A ISTO. é uma marca de roupa masculina inspirada no movimento slow fashion, que se centra na qualidade, sustentabilidade e transparência na produção das suas peças. Disponível online, a marca já conta com quatro espaços físicos em Lisboa – no Chiado, em Campo de Ourique, no Príncipe Real e nas Amoreiras.
A FORBES esteve à conversa com Pedro Palha, um dos três sócios da marca portuguesa, que nos falou, pormenorizadamente, sobre como tudo começou. Contou-nos, entre outras coisas, que todas as coleções da marca são produzidas com materiais orgânicos, naturais e reciclados por fornecedores certificados em Portugal. Falámos, também, na abordagem transparente com que a marca informa os seus consumidores o quanto custa produzir cada peça e qual a margem de lucro da ISTO. – uma informação que a destaca de muitos dos seus concorrentes.
É de realçar que a ISTO. já foi mencionada na FORBES norte-americana pela sua campanha anual intitulada de factourism: isto é, a de levar clientes da marca a fazer ‘turismo’ às fábricas onde são produzidas as peças.
Pedro, a ISTO. é uma marca Made in Portugal, e é reconhecida pela transparência (quase que ‘radical’) na vossa produção e do vosso lucro. Mas, diz-me, como é que tudo começou? Como surgiu a ideia que está por trás da criação da ISTO.?
Pedro Palha (PP): Sim, é verdade. Honestamente, apesar de termos lançado a marca em julho de 2017, o trabalho por trás da ISTO. começou em setembro de 2016 – fruto de uma enorme frustração que nós (os três sócios) tínhamos em encontrar roupa de muito boa qualidade, mais sustentável, mais orgânica, e que por isso pudesse ter um impacto positivo no próprio processo de produção e ser comercializada a preços mais ‘justos’. Queríamos criar roupa de alta qualidade, produzida de forma correta em Portugal, a preços mais acessíveis do que os que nós encontrávamos noutras marcas. E foi curioso, porque deparávamos, os três, com o mesmo problema.
Queríamos criar roupa de alta qualidade, produzida de forma correta em Portugal, a preços mais acessíveis do que os que encontrávamos noutras marcas.
PP: Tínhamos um gosto muito parecido. Queríamos roupa sem logotipos e com um design mais básico. Notámos que a roupa que mais gostávamos era sempre bastante muito cara e, quando íamos para os básicos – mas a um preço mais acessível – os produtos eram feitos de uma forma que não achávamos ser a mais correta. Foi assim que se deu início à marca: fruto de uma frustração coletiva.
Portanto tinham uma vontade enorme de criar um negócio e, ao mesmo tempo, ‘resolver’ um problema com o qual se tinham encarado: o de encontrar roupa básica, mais green e barata.
PP: Exatamente. E quando estávamos a desenvolver o negócio, lembro-me de ir buscar muita inspiração a uma marca norte-americana, a Everlane, que era transparente no price breakdown dos seus produtos. Quisemos ‘replicar’ a mesma fórmula e assim cultivar uma relação parecida com os nossos clientes. Para nós, partilhar o máximo de informação com o público quanto ao processo e aos custos associados à nossa produção era fundamental.
Partilhar o máximo de informação com o público quanto ao processo e aos custos associados à nossa produção era fundamental.
PP: No nosso price breakdown mostramos quem são os nossos fornecedores, tentamos sempre partilhar informação sobre a qualidade do produto, sobre o processo produtivo, explicar porque é que um determinado produto é produzido de uma certa forma, etc. No fundo o nosso objetivo é dar a oportunidade aos nossos clientes de tomarem decisões informadas.
Sim, e a vossa transparência acaba por também criar um sentimento (e sentido) de accountability, que tanto é necessário, tanto na marca como nos clientes.
PP: Sim, exatamente. Precisamos de criar cada vez mais e melhores negócios na indústria da moda que se preocupem com estes valores. Mas, também, queremos ajudar a criar melhores consumidores: consumidores informados. Acaba por ser isso que nós tentamos fazer. Obviamente que acreditamos que less is more, uma ideia um bocado mais minimalista: não é preciso comprar tanta roupa. Queremos que as pessoas que cá vêm comprem a roupa que precisam para o seu guarda-roupa e que a roupa dure. Tentar ajudar a quebrar o ciclo de um estar constantemente a comprar peças novas. E achamos que isso passa, não só, por implementar e utilizar métodos sustentáveis na nossa produção, mas também por ajudar na partilha de educação e na informação a que os nossos clientes têm acesso.
Queremos que as pessoas que cá vêm comprem a roupa que precisam para o seu guarda-roupa e que a roupa dure. Tentar ajudar a quebrar o ciclo de estar constantemente a comprar peças novas.
Mas vocês, os três sócios, têm backgrounds bastante distintos, certo? Nenhum estudou moda. O que acaba por dar uma dimensão engraçada ao negócio.
PP: É verdade. Acho que dá algum equilíbrio interessante à marca. Estudei Gestão e trabalhei em algumas startups, mas não foram experiências que duraram muito tempo. Aliás, eu não tinha experiência nenhuma em empresas, mas sempre tive vontade de começar um negócio meu. Lançámos a ISTO. quando eu tinha 25 anos, em 2017.
PP: Os outros sócios, quase 10 anos mais velhos que eu, já tinham um track record maior e, o que foi essencial, em áreas diferentes. Um em design gráfico, publicidade, agências criativas, e o outro em branding, marketing, etc. Ajudou imenso: acabámos por nos complementar.
E o que vos ‘une’ como empreendedores de backgrounds diferentes? É o concordarem fundamentalmente na qualidade dos vossos produtos?
PP: Exatamente. Para nós o produto tem de ser excecional. Essa é a verdadeira cara da marca – não somos nós. Sabemos que sem a qualidade que queríamos não teríamos sucesso. Claro que faz tudo ‘parte de um bolo’, mas acreditamos que uma marca, para ter tração, tem hoje que ter os fundamentais corretos. Temos de ter pilares que sustentam os valores da ISTO. A transmissão desses valores deve-se imenso aos meus sócios.
Pilares esses que deram o nome à vossa marca…
PP: É verdade. ISTO é um acrónimo que reflete o culminar dos nossos princípios, que neste momento são quatro: Independent, Superb, Transparent e Organic. Tudo o que nós fazemos acaba por estar assente nesses pilares ou ideais.
ISTO é um acrónimo que reflete o culminar dos nossos princípios, que neste momento são quatro: Independent, Superb, Transparent e Organic.
PP: O Independent refere-se a Independent Thinking: nós não temos investidores, somos uma marca independente que não segue o formato tradicional de ‘coleções’ sazonais, temos lojas próprias, não vendemos em retailers, etc. O Superb é de Superb Quality, tanto no produto final como no processo em si. Já o Transparent refere-se à transparência com que comunicamos aos nossos clientes os custos na produção de cada produto nosso. No site que criámos é possível ver o price breakdown das nossas peças, como mencionei. Também dizemos quem são os nossos fabricantes e dizemos que peças são Made in Portugal. Por fim, temos o Organic, que se refere ao nosso uso de materiais orgânicos.
E por falar em transparência, sei que a Forbes norte-americana também já escreveu sobre a vossa marca e sobre a vossa campanha intitulada Factourism. O que é e quem pode fazer parte desse vosso projeto?
PP: Sim, é verdade. Pensámos em levar o nosso compromisso para com a transparência um pouco mais longe e, de certa forma, ‘comprovar’ aos nossos clientes que fazemos exatamente o que dizemos que fazemos. O ‘factourism’ é a nossa maneira de levarmos clientes a fazer ‘turismo’ nas nossas fábricas. Já fizemos duas edições disto mesmo e vamos ter uma próxima em setembro deste ano. Neste momento temos cerca de 18 fábricas, porque produzimos coisas diferentes em algumas delas.
O ‘factourism’ é a nossa maneira de levarmos clientes a fazer ‘turismo’ nas nossas fábricas.
E porque cresceram imenso, calculo.
PP: Sim, e aí é interessante porque começámos só com dois produtos. Tínhamos uma t-shirt, disponível em duas cores diferentes, e uma camisa Oxford, também em duas cores. Agora já temos bastantes mais. Aliás, acho que tivemos só dois produtos durante quatro meses. Depois fomos sempre aumentando, crescendo, de forma gradual. E, como ‘transparência’ é um dos nossos pilares, tivemos de evoluir no que toca aos materiais orgânicos que usamos. Tentamos sempre encontrar novos tipos de fibras que vão ao encontro daquilo que os clientes procuram, a um preço mais acessível. Também crescemos no que diz respeito ao tamanho de empresa, claro. Já empregamos mais de 25 pessoas, salvo erro.
Sim, claro. Acho que outro ponto interessante da vossa marca é o serem environmentally friendly de formas diferentes, por assim dizer. Tentam ‘educar’ o público.
PP: Sim, e isso está refletido até no custo da nossa roupa. Respondemos ao problema de duas maneiras: ao ajudar a criar uma cultura de comprar menos, mas de melhor qualidade, e ao oferecer aos nossos clientes produtos básicos e trendless. Temos sempre isso em mente. Criamos produtos que sabemos que o nosso público vai usar várias vezes. E podem fazê-lo com segurança porque a qualidade da nossa roupa permite-o.
Respondemos ao problema de duas maneiras: ao ajudar a criar uma cultura de comprar menos, mas de melhor qualidade, e ao oferecer aos nossos clientes produtos básicos e trendless.
PP: Também temos outras práticas sustentáveis e éticas embutidas no nosso modelo de negócio. Só utilizamos materiais que mesmo sejam fibras naturais, com a devida certificação. Por exemplo, o algodão que usamos é atestado por uma entidade chamada Global Organic Textile Standard. Ou o nosso linho, que é europeu e certificado pelo European Flax Certification. E, voltando ao que antes referi, produzimos tudo em Portugal ou na Europa – no máximo. Também reciclamos algumas das nossas peças se vierem com algum defeito ou ficaram com defeitos já em loja. Só o podemos fazer porque os nossos produtos são todos 100% da mesma composição – chamado Circular Design; ainda não é possível reciclar blended fibres.
E até em processos menos ‘ecológicos’, como o de tingir a roupa, arranjaram forma de se manterem fiéis aos vossos valores.
PP: Sim. As nossas peças coloridas são tingidas, mas essa acaba por ser uma das vantagens de produzir em Portugal. Os nossos parceiros e fornecedores garantem que as águas, depois do tingimento, fiquem livre dos químicos utilizados. Portugal pode ter um custo de produção maior do de outros países, mas cumpre as exigências impostas pela União Europeia. Tais como os salários mínimos obrigatórios, regras de segurança, entre outras coisas.
Portugal pode ter um custo de produção maior que outros países, mas cumpre as exigências impostas pela União Europeia.
PP: Portugal tem uma indústria têxtil muito sólida e que nos garante qualidade nos produtos. Quando criámos a marca tínhamos em mente o público português, mas sempre quisemos vender internacionalmente também. A oportunidade de o fazer aqui era enorme e para nós era muitíssimo importante valorizar o trabalho que cá é feito.
Claro. E é esse o vosso foco futuro? Internacionalizaram-se?
PP: Sem dúvida um deles. Diria que quase 40% das nossas vendas são online e que cerca de metade são para o estrangeiro. A seguir a Portugal, o nosso maior mercado é o Estados Unidos. Vendemos muito para a Alemanha e o Reino Unido, também. Atualmente já temos um budget de marketing sólido bastante para promover a marca noutros mercados que não só o nosso.
E as vossas lojas físicas vendem muito bem também.
PP: Sim! E o sermos um país com muito turismo ajuda imenso. Muitos dos nossos clientes descobrem-nos quando vêm a Portugal e depois continuam a comprar os nossos produtos online. Ao vermos isto, conseguimos definir o nosso plano futuro com muita assertividade. Queremos, antes de tudo, ser uma grande marca portuguesa. E para tal temos de continuar a produzir e investir em produtos de excelência. Claro que sempre complementado com um enorme investimento nas nossas redes sociais e em marketing digital, para chegarmos a todos os países onde tenhamos – ou possamos vir a ter – clientes. Sempre cientes que, para crescer no retalho físico, precisamos de abrir lojas nos países que queremos integrar. Acreditamos que no futuro, talvez em dois anos, vamos conseguir abrir uma primeira loja física fora de Portugal.
Queremos, antes de tudo, ser uma grande marca portuguesa. E para tal temos de continuar a produzir e investir em produtos de excelência.
E como é que descreveriam um cliente ISTO?
PP: Eu gosto de dizer que a ISTO é para homens bem esclarecidos. Que sabem o que querem, que não precisam de logotipos nas roupas deles… Pessoas que não precisam de se afirmar, de certa maneira. Que gostem de clássicos e básicos timeless. Também temos uma color palette que nos distingue, penso eu. É por todas estas razões e mais algumas que temos o luxo de poder crescer mais devagarinho. Não dependemos de investidores e somos fiéis aos princípios éticos mais básicos.