Concentrações em solidariedade com o ator Adérito Lopes, vítima de um “ataque cobarde” por um grupo de extrema-direita, estão a ser convocadas para domingo em Lisboa e no Porto.
A concentração “Não queremos viver num país do medo”, marcada para as 16:00 em frente ao Teatro A Barraca, em Lisboa, e para as 18:00 na Praça da Batalha, no Porto, é promovida pela sociedade civil e está a ser divulgada nas contas de várias associações nas redes sociais, entre as quais a SOS Racismo e a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas, e de estruturas artísticas como a Palmilha Dentada, os Artistas Unidos e a Plataforma 285.
O ator Adérito Lopes, da companhia de teatro A Barraca foi agredido na terça-feira à noite por um grupo de extrema-direita, em Lisboa, quando entrava para um espetáculo com entrada livre de homenagem a Camões.
Em declarações à Lusa, a diretora daquela companhia, e também atriz, Maria do Céu Guerra contou que por volta das 20:00, estavam os atores a chegar ao Cinearte, no Largo de Santos, quando se cruzaram à porta “com um grupo de neonazis com cartazes, programas”, com várias frases xenófobas, que começaram por provocar uma das atrizes.
“Entretanto, os outros atores estavam a chegar. Dois foram provocados e um terceiro foi agredido violentamente, ficou com um olho ferido, um grande corte na cara”, contou a também encenadora, de 82 anos, referindo que o ator em causa teve de receber tratamento hospitalar.
No texto que convoca a concentração de solidariedade lê-se que o “ataque cobarde do grupo neonazi” a Adérito Lopes “não é um caso isolado”.
“Sabemos que esta onda de ataques a migrantes, pessoas racializadas, trabalhadoras, pobres e trabalhadores da cultura não vai ficar por aqui. Está a crescer alimentada pela impunidade judicial, pelo silêncio e pela desigualdade económica. Juntamo-nos domingo em solidariedade, para estarmos juntas e para nos organizarmos para mudar isto tudo – é a tarefa do nosso tempo combater este país desigual sem nunca sacrificar os direitos fundamentais entre os quais a liberdade de expressão”, referem os promotores da concentração.
Em declarações à Lusa na terça-feira, Maria do Céu Guerra lembrou que se assinalavam naquele dia os 30 anos do ataque por neonazis que matou Alcindo Monteiro: “30 anos depois, este país ainda não arranjou forma de se defender dos nazis”.
Nas palavras de Maria do Céu Guerra, A Barraca é um símbolo de paz, mas para outros não sabe o que será.
Fonte da PSP adiantou à Lusa que foi chamada pelas 20:15 ao Largo de Santos por “haver notícia de agressões”, onde foi contactada por um homem de 45 anos, que “informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo”.
A PSP, com as características do eventual suspeito fornecidas pelo ofendido e por um seu amigo, encetou várias diligências nas ruas adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão, adiantou a mesma fonte.
De acordo com a mesma fonte, o agredido necessitou de assistência hospitalar, tendo sido assistido no local pelos bombeiros e depois transportado para o hospital.
A PSP identificou os intervenientes neste caso – suspeito, ofendido e testemunha – e vai comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público.
Atriz Maria do Céu Guerra diz que é preciso fazer respeitar a Constituição
A atriz, encenadora e cofundadora de A Barraca Maria do Céu Guerra defendeu esta quarta-feira a necessidade de se fazer respeitar a Constituição, considerando um ato “terrorista”, feito na “clandestinidade”, a agressão na terça-feira a um ator da companhia.
“Nós temos a obrigação de fazer cumprir também a Constituição, porque aquilo que se faz clandestinamente – porque estes ataques são completamente terroristas – […] têm de ser punidos”, sustentou Maria do Céu Guerra.
A encenadora falava em frente ao Cinearte, em Lisboa, onde, na terça-feira, o ator Adérito Lopes foi agredido por um indivíduo que fazia parte de um grupo de cerca de 30 elementos, defensores de ideais neonazis.
O ator foi agredido depois de uma das atrizes de A Barraca, que usava uma ‘t-shirt’ preta com uma estrela vermelha, ter sido agredida verbalmente por elementos do grupo com palavras de teor machista e por motivações políticas. Uma pessoa que assistiu a estas agressões contou à agência Lusa que relacionavam a t-shirt com Che Guevara.
“Não se pode pegar no malandrinho que espancou ali a cara de um ator”, porque o rosto de um ator “é o seu material de trabalho”, sublinhou Maria do Céu Guerra, defendendo que não podemos limitar-nos a apresentar o agressor na esquadra, fazê-lo “assinar um papelinho” e depois soltá-lo.
O responsável pela concentração, Rui Manuel, disse que tomou a iniciativa, para esta quarta-feira à tarde, em frente ao Cinearte, como cidadão, em solidariedade para com o ator agredido, como “uma reação de pele”, afirmou, alegando ser necessário lutar e impedir que situações semelhantes aconteçam.
“Por vós, por nós, pelos meus filhos, pelos meus netos”, disse Rui Manuel, que se fazia acompanhar por um pequeno grupo de jovens, alguns dos quais com formação de ator e atores independentes.
Um dos jovens atores justificou a presença com a preocupação pelo ocorrido, alegando que se trata “algo horrível de se ouvir”.
“Deixa-nos a nós todos preocupados. Sou de Aveiro, vim para Lisboa também tentar arranjar trabalho, estudar e de repente uma notícia destas deixa-nos a pensar no estado do país e como é que as coisas se vão desenvolver, deixa-nos preocupados também por este espaço”, enfatizou.
A atriz e encenadora Rita Lello contou aos jornalistas o ocorrido na terça-feira. O incidente, disse, aconteceu após um almoço que, pelo segundo ano consecutivo, reuniu elementos neonazis num restaurante a escassos metros do teatro.
Rita Lello disse ainda que os elementos deste grupo traziam autocolantes que colocaram nos postes públicos de eletricidade, junto ao teatro, e que entretanto já foram retirados.
Segundo a atriz, os autocolantes tinham um ‘QR-code’ que remetia para o grupo fascista Reconquista.
A agência de Adérito Lopes informou a CNN Portugal que o ator teve alta durante a madrugada, depois de ter sido suturado com vários pontos no rosto, encontrando-se, de momento, em casa a recuperar.
Esta quarta-feira à tarde, no Cinearte, estiveram também a deputada única do PAN, Inês Sousa Real, e o deputado do Livre Paulo Muacho.
Os políticos vieram manifestar a sua solidariedade para com o ator agredido e a companhia, tendo-se reunido com elementos de A Barraca no interior do teatro.
Os dois deputados recordaram que há mecanismos na Constituição da República Portuguesa que permitem declarar estes tipos de grupos como “fascistas e/ou terroristas”.
O Livre e o PAN apresentaram esta quarta-feira no parlamento dois votos de condenação pelas agressões à companhia A Barraca e a um dos seus atores, por um grupo de extrema-direita, manifestando “profundo repúdio” por este “gesto de grave violência, intolerância e ódio.”
com Lusa