais. É essa a inspiração por trás da vossa comunicação também, enquanto grupo?
JR: Por enquanto tem sido assim. Não quer isto dizer que o grupo não abra outro estabelecimento com um nome que em nada faça alusão ao tema! Nunca se sabe… Mas é um tema com que é fácil brincar. Por exemplo, no dia dos namorados, enviámos Press Kits a alguns dos nossos clientes do Envy. Claro que jogámos com referências aos pecados. Até porque a nossa comunicação visa ser divertida. Faz parte do nosso branding.
Claro – ainda por cima sendo um restaurante adjacente a clube. Notas alguma mudança na perceção que muitos têm desta indústria?
JR: Exato. Noto, certamente. Acho que já não é um negócio visto de forma tão negativa como antes fora. Já é mais levado à séria como um negócio lucrativo e que carece de uma estratégia muito forte, como é também apanágio de várias outras empresas. Um empresário do setor noturno difere, aos olhos de muita gente, de um empresário de restauração. E o ser mulher é uma coisa pioneira em Portugal.
Um empresário do setor noturno difere, aos olhos de muita gente, de um empresário de restauração.
Sim. Socialmente acaba por ser uma grey area. É um negócio, claro, mas muito associado a vícios, álcool, etc.
JR: Exatamente. Tinha uma imagem menos positiva. Hoje está cada vez mais a ser visto como um investimento. Existem muitos empresários que estão a começar a querer investir na noite. E agora, com a abertura do nosso restaurante, atraímos todo um outro mundo. Estou muito contente e sinto-me feliz a fazer o que faço.
Mas – uma coisa que talvez só poucos saibam – é que és ‘obrigada’ a trabalhar a horas inacreditáveis…
JR: É verdade. E durmo apenas quatro horas por noite. Mas isto obriga-me a dinamizar o meu dia e saber onde tenho de usar a minha energia de forma eficaz. Claro que muitas vezes estou extremamente cansada, mas faço-o por gosto. Acabo por sentir que passo 24 horas por dia no meu local de trabalho e, às vezes, não quero sequer olhar para o meu telemóvel, mas são os ossos do ofício… foi a vida que escolhi!
É um trabalho que exige seres multifacetada – não só és sócia, como acabas por estar aqui todas as noites, recebes muito do público que aqui vem…
JR: É verdade! No que toca à operação noturna, eu e o Paulo fazemos grande parte da gestão da mesma. Estamos sempre cá e ficamos a noite inteira. Nem temos um gerente que o faça por nós. Também não dividimos tarefas que forma rígida. Fazemos um pouco de tudo e vamos sempre vendo o que precisa da nossa atenção. No restaurante, temos um gerente que é responsável pelas nossas reservas, por exemplo. Eu e o Paulo acabamos por estar mais ‘a controlar’ o espaço. Mas foi quando o Envy abriu que aprendi mesmo o que é trabalhar em restauração.
Mas foi quando o Envy abriu que aprendi mesmo o que é trabalhar em restauração.
JR: Chegávamos a servir quase 600 jantares e eu pouco ou nada sabia sobre restaurantes. Comecei a ler imenso e a estudar mais sobre o assunto. Gosto de aprender e estou sempre a fazê-lo. Aprendo com os meus sócios e com clientes.
Para quem ainda não conhece o restaurante Envy, acho importante realçar o facto de se tratar de um espaço em que decorrem vários espetáculos durante as refeições. Ou seja, janta-se enquanto se assiste a shows. Sendo que estes são maioritariamente escolhidos por ti.
JR: Sim! Dou muitas ideias para os espetáculos que aqui se assistem. Estou muito presente em toda a organização e à comunicação destes. Temos eventos que decorrem no restaurante e faço visitas técnicas quando sinto ser necessário. Ajudo na seleção da roupa que os dançarinos usam, por exemplo.
Uma sócia com mão direta nos detalhes todos. Coisa que já te tornou conhecida noutros estabelecimentos, segundo sei.
JR: Sim, não há muito delegação externa, confesso. Gosto de estar a par de tudo e de acompanhar todos os processos eu própria. Sou empresária, claro, mas também gosto de estar aqui: presente e a ajudar. É toda uma outra energia, também. Já me contaram que noutros estabelecimentos o meu nome é mencionado pelo papel que desempenho aqui. E, claro, pelas amizades que fui desenvolvido com alguns dos nossos clientes que são figuras públicas.
Sendo que muitas cá vêm ter contigo especificamente porque sempre conseguiste estabelecer elos de ligação e confiança com elas…
JR: Sim! Sempre tive jeito de lidar com pessoas e sou muito profissional na maneira em que lido com o nosso público. Acho que muitas figuras públicas se sentem confortáveis aqui. No que toca a negócios aprendi imenso na Universidade, claro. Mas teoria e prática são extremamente diferentes aqui. Principalmente o lidar com clientes mais difíceis. Noto que muitas pessoas ainda falam comigo de maneira muito diferente de como falariam com um homem.
Enquanto sócia ou quando estás a trabalhar no dia-a-dia?
JR: Em ambos os casos, para ser sincera. Já estive em várias reuniões, repletas de homens, que que me tentam descredibilizar enquanto profissional. Quando não conseguem atacar o meu trabalho, viram-se muito rapidamente para o facto de eu ser mulher. Começam a fazer comentários desagradáveis para me intimidar ou fazer pensar duas vezes no que digo. Mas sou de pulso firme e respondo. Marco o meu lugar, o meu terreno. Aliás, sempre tive de o fazer. É infeliz, mas tive de me adaptar a essa realidade. Comecei a ser mais assertiva com o que digo. Não tenho de gritar para me fazer ouvir.
Já estive em várias reuniões, repletas de homens, que que me tentam descredibilizar enquanto profissional. Quando não conseguem atacar o meu trabalho, viram-se muito rapidamente para o facto de eu ser mulher.
JR: Algumas pessoas acham que nós, mulheres, somos muito frágeis. E é interessante, porque muitos mostram achar que se falarem connosco de forma dura, nos conseguem deitar abaixo. Não estou a querer generalizar, atenção. No Lust e no Envy vários dos nossos postos de chefia são ocupados por mulheres. Os meus sócios, todos homens, são excelentes nessa frente. Não pensam duas vezes. E isso é extremamente importante. Sei que várias raparigas mais novas prestam atenção ao que faço e ficam inspiradas por saberem que podem fazer o mesmo.
Imagino. E o estar presente no estabelecimento ajuda a solidificar essa posição e a transmitir essa noção à geração mais nova.
JR: O verem-me ‘em ação’ parece ser muito importante. Não sou ‘apenas’ uma sócia no papel. Sou uma parte ativa e visível da máquina, digo eu. Sinto-me muito contente quando raparigas mais novas vêm ter comigo e demonstram interesse genuíno no que faço. Percebem que, de facto, esta abre, escancara, uma possibilidade para elas.
Muitas delas com idades semelhantes à que tinhas quando entraste nisto… E o que te fez querer estudar Gestão na universidade, não foi?
JR: É verdade! Trabalhava enquanto estudava. Quis fazer uma licenciatura em Gestão e queria ser empresária. Para isso tinha de ter as bases necessárias. Não queria ser RP a vida toda. Queria um negócio – só tinha de saber no quê. E não quero ficar por aqui! Quero muito mais.
Sei que os teus pais são uns dos grandes pilares da tua vida.
JR: Sim. Em todo o meu percurso os meus pais foram sempre o meu maior apoio. Nunca ‘descambei’, como se diz. O trabalhar no setor noturno era muito preocupante para eles. É fácil enveredar por caminhos menos bons. Sempre tive muita cabeça, mas o papel deles na minha educação foi vital. Sempre foram um nexo fulcral muito importante para mim e devo-lhes o meu percurso todo. É neles que me apoio, é com eles que falo sobre tudo, e, quando estou a passar por fases mais difíceis, é com eles que vou ter.
O trabalhar no setor noturno era muito preocupante para eles.
JR: Eles não queriam que eu estivesse a trabalhar nesta área. Ficaram preocupados por ter uma filha, uma mulher, neste meio. Claro que agora sou o maior orgulho deles.
Gostas imenso de desafios… Sentes que és uma pessoa competitiva?
JR: Muito! Preciso de motivação e competição desperta esse lado em mim. Gosto de números e de os alcançar ou ultrapassar. Gosto de trabalhar sob pressão. Aliás, não me imagino a trabalhar sem ser sob pressão. Obriga-me a pensar estrategicamente. Noto, até, que consigo explorar muito este meu lado quando estou a falar com os meus sócios. Eles não se opõem a ideias minhas e mantêm uma mente muito aberta a tudo o que sugiro. Particularmente ideias que envolvem pessoas que eles não conhecem bem ou em plataformas que não usam.
Preciso de motivação e competição desperta esse lado em mim. Gosto de números e de os alcançar ou ultrapassar.
JR: O digital é muito importante, por exemplo. E o pensar em formas de conseguir alcançar números e certas margens de lucro é-me gratificante.
E por fim, tens grandes planos futuros?
JR: Sim. Não quero parar de trabalhar. E não quero parar aos 40 anos! Quero continuar a trabalhar muito. Até para dar uma alegria gigante aos meus pais. Quero aprender ainda mais e ainda quero explorar muitíssimas coisas.