Apesar de hoje ser uma das influencers mais conhecidas de Portugal, o certo é que Anita da Costa nos contou ter sentido, no início, algum receio em ser ‘apenas mais uma’ a publicar nas redes sociais. Hoje, distingue-se por ser uma das influencers pioneiras a colaborar nas suas plataformas digitais com marcas de luxo – e a fazê-lo com grande sucesso.
Com uma curadoria trabalhada e altamente visual, o que rapidamente a destacou, Anita mantém parcerias high-end ao mesmo tempo que vai explorando o seu lado de entreprenuer com outros projetos, em paralelo. Em conjunto com o seu marido, Tomás Castanheira, e com Francisco Quelhas, Anita está por trás da Cubu Fitness Boutique: uma marca de roupa slow fashion que se posiciona num patamar premium do mercado. Com linhas concebidas para desporto, mas, também, para o dia-a-dia, a Cubu prepara-se para abrir o seu primeiro espaço físico, em Portugal.
Para além deste seu lado empreendedor, Anita estudou na Academia Contemporânea de Espetáculo, no Porto, e, com apenas 18 anos, integrou o elenco da mais conhecida série juvenil portuguesa – os Morangos com Açúcar. Assim que terminou as gravações, mudou-se para Los Angeles em busca de concretizar o sonho de estudar representação em Hollywood. Quando percebeu que não se identificava inteiramente com o mundo do teatro, começa a estudar Direito, na Universidade de Coimbra e, em simultâneo, cria um blog e uma conta de Instagram que rapidamente começaram a ganhar tração. Tudo isto numa altura em que o conceito de influencer era inexistente, ou ainda tão só emergente, especialmente em Portugal.
A FORBES teve a oportunidade de conversar com a Anita, que nos contou como tudo começou. Falámos, entre muitas outras coisas, sobre a importância de saber ‘calcular’ o nosso valor no mercado, mesmo que tal implique rejeitar propostas monetariamente aliciantes. Defensora que não são apenas os números de interessam, Anita realçou a importância de se estar sempre consciente do posicionamento das marcas com que se trabalha, das estratégias das mesmas, e da capacidade dos influencers em perceber como adaptar os valores que propõem face aos seus objetivos pessoais. Conversámos, ainda, sobre como vários dos métodos de trabalho da Anita refletem o que aprendeu na Universidade – da maneira em que estrutura partes do seu negócio à atenção redobrada que mantém ao ler os contratos que lhe passam pelas mãos.
Anita, hoje desdobras-te em mil – és influencer, és mãe da Belém, tens a tua marca pessoal, tens a Cubu… Mas como é que tudo começou? Do teu sonho de atriz aos teus negócios atuais?
Anita da Costa Castanheira (AC): Em boa verdade, acho que tudo começou quando eu ainda era muito nova. É engraçado porque foi numa conversa com os meus pais, em casa, que decidi que queria ser atriz. Devia ter pouco mais de seis anos. Lembro-me que o meu irmão me tinha dito que queria ser ator e a mim pareceu-me uma ideia incrível! Acho que sou uma pessoa muito obstinada e aquilo acabou por ficar na minha cabeça durante vários anos.
E assim o fizeste, sem nunca perder o fio à meada…
AC: Sim! Comecei a estudar teatro quando tinha 15 anos, numa escola profissional de teatro, a Academia Contemporânea de Espetáculo, no Porto. Completei o secundário e, depois, fiz o casting para os Morangos com Açúcar. O ambiente numa escola de teatro é incrível e altamente estimulante criativamente. Era muito divertido, cantávamos o dia todo e tínhamos imensas aulas. Dança, música… o ambiente era diferente de o de uma escola ‘normal’. Acredito que todos estes estímulos à criatividade que aprendi no teatro e mesmo na televisão, me trouxeram à profissão onde estou hoje.
Acredito que todos estes estímulos à criatividade que aprendi no teatro e mesmo na televisão, me trouxeram à profissão onde estou hoje.
E como surgiu a oportunidade de fazeres parte do elenco dos Morangos com Açúcar?
AC: Na verdade, os Morangos foram o meu primeiro casting! Fi-lo na Academia e depois chamaram-me para Lisboa. Durante a minha adolescência, sempre fui muito confiante e acho que isso me ajudou imenso.
Mas então foste, ainda muito nova, viver para Lisboa… ‘de repente’, praticamente.
AC: Praticamente, sim. E eu nunca tinha trabalhado antes, comecei a trabalhar de segunda a sábado, com 18 anos. Estava numa cidade nova a gravar uma novela.
Claro. E mesmo assim decidiste que querias embarcar numa nova experiência e ir para Hollywood pouco tempo depois! Quando é que tomaste a decisão de partir para os Estados Unidos?
AC: Nunca soube sonhar pequeno, queria ir para Hollywood. Depois de acabar de gravar os Morangos com Açúcar fui estudar para os EUA. Fiquei em Los Angeles um ano.
E tiveste imenso apoio familiar, o que é ótimo e uma oportunidade única. Como descreverias a tua experiência em Los Angeles?
AC: É verdade! Sim, tudo isto só foi possível porque tive apoio familiar. Estive em Los Angeles durante um ano a fazer um curso na The American Academy of Dramatic Arts. Foi das melhores experiências da minha vida! Custou-me imenso voltar e, ainda por cima, para estudar em Coimbra.
Estive em Los Angeles durante um ano a fazer um curso na The American Academy of Dramatic Arts. Foi das melhores experiências da minha vida!
Claro, voltou a ficar tudo diferente… outra vez! Quase que um ‘choque cultural’ invertido, por assim dizer. Mas tu voltaste porque decidiste mudar de profissão, certo?
AC: Voltei porque não é fácil ser uma aspirante a atriz em Los Angeles sem visto. E quando cheguei, senti que as portas não estavam abertas para mim no mundo da representação. O que, anos depois, percebi que foi o melhor que me podia ter acontecido. Não foi fácil voltar. Há sempre uma parte de mim que sente que falhou e o plano B não me parecia, na altura, o ideal. A transição Los Angeles-Coimbra não ajudou; mas este foi também o momento em que percebi que não me identificava assim tanto com o teatro. Pelo menos não na maneira em que outros colegas meus se identificam com esse mundo. Gosto de ir ao teatro, de estar do lado do espetador. Mas gosto muito mais do que faço agora e sinto que sou bem-sucedida no meu trabalho.
AC: Olhando para trás, acho que se tivesse sido atriz, também não teria sido uma atriz brilhante. Portanto, ainda bem que a minha vida mudou e que sou influencer. Apesar de ser um termo que ainda me faz um pouco confusão de usar – soa-me pretensioso dizer que ‘influencio pessoas’ –, a verdade é que já me habituei a isso e já não o vejo no verdadeiro sentido da palavra. Quando me dizem que gostam do meu trabalho, imagino que gostem da estética das minhas publicações, do meu estilo e da fotografia. Sou uma pessoa muito “visual” e penso no meu trabalho muito mais nestes termos, do que propriamente em influenciar. Acho que isto, acaba por ser uma consequência. Uma ótima consequência, na verdade, porque transformou-se no meu full-time job.
Ainda bem que a minha vida mudou e que sou influencer. Apesar de ser um termo que ainda me faz um pouco confusão de usar – soa-me pretensioso dizer que ‘influencio pessoas’ –, a verdade é que já me habituei a isso e já não o vejo no verdadeiro sentido da palavra.
AC: Lembro-me de voltar dos Estados Unidos e de falar com a minha mãe que me disse que tinha de fazer alguma coisa para não estar parada. Ela é advogada e, apesar de eu ter pensado em estudar Filosofia ou Ciências Políticas, acabei por decidir estudar Direito; um bocadinho influenciada por ela, fiz o curso na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Mas apesar de seres influencer hoje em dia, nem sempre tiveste vontade de usar redes sociais…
AC: Sim, exatamente. Em 2011 ou 2012, vivi um ano sem redes sociais. Na altura, toda a gente estava no Facebook, mas eu rapidamente perdi o interesse em ser ativa nessa plataforma. Sentia que era um mundo muito pequeno e que acabava por partilhar muito da minha vida online e nunca numa perspetiva criativa, era demasiado pessoal. Acredito que o facto de me ter apercebido disto nesta altura e de ter passado este ano fora do digital, me fez estar um bocado mais preparada para voltar e saber contar histórias de uma forma menos invasiva. Depois, quando apareceu o Instagram, achei que era uma plataforma muito mais visual. Aliás, nem existiam captions, salvo erro.
AC: Lembro-me de publicar uma fotografia da janela de um comboio, cheia de filtros e essa era a história. Não havia reels ou qualquer tipo de vídeo, posts em carrossel, parceria remunerada ou localização. Não havia FOMO de estar onde toda a gente está, a fazer a mesma coisa. Havia algum mistério que nos permitia deixar mais para a imaginação. Uma única imagem. Era mais carismático o Instagram de há 10 anos atrás, não era? Mas foi a evolução que permitiu fazer disto um trabalho a tempo inteiro, portanto estou muito grata!
AC: Houve um entusiasmo enorme da minha parte, porque era uma plataforma simples e virada para fotografia. Acho que criei a minha conta em 2012, quando estava no meu segundo ano de Faculdade.
Não havia reels ou qualquer tipo de vídeo, posts em carrossel, parceria remunerada ou localização. Não havia FOMO de estar onde toda a gente está, a fazer a mesma coisa.
Como é que foi começar a estudar Direito, depois de teres estado na televisão e depois de teres vivido um ano fora a fazer coisas completamente diferentes?
AC: Na Faculdade sentia-me um peixinho fora de água. Era um ambiente diferente daquilo que estava habituada. Como disse, tinha estudado teatro durante alguns anos – agora a linguagem era outra. Claro que depois apanhei o ritmo e gostei imenso do curso. Apesar de hoje em dia trabalhar numa área que difere muito da do Direito, acho que me deu um leque de mecanismos de trabalho que me são bastante úteis. É um curso desafiante que exige empenho. Não é rocket science – acho que qualquer pessoa que se empenhe consegue fazê-lo. Mas a verdade é que exige muito estudo e muita leitura.
Apesar de hoje em dia trabalhar numa área que difere muito da do Direito, acho que me deu um leque de mecanismos de trabalho que me são bastante úteis.
E eras reconhecida na Universidade, por ter sido atriz nos Morangos com Açúcar?
AC: Na universidade, eu tinha uma postura muito tranquila porque tinha “vergonha” que me pudessem reconhecer da televisão. Mas não me senti muito reconhecida. Aliás, hoje em dia também não me sinto muito reconhecida no geral, mas o Tomás, o meu marido (entretanto casei-me), já repara mais nisso. Mas é uma ou outra pessoa, uma vez por outra. Na Faculdade, queria garantir que os professores não faziam ideia que tinha feito televisão. Tinha medo que houvesse algum estigma. Estava lá mesmo para estudar, sentava-me na primeira fila e era meio nerd. Entrava, tirava notas, estava com umas amigas próximas, e depois vinha-me embora. Nunca senti que olhassem para mim e pensassem na ‘Anita dos Morangos’, por exemplo. E nessa altura já tinha decidido que não ia ser atriz…
Estavas a entrar numa fase nova da tua vida. É sempre mais difícil se és constantemente relembrada do papel que tiveste nos Morangos, calculo eu. Mas voltando ao que me disseste há pouco, de que maneira é que o teres estudado Direito te ‘moldou’ na forma em que hoje trabalhas? Todas as experiências que temos alteram sempre alguma coisa…
AC: Sim! Sinto que ainda hoje os meus métodos de trabalho refletem partes do que aprendi na universidade. O curso deu-me uma estrutura para pensar no negócio que tenho atualmente. Aprendi a ler, falar e escrever de uma maneira diferente.
O curso deu-me uma estrutura para pensar no negócio que tenho atualmente.
AC: Mas, a determinada altura, senti que me faltava alguma coisa. Não me sentia estimulada na parte (ou na dimensão) criativa. Este meu sentimento acabou por coincidir com a altura em que o Instagram era muito ‘generoso’ (no início) e os followers cresciam a uma velocidade diferente; pelo menos para mim. As pessoas interessavam-se e interagiam muito e a minha conta ia crescendo e crescendo.
O que também coincidiu com a criação do teu blog, Anita and the Blog.
AC: Sim, foi nesta altura que decidi criar o meu blog. Não existia muito o conceito de influencer e instagramer; o Instagram ainda era uma plataforma pouco conhecida. Alguns blogs começavam a surgir, especialmente lá fora. Estou a pensar no blog da Chiara Ferragni, por exemplo, e nalguns cá em Portugal, como o da Vanessa Martins ou Mafalda Castro, por exemplo. De início tive medo de ser ‘só mais uma’, mas agora estou contente por não ter cedido a esse medo.
De início tive medo de ser ‘só mais uma’, mas agora estou contente por não ter cedido a esse medo.
AC: Lembro-me de enviar imensos e-mails a marcas com propostas de permutas, publicação em troca de produto, etc. Como tinha vergonha de enviar a marcas portuguesas, contactava marcas estrangeiras, a maior parte americanas e australianas. Acho que pensava que quanto mais longe melhor! Também porque já estavam um bocadinho mais à frente no investimento no Instagram e não estranhavam as propostas. Mesmo assim, recebi muitos ‘nãos’ e silêncios, mas lá no meio aparecia um sim, que fazia o meu dia. A primeira vez que tive um trabalho remunerado com uma marca, foi no meu terceiro ano de Universidade, com a Brownie. Ainda hoje trabalho com eles. No meu primeiro post fui paga 100 euros! Atualmente já trabalhamos com valores diferentes, claro, mas a Brownie é uma marca com que gosto imenso de trabalhar; e, porque foi a minha primeira, tenho um carinho especial. A verdade, para além disso, é que a partir daqui outras oportunidades foram surgindo.
Recebi muitos nãos e silêncios, mas lá no meio aparecia um sim, que fazia o meu dia.
Mas chegou a haver uma altura em que ficou difícil conciliar os estudos com o que viria a ser o início de uma carreira de influencer?
AC: Sim, no meu penúltimo ano de Faculdade ainda conseguia manter algum equilíbrio entre o trabalho e a Universidade. Mas, no meu último, começou a ficar difícil conciliar ambos porque já fazia várias viagens de trabalho. Recebia vários emails com propostas como influencer, e lembro-me de pôr o meu computador offline para não ficar distraída enquanto estudava.
Um muito crescimento rápido, de um ano para o outro… mas um equilíbrio difícil em que soubeste escolher o que querias priorizar!
AC: Sim. Sempre tive na minha cabeça a ideia firme que queria terminar o meu curso. Não fazia sentido não completar os meus estudos estando tão próxima do fim. Aliás, ainda cheguei a entrar num mestrado em Direito Internacional Público. Mas aí a exigência já era outra. Na minha licenciatura não era obrigatório ir às aulas, o que me dava alguma flexibilidade. Já era dona do meu tempo nessa altura, pelo menos fora da época de exames.
Sempre tive na minha cabeça a ideia firme que queria terminar o meu curso. Não fazia sentido não completar os meus estudos estando tão próxima do fim.
E quando é que decidiste que te querias focar mais na tua carreira?
AC: No início do meu mestrado. As aulas eram de presença obrigatória e a flexibilidade foi diminuindo. A certa altura tive a oportunidade de ir a um evento, em Itália, e fui falar com um professor que, naturalmente, estava empenhado em seguir todas as regras e não abriu exceção. No lugar dele teria feito o mesmo, compreendo perfeitamente, mas foi o ‘não’ que eu precisava de ouvir para me dedicar a 100% ao meu trabalho. Já tinha a minha licenciatura – que na verdade sempre foi o meu objetivo – e tive de arriscar. Não me via a trabalhar naquela área num futuro próximo e, inicialmente, tinha-me inscrito no mestrado por me parecer interessante. Comecei a dedicar-me completamente ao blog e ao Instagram.
Foi o ‘não’ que eu precisava de ouvir para me dedicar a 100% ao meu trabalho. Foi nesse momento que decidi que já não conseguia conciliar as coisas. Já tinha a minha licenciatura – que na verdade sempre foi o meu objetivo – e tive de arriscar.
Os tais ‘não’ que nos são tão úteis… E também já ganhavas dinheiro através do blog, certo?
AC: Sim, já. Tinha alguns posts remunerados no blog. E tenho pena de não ter continuado a escrever nele porque adorava, mas a determinada altura deixou de compensar. Os meus números no Instagram eram muito superiores ao número de leitores que tinha e acabei por me ‘desligar’ do site. Mas, quem sabe, volto a tentar um dia destes, nem que seja só “por desporto”.
Claro, faz sentido. Até porque tinhas de te focar no que te dava uma carreira mais sólida. Em termos de reach e números, digo eu. Não deixa de ser o teu futuro, apesar de ter começado como uma coisa on the side.
AC: É verdade. E é curioso porque as coisas não mudaram muito. Apesar de ter ajuda e recorrer algumas vezes outsourcing, para gravar vídeos, por exemplo, que está fora da minha zona de conforto. Tudo começou com a minha irmã a fotografar-me, ao início, e não está muito diferente disto. Neste momento tenho uma pessoa a trabalhar comigo à experiência, mas ainda estou a aprender a lidar com a minha dificuldade em delegar. Sinto que o meu trabalho depende muito de mim e da minha criatividade, é demasiado pessoal.
Agora que és mãe da Belém, notas que ficou mais difícil gerir tudo sozinha?
AC: Claro que é mais complicado. Durante o primeiro ano da Belém, passei muito tempo em casa com ela. Tinha de continuar a trabalhar e nem sempre conseguia sair de casa e ir fotografar com alguém. Portanto, fotografei e gravei a maior parte dos meus reels aqui em casa, com um tripé.
Neste momento tenho uma pessoa a trabalhar comigo à experiência, mas ainda estou a aprender a lidar com a minha dificuldade em delegar.
Sim, e com uma escala maior é preciso manter um certo fluxo de trabalho. Até porque és muito ativa online e já se espera ver conteúdo com regularidade. E, novamente, o estares formada em Direito de certa forma pode solidificar esta tua capacidade de trabalhar sozinha. Não precisas de recorrer a terceiros da mesma forma.
AC: Tens toda a razão, e é interessante porque, de facto, sinto que isso é verdade. Quando trabalho com marcas sou sempre eu que leio os contratos e, por ser jurista, tenho um cuidado extra quanto ao que assino. Há vários contratos que tenho de negociar. Vários influencers trabalham com agências que o fazem por eles, mas não aceito assinar contratos com certas cláusulas e leio tudo com uma atenção redobrada. Sou a “chata dos contratos”.
Quando trabalho com marcas sou sempre eu que leio os contratos e, por ser jurista, tenho um cuidado extra quanto ao que assino.
Exatamente. É mais uma skill que te é muitíssimo útil, como já falámos.
AC: Claro. Aprendi a ler as ‘letrinhas pequeninas’. Quer em parcerias ou quer noutro tipo de acordos que me são propostos. Às vezes tenho de ceder, quando quero muito ficar com o trabalho.
Claro, tens de te adaptar os teus critérios aos teus objetivos. Aliás, a tua maneira de comunicar com o teu público também se vai adaptando aos ‘tempos’ de hoje. É um processo constante de aprendizagem e uma carreira que vai evoluindo com feedback – direto ou não.
AC: Sim. Gosto de ter contacto com as pessoas através das redes sociais, mas sinto sempre que tenho que me proteger. Respondo a imensas mensagens, não a todas, infelizmente. Mas vou respondendo a algumas DMs. Durante a pandemia, acabei por começar a falar menos para a câmara. Acho que foi ‘um movimento’ geral, vários influencers fizeram o mesmo. Não queríamos dizer nada de errado durante essa fase em que as pessoas estavam tão atentas e toda a gente estava online. Além disso, e em paralelo, estávamos perante um shift na forma em que o público interage com o nosso conteúdo.
Estávamos perante um shift na forma em que o público interage com o nosso conteúdo.
AC: Noto que as pessoas são muito mais críticas agora, nas redes sociais. A critica não é necessariamente má, pelo contrário, mas às vezes é mais do que isso e tendencialmente em massa. Tive de adaptar a minha comunicação. Sempre partilhei um bocado da minha vida e até acho que nunca partilhei demasiado, mas na verdade, cada vez partilho menos.
Sim, e os teus seguidores só têm acesso a uma parte pequena da tua vida.
AC: É verdade. Escolho o que publico. Por exemplo, não partilho muitos episódios “negativos” da minha vida pessoal. Nada de errado com quem o faz, mas não é o meu tipo de comunicação. Não me sinto confortável com essa exposição. Sinto-me vulnerável. E também não é um tipo de conteúdo que eu consuma. Uso o Instagram como plataforma de inspiração. Claro que, por vezes, há conteúdos mais ‘vulneráveis’ que gosto de ver, com os quais me identifico. Mas há um limite: há uma linha muito ténue entre o que me parece partilhável e o que não o é, e é fácil sentirmo-nos demasiado confortáveis nas redes sociais e, de repente, passarmos a linha. A exposição faz com que aos nossos seguidores sintam que fazem parte da nossa vida e se haverá alturas da nossa vida em que isso é bom, noutros momentos em que precisamos de estar resguardados já não é. Por isso mesmo acho que é importante estabelecer este limite no dia-a-dia.
AC: E não me interpretem mal, eu própria partilho muitos momentos pessoais e da minha família. Mas é uma parte muito pequena e para mim, ainda dentro do limite do que é saudável. Sei que para uma pessoa que não trabalha na área, por exemplo, aquilo que eu partilho até já seria demasiado.
Claro, fazes a curadoria do que publicas. E, por falar em curadoria, um aspeto que te diferencia um bocado de outros influencers é o facto de teres sido uma das pioneiras a trabalhar com marcas de luxo. Já trabalhaste com a Prada, BMW, Hermes Beauty, Chanel, Emporio Armani, Armani Beauty, Carolina Herrera… Como é que começou a tua parceria com marcas high-end?
AC: Acho que ter começado a ‘comunicar’ as marcas de luxo por iniciativa própria, sem ser em trabalho, ajudou bastante. Acabei por me conseguir posicionar nesse meio e ser associada a certo tipo de curadoria. Quando as próprias marcas começaram a querer apostar em influencers, senti que já me encaixava com o trabalho e investimento que tinha feito até aí. Acabaram por ser as marcas a vir ter comigo e a sugerir parcerias.
Acabei por me conseguir posicionar nesse meio e a ser associada a certo tipo de curadoria.
AC: Claro que depois começa a ser um processo orgânico, à medida que solidifico a minha posição nas plataformas. Sinto que a maior parte das vezes fui descoberta através do Instagram pelas próprias PRs internacionais das marcas e não por agências intermediárias em Portugal. O que me faz sentir orgulhosa claro, perceber que afinal, o meu tipo de comunicação fala outras línguas.
Um branding que já existia, ou ia ao encontro, do que marcas de luxo procuram.
AC: Um bocado, sim. E apesar da minha conta não ser a maior no Instagram, isto é, não tenho milhões de seguidores, acredito que as marcas com quem trabalho me contratam porque acreditam que o meu conteúdo se enquadra com a comunicação da marca, assim como o com o posicionamento e o público alvo deles.
Sim, não são só números que interessam.
AC: Exatamente. Existem vários tipos de estratégias, claro. Há marcas cujo objetivo único é notoriedade e atingir o maior número de pessoas possível, e outras que querem responder a um nicho mais pequeno e específico. Até porque o meu perfil é mais trabalhado e eu não seria a pessoa certa para publicitar marcas que não vão ao encontro da minha própria marca, por assim dizer. Com a experiência, acabei por aprender a posicionar-me e atribuir um valor ao meu trabalho. As métricas não são só números, claro está, e há que pensar noutras condicionantes.
Com a minha experiência, acabei por aprender a posicionar-me e atribuir um valor ao meu trabalho. As métricas não são só números, claro está, e há que pensar noutras condicionantes.
AC: Também tento adaptar o valor que proponho às marcas baseado no interesse que tenho em atingir certos objetivos. Claro que se me dão um certo posicionamento que se alinha com os meus propósitos na altura, sou capaz de estipular um valor mais baixo à marca. Sei que há determinadas marcas que querem estar num perfil que comunica marcas high-end, portanto às vezes baixo o valor de um post. Até posso estar a perder nesse trabalho, mas a longo prazo acredito que esteja a ganhar. Não deixa de ser um negócio; é importante ter estratégias para que seja rentável e duradouro.
Faz todo o sentido, tens de gerir a tua imagem. E saber ‘calcular’ o nosso valor é fundamental. Aliás, todos os empreendedores com quem falo dizem-me sempre o mesmo. E ‘valor’ pode ser monetário ou não.
AC: Claro. Estou a trabalhar neste ramo há 10 anos. Investi em máquinas, em pesquisa, em planear a minha imagem, aprendi a pensar no que o meu público quer ver, etc. Investi o meu tempo e a minha vida é isto.
Acontece muitas vezes rejeitares propostas, mesmo que o que te ofereçam seja tentador?
AC: Acontece. Às vezes rejeito propostas que são muito aliciantes. Mas estou a construir uma carreira e quero manter a minha credibilidade e para isso é preciso saber dizer ‘não’. Quero que as pessoas acreditem em mim e nos produtos que ‘vendo’. É muito importante identificar-me com as marcas com que trabalho. Não posso subestimar os meus seguidores, acho que percebem quando alguma coisa não encaixa no perfil.
Às vezes rejeito propostas que são muito aliciantes. Estou a construir uma carreira, quero manter a minha credibilidade e para isso é preciso saber dizer ‘não’.
Compreensivelmente. E há medida que a vida muda, vamos adaptando o trajeto da nossa carreira. Aliás, deve ter acontecido isso com o nascimento da Belém, suponho.
AC: Sim, evidentemente. Até na maneira como giro o dinheiro que recebo de trabalhos que faço com a Belém. Tudo o que recebo por posts que a envolvem, é para ela. A Belém terá acesso a esses ‘fundos’ quando for mais velha. São trabalhos que surgiram pela existência da Belém na minha plataforma e pareceu-me o mais correto eticamente. De início questionei-me se deveria partilhá-la nas redes sociais, e às vezes ainda tenho as minhas dúvidas, confesso, mas não acho que exista ‘certo ou errado’ nesta situação; existem apenas diferentes opiniões.
Mais recentemente, começaste a explorar outra tua vertente, também de entrepreneur, mas com uma marca nova. Não a tua ‘marca’ no papel de influencer, mas mesmo numa marca física: a Cubu Fitness Boutique.
AC: Sim! Inicialmente, não era uma marca minha. Era do meu marido (Tomás Castanheira) e do Francisco Quelhas. O Tomás sempre teve a ideia de começar este projeto, com contornos diferentes do que acabou por se tornar, mas decidiram fazer uma primeira coleção e assim o Cubu Fitness Boutique nasceu como uma marca de SportsWear e LoungeWear. É um conceito que está patente nas linhas que lançámos, mas que esperamos vir a desenvolver ainda mais e com outras dimensões.
É um conceito que está patente nas linhas que lançámos, mas que esperamos vir a desenvolver ainda mais e com outras dimensões.
AC: Mas, até lá, decidimos avançar com a criação de uma coleção nossa. Acabei por ver-me sempre envolvida no processo de criar as peças com o Tomás, éramos os criativos da Cubu. Fez sentido juntar-me ao projeto deles.
Então o teu papel acaba por ser mais na vertente criativa da Cubu, certo?
AC: Sim. Apesar de o fazer muito com o Tomás. O Francisco está mais em controlo da performance da marca, o Tomás na parte da gestão, e eu na parte criativa. Acabo por fazer muita pesquisa, mood boards, escolho cores, faço a gestão da social media da marca, idealizo e faço o styling das campanhas, etc. Mas é um trabalho diário. O contacto com fornecedores e produtores é constante: escolher malhas, cores, receber e aprovar desenhos técnicos, fazer o fitting, entre outras coisas.
A Cubu junta estes dois mundos – sportswear e loungewear – e transpõe-os para um patamar mais premium do mercado. O vosso público é maioritariamente português?
AC: A maior parte dos nossos consumidores são de Portugal, sim. Mas temos uma grande percentagem de clientes internacionais. Diria que cerca de 30% das nossas vendas são para fora. Vendemos para Espanha, França e Alemanha, e para outros países que têm um poder de compra diferente (e maior) ao do público português. É interessante, porque a disparidade no “carrinho médio” para clientes estrangeiros, quando comparado ao dos portugueses, é notória. O próximo passo será estarmos presentes em feiras internacionais, com o objetivo de prospeção de novos canais de revenda.
A disparidade “no carrinho médio” para clientes estrangeiros, quando comparado ao dos portugueses, é notória.
Sim. E a vossa marca encaixa-se bem no mercado internacional. A vossa publicidade é feita a pensar para lá das nossas fronteiras?
AC: A nossa publicidade é feita maioritariamente através do Instagram e acabamos por chegar a vários países diferentes. Acho que muitos dos que seguem a marca online são meus seguidores também e uma grande percentagem dos meus followers não são portugueses. A Cubu acaba por ficar exposta a uma diversidade maior de clientes. Mas também usamos outras ferramentas como Google ads.
É uma marca Made in Portugal, certo?
AC: Sim. É tudo feito em Portugal. Prestamos muita atenção aos produtos que utilizamos e mantemos uma vertente sustentável forte. Uma coisa, esta, de que não queremos abdicar. As nossas caixas são todas recicláveis, produzidas com material reciclado, etc. Trabalhamos com algodão orgânico, não exclusivamente, mas maioritariamente. Também reaproveitamos malhas. Por exemplo, os punhos das nossas camisolas são produzidos com restos que sobram das malhas dos nossos tops. Tentamos reduzir ao máximo a nossa pegada ecológica e estamos constantemente a aprender novas formas de implementar medidas sustentáveis na empresa que gizámos.
Tentamos reduzir ao máximo a nossa pegada ecológica e estamos constantemente a aprender novas formas de implementar medidas sustentáveis na empresa que gizámos.
Apesar de ainda quererem atingir ‘outras dimensões’ com a Cubu, como referiste acima, a verdade é que já encontraram um espaço físico para a abertura de uma vossa primeira loja, não é?
AC: É verdade! Comprámos uma pequena loja na Foz. Na verdade, estávamos à procura de um novo escritório e surgiu esta oportunidade de negócio. Decidimos avançar até porque sentimos que havia interesse do público em ver as nossas peças ao vivo e já era um passo que iríamos dar mais cedo ou mais tarde.
E, por fim, qual é o conceito por trás do projeto? Já têm em mente uma data de abertura ao público?
AC: Estamos neste momento a começar as obras. Sabíamos que queríamos um espaço minimalista, mas carismático – um bocadinho como vemos a nossa marca. O projeto de design de interiores foi feito pela Escala Interiores, com algumas ideias que enviámos, e veio mesmo ao encontro daquilo que procurávamos. Queremos estar abertos para o Natal, idealmente no final de Novembro.