A propósito dos sete anos do Jornal Económico, e com o olhar posto no próximo ano, o JE promoveu o Outlook 2024, e Nuno Amado, chairman do BCP, e António Nogueira Leite, economista e chairman da Hipoges, debateram o “futuro do sector financeiro”.
António Nogueira Leite que é um ex-banqueiro, disse que se estivesse hoje num banco estaria mais preocupado com as empresas que estão na distribuição digital, como a Google e a Amazon, e em saber até que ponto estarão interessadas na concorrência aos bancos?
“Olhando para as novas gerações, abaixo de 40 anos, é preciso ver como é que se vão comportar, no segmento das particulares”, acrescentou.
Por exemplo, “hoje poucos são os jovens que têm menos de 30 anos que têm hipoteca”, revelou António Nogueira Leite.
Já para o presidente do Conselho de Administração do BCP, “os jovens captam-se como clientes é na universidade e no primeiro emprego”. O segredo está na capacidade que os bancos tradicionais têm de investir e de conhecerem bem os clientes e de conseguirem suprir as necessidades desses clientes, sublinha.
“Daqui a 3 a 5 anos os bancos como os conhecemos continuarão a ter um papel fundamental, a 10 e 20 anos, com o tema demográfico e com a evolução do digital, poderá haver alterações ao nível da estrutura de receitas”, disse Nuno Amado que lembrou os custos de contexto do setor bancário, que é muito regulado e com uma supervisão intrusiva. “Isso tem custos, e uma parte desses novos concorrentes têm custos de contexto inferiores”, disse Nuno Amado que acrescentou que o futuro da concorrência vai depender da inexistência de um gap nos custos regulatórios entre os vários players.
O tema da concorrência põe-se no facto de estas empresas tecnológicas e fintechs não terem custos de compliance, ao contrário dos bancos, e isso dá-lhes vantagens competitivas. Os bancos têm a vantagem da reputação e know-how, e agora até já têm os problemas de legacy no crédito resolvido, lembrou o economista que está no board da Hipoges, empresa especializada na gestão de distressed assets. Para Nogueira Leite, “à medida que a população mais velha é substituída pela geração mais nova, algumas das vantagens dos bancos perdem-se, e isso está no planeamento estratégico de qualquer banco”.
Já o presidente não executivo do Millennium BCP destacou que o sector bancário é o mais regulado de todos. Nuno Amado, lembrou que os outros player podem escolher sedes onde a gestão regulatória é mais favorável. Portanto, não há um level playing field para os operadores que atuam na mesma atividade.
Ainda sobre o tema da concorrência, António Nogueira Leite disse que noutros países “uma grande parte do negócio bancário com empresas está em Fundos de Crédito”. Referindo-se a fundos que atuam no mercado do crédito a empresas e que não se financiam com depósitos. Hoje os grandes fundos de private equity têm entidades especializadas em crédito, como a KKR, a Bain ou a Arrow.
No painel anterior Nuno Durão, Managing Partner da Fine & Country Portugal, tinha falado da queda do crédito imobiliário, e a propósito desse tema Nogueira Leite lembrou que o contributo dos bancos para a limitação da oferta do imobiliário se deve a questões regulatórias, sendo que “ainda vai ser pior quando entrar em vigor Basileia IV”.
No entanto, apesar disso, o Estado não facilita a existência de Fundos de Crédito em Portugal. Estes seriam entidades que iriam complementar a atividade bancária. Mas estão penalizadas fiscalmente. “As entidades não bancárias que fazem crédito a empresas não florescem em Portugal por causa do regime fiscal que é mais penalizante do que para as outras sociedades gestoras”, disse António Nogueira Leite.
Em Portugal existem entidades autorizadas pela CMVM mas enfrentam um regime fiscal mais desfavorável que em Espanha ou na generalidade dos países europeus, explicou.
Por isso “o Estado pode fazer alguma coisa”, para aumentar o crédito à promoção imobiliária, referiu Nogueira Leite que lembrou que em países como a Irlanda já não há bancos a financiarem a promoção imobiliária, uma vez que essa atividade está noutras entidades financeiras.
Há um problema de oferta de habitação em Portugal, reconheceu ainda o economista.
Depois, foi a vez de Nuno Amado que começou a intervenção a responder ao orador do painel anterior, Nuno Durão, Sénior Managing Partner da Fine & Country Portugal, que tinha criticado as moratórias de crédito recentemente anunciadas pelo Ministro das Finanças, por não haver uma perspectiva quantitativa de quanto é que os mutuários irão pagar no futuro.
Nuno Amado explicou que “não é possível saber com exatidão esse valor, porque depende da taxa de juro nessa altura. Mas é possível dizer que com uma taxa de juro mais normalizada a probabilidade de a prestação do crédito à habitação ser inferior à de agora, é grande”.
O Chairman do BCP disse que as moratórias fazem sentido. “Faz sentido esta moratória, como fizeram sentido as moratórias Covid, nomeadamente para as empresas. A sinistralidade de crédito teria sido maior sem isso”. Já agora a importância dos bancos portugueses vê-se nessas alturas, disse Nuno Amado que frisou que seria difícil um acordo com outros players internacionais como o que o Estado conseguiu com os bancos.
As moratórias demonstram que “há boa política pública que é possível fazer com bancos e que não era possível fazer com a Google e com Amazon”, disse por sua vez António Nogueira Leite.
“As moratórias Covid correram bem e com baixo custo para o Estado”, disse o economista.
Mas Nogueira Leite lembrou que as moratórias diferem da intervenção casuística. “O ministro das finanças não pode mandar nos bancos”, disse o economista a propósito da possibilidade de o Governo exigir “taxa fixa” à banca.
Nuno Amado disse que “não se pode transformar taxa variável em taxa fixa” e lembrou que os bancos estão em concorrência.
“Quando se fala do financiamento da construção civil, não nos podemos esquecer que no passado os bancos financiaram terrenos que não eram urbanos, pensando que iam ser urbanos, depois de anos e anos à espera, veio a crise e os terrenos ficaram nos bancos”, acrescentou Nuno Amado.
“Os bancos não devem financiar capital e têm dificuldade em financiamento a longuíssimos prazos, não podemos exagerar no risco de financiamento e de liquidez”, avançou o Chairman do BCP que invocou o papel do Banco Português de Fomento de complementaridade com a banca “no sentido de cobrir essa limitação de os bancos não poderem financiar capital”.
“Também no apoio à exportação, há áreas de atuação que no futuro poderão funcionar eficientemente ao serviço da economia, e o Estado pode ter aqui um papel através do BPF” disse o banqueiro que avisa que o banco promocional tem de ser rápido, “mas os alicerces têm de ser os adequados”.
Sobre o futuro do Novobanco, António Nogueira Leite disse que “gostava que houvesse um IPO (entrada em bolsa)” e lembrou a atual falta de liquidez na bolsa de Lisboa justificada pela falta de empresas cotadas.
“Não estou a ver muitos espanhóis muito interessado em comprar a totalidade do Novobanco, nem um francês ou um alemão”, disse Nogueira Leite.
Nuno Amado alinhou pelo mesmo diapasão, “o IPO Novobanco é boa ideia, façam-no”.
O Chairman do BCP em jeito de resumo do futuro da banca. lembrou que o credito empresarial caiu bastante, e que o price-to-book value ainda está em 0,7, ou seja o valor de mercado dos bancos está abaixo do seu valor patrimonial.
Sobre o setor bancário daqui a uns anos, Nuno Amado defende concorrência na banca com diversidade entre entidades portuguesas e estrangeiras, e entre entidades de várias geografias. Mas também defende a diversidade entre o privado/publico. Nuno Amado é a favor de um banco publico gerido profissionalmente e lembra que qualquer país europeu tem bancos de referência.
O objetivo é que a rentabilidade dos bancos que se aproxime do custo de capital “e temos condições para isso”, concluiu.