Jeroen van de Wall é o CEO da The Reef Company, startup que utiliza tecnologia portuguesa para salvar os oceanos. Em conversa com a FORBES, van de Wall explica o sistema de recifes tecnológicos e de que forma a Economia Azul pode contribuir para valorizar Portugal.
A The Reef Company é uma startup de Singapura? Contudo, a tecnologia que estão a usar é portuguesa. Quem desenvolveu a tecnologia e como surgiu a parceria?
Jeroen van de Waal (JvdW): The Reef Company é uma startup cuja ideia nasce em Singapura, mas que tem como objetivo colaborar com entidades nacionais, transferindo tecnologia e conhecimento, e criando postos de trabalho qualificado em Portugal. Uma empresa que tem um propósito de sustentabilidade na sua essência, visa também ter um impacto em postos de trabalho indiretos criados na economia local. A natureza do projeto requer capacidades locais de estaleiro para construção dos módulos recifais e a utilização das facilidades de portos como o de Setúbal e de Sesimbra, já durante a instalação-piloto, podendo estender-se a outros locais com o futuro projeto de expansão. Além disso, considera-se crucial a utilização das facilidades referidas em todas as suas fases (caracterização, implementação e demonstração/monitorização), podendo representar a criação de novos postos de trabalho e a diversificação de atividades económicas nesta zona costeira.
Segundo dados da Direção-Geral de Política do Mar (DGPM), a economia azul ou do mar representa 5,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e 4,1% do emprego em Portugal.
Finalmente, a visão que estabelecemos para a implementação final do complexo recifal criará um conjunto de novas oportunidades de desenvolvimento económico, podendo também dar origem à criação de novas atividades da economia azul, agora emergentes, e que se estendem ao longo da zona costeira, da Comporta a Melides, e que será impactante para os municípios costeiros de Setúbal, Sesimbra, Grândola e Sines. Quanto a tecnologia especificamente, a produção do geo-polimero a utilizar, será efetuada em estaleiro nacional, com recurso a cofragem metálica e cura atmosférica normal, sendo posteriormente assentes no leito marinho.
“O complexo recifal criará um conjunto de novas oportunidades de desenvolvimento económico, podendo também dar origem à criação de novas atividades da economia azul” em Portugal.
O que tem de inovador a tecnologia?
JvdW: Acima de tudo, acreditamos que as soluções pioneiras que desenvolvemos farão toda a diferença na saúde dos oceanos. Seja através dos nossos recifes tecnológicos, isto é, uma espécie de “apartamentos para peixes” que visa oferecer abrigo para a vida marinha e apoiar o crescimento da flora, seja através da infraestrutura “BluBoxx”, responsável por recolher, gravar e analisar uma série de dados marítimos, a nossa tecnologia será capaz de promover uma maior biodiversidade, oferecer abrigo para a vida marinha e beneficiar uma série de indústrias aliadas ao mar.
Além disso, embora seja uma solução tecnológica, a inovação está também presente na sua composição, na medida em que todos os materiais utilizados são de impacto de baixo carbono, consistindo num geo-polímero de baixo impacto carbónico, fabricado localmente, o mais próximo possível dos locais de implantação.
Qual é o objetivo da The Reef Company, ao usar esta tecnologia?
JvdW: O nosso objetivo é exatamente o do colocar a tecnologia ao serviço dos oceanos e combater três dos principais desafios que enfrentamos atualmente, nomeadamente a perda da biodiversidade, as alterações climáticas e a desigualdade socioeconómica. A nossa tecnologia será responsável pela construção e implementação de recifes tecnológicos por todo o mundo, que irão impactar positivamente a saúde dos oceanos e, esperemos nós, salvá-los. A longo-prazo, queremos ter dezenas de milhares de recifes e Bluboxxes implementadas a nível mundial para verdadeiramente combatermos as alterações climáticas, restabelecendo o equilíbrio dos oceanos.
“A nossa tecnologia será responsável pela construção e implementação de recifes tecnológicos por todo o mundo, que irão impactar positivamente a saúde dos oceanos”.
Qual é a diferença desta tecnologia face aos métodos que a The Reef Company costuma empregar para construir os seus eco recifes?
JvdW: A intenção da The Reef Company é testar diversos geopolimeros durante o projeto-piloto, a fim de obter melhor informação acerca da qualidade dos mesmo para o fabrico em maior escala. Não obstante, cada novo geopolímero a utilizar será objeto de informação à DGRM com fornecimento da respetiva ficha técnica e de segurança.
O primeiro piloto será implementado na Comporta. Que informações nos pode adiantar sobre este projeto?
JvdW: O projeto na Comporta está na fase final de planeamento para a implementação, que apontamos que aconteça ainda este ano. O nosso objetivo é promover a investigação orientada para o conhecimento específico daquela área acerca do seu potencial de restauro do ecossistema marinho, das soluções técnicas a utilizar para o fabrico e a instalação dos módulos recifais no local, e da capacidade sensorial integrada para medição de parâmetros acerca do estado ambiental das águas marinhas. A compatibilização deste projeto-piloto atenta a área de uso comum e, em particular, a atividade da pesca desenvolvida no local, sendo que foi efetuado o pedido de emissão do respetivo Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo (TUPEM), envolvendo, neste caso, uma área de10.000 m2 (1 hectare), a cerca de 30 metros de profundidade, para efeitos de investigação e desenvolvimento e por um período de menor duração. Nela, prevê-se instalar dois aglomerados de módulos recifais distantes entre si, e cujo topo deverá atingir 25 metros de profundidade.
No total, o conjunto de aglomerados ocupará 10% da referida área. A preocupação essencial da The Reef Company reside na integridade física da instalação, envolvendo a infraestrutura e os equipamentos a instalar, mas prevemos construir um dos maiores recifes tecnológicos do mundo e começar a ajudar o nosso mar a partir daí.
Quando será feita a avaliação?
JvdW: Solicitámos uma autorização para 3 anos, partindo do pressuposto de que a sua execução pode ocorrer numa janela de implementação de 18 meses.
Por que motivo escolheu a The Reef Company o nosso país para lançar este projeto?
JvdW: Portugal tem uma força de trabalho disponível, flexível, dedicada e produtiva, com um elevado nível de formação em áreas orientadas para o negócio. Portugal é também um país de topo na prestação de serviços tecnológicos. Ainda assim, a escolha de Portugal para implementar a nossa tecnologia deveu- se, sobretudo, ao facto de ser um país de mar, com uma das plataformas oceânicas mais extensas do mundo. Infelizmente, é também um dos países onde o desaparecimento de recifes e da flora e fauna marinha é mais alarmante, pelo que nos fez sentido começar por aqui. Temos a ambição de colocar o país numa posição preferencial neste domínio, perfeitamente atual e coerente com o protagonismo que Portugal tem tido, ao longo das últimas duas décadas na condução da Agenda Internacional para os Oceanos. Além disso, a nossa equipa é composta por vários portugueses, responsáveis por desenvolver a própria da tecnologia por detrás das nossas soluções, pelo que estamos em “casa”, casa essa que precisa da nossa dedicação.
“A escolha de Portugal para implementar a nossa tecnologia deveu- se, sobretudo, ao facto de ser um país de mar, com uma das plataformas oceânicas mais extensas do mundo. Infelizmente, é também um dos países onde o desaparecimento de recifes e da flora e fauna marinha é mais alarmante”
Que vantagens este sistema traz ao oceano?
JvdW: O sistema da The Reef Company assenta em dois modelos tecnológicos que irão permitir recuperar a saúde dos oceanos. Os recifes tecnológicos têm como objetivo criar a maior superfície de crescimento possível, bem como oferecer abrigo para a vida marinha, podendo também contribuir para a melhoria da resiliência costeira. Na prática, funcionam como “apartamentos para peixes” e serão responsáveis por apoiar o crescimento da flora, absorvendo carbono, gerando oxigénio, rejuvenescendo habitats e servindo como fonte de rendimento, subsistência e alimento para a comunidade local.
Os nossos recifes tecnológicos são ainda equipados com a nossa infraestrutura “BluBoxx”, responsável por recolher, gravar e analisar uma série de dados marítimos. Estes dados serão essenciais para tirar conclusões e tomar decisões estratégicas, servindo como ponto de partida para uma série de aplicações em todo o mundo, sendo útil, por exemplo, para as indústrias de alimentos e agricultura, para o turismo, a resiliência costeira, a biotecnologia, a investigação científica e académica, entre outras.
“Os recifes tecnológicos funcionam como ‘apartamentos para peixes’”’ e serão responsáveis por apoiar o crescimento da flora, absorvendo carbono, gerando oxigénio, rejuvenescendo habitats e servindo como fonte de rendimento, subsistência e alimento para a comunidade local”.
No fundo, podemos resumir as vantagens em cinco grandes eixos de desenvolvimento, nomeadamente: o restauro da biodiversidade marinha e a remissão/sequestro de Carbono; a inovação tecnológica na obtenção, tratamento e disseminação de dados do meio marinho; a pesca sustentável local; o turismo náutico sustentável; e o apoio da governação e sensibilização da comunidade local para a importância da sua zona costeira.
A The Reef Company vai levar este sistema português para outras regiões do globo? Quais e quando?
JvdW: Os projetos da Comporta e de Cascais estão na linha da frente da implementação, mas estamos igualmente, a identificar áreas adicionais, em particular, na Região Autónoma da Madeira. A nível internacional, dar-se-á início, brevemente, a projetos semelhantes na Malásia. Além disso, estão a ser identificadas outras áreas na Ásia, América Central e América do Sul, e estamos a estabelecer contactos exploratórios nos cinco Continentes para futura cooperação. É nosso objetivo levar a nossa solução para todo o mundo, pois queremos poder cobrir todo o oceano em larga extensão para poder assegurar a sua preservação e sustentabilidade.
“É nosso objetivo levar a nossa solução para todo o mundo”
Qual o investimento que a construção destes eco recifes pressupõe?
JvdW: A implementação da instalação do projeto piloto envolve um investimento na ordem dos 2,5 milhões de euros, bem como a criação de postos de trabalho diretamente relacionados com esse mesmo investimento, em momentos faseados.
Como é que a The Reef Company obtém o financiamento para as suas ações?
JvdW: O nosso modelo de negócio baseia-se na comercialização de créditos de carbono e os recifes, por sua vez, ao acelerarem o crescimento de fauna e flora marinha, tornam-se ativos interessantes para empresas, numa ótica de investimento circular ou para contrabalançar emissões de dióxido de carbono. Além disso, comercializamos também os dados, que representam um valor acrescido para uma série de finalidades na área da agricultura, da aquacultura, do turismo, da proteção costeira, das novas tecnologias biológicas e médicas, da investigação científica e académica.
De que forma pode a tecnologia ajudar a recuperar a saúde dos oceanos?
JvdW: Infelizmente, já não conseguimos salvar o planeta só com opções naturais e por isso há que tirar o melhor partido das inovações tecnológicas desenvolvidas pelo Homem para reverter a situação. A parte positiva é que, de facto, a tecnologia pode recuperar a saúde dos oceanos. No nosso caso, a The Reef Company, está a tirar partido de conhecimento e tecnologias utilizadas nas indústrias do petróleo e gás natural para poder restaurar a biodiversidade dos Oceanos, mas há outras aplicações onde a tecnologia será útil na limpeza e igual no desenvolvimento.
“A tecnologia pode recuperar a saúde dos oceanos”.
Estamos também a colaborar com parceiros estratégicos para desenvolver tecnologias pioneiras que irão permitir recolher dados sobre a realidade dos oceanos e beneficiar outras indústrias. A obtenção de dados do meio marinho, a sua comunicação, análise e disseminação de informação poderá gerar um conjunto de serviços de informação acerca da monitorização do estado ambiental das águas marinhas, da capacidade de remoção de CO2, incluindo a modelação e a previsão e que possa assegurar o sistema de qualidade para a emissão de certificados. Considera-se, por isso, que o projeto tecnológico da The Reef Company contribuirá para a criação no mar de um importante ativo estratégico para o País, baseado fundamentalmente no seu capital natural.