Foi no templo Radha Krishma, em Lisboa, entre aromas de especiarias que pareciam viajar no tempo e conversas temperadas de significado, que conheci Dipu KV, o gestor que conjuga precisão de engenheiro, visão estratégica de líder global e a serenidade de quem sabe que as maiores transformações, as verdadeiras, só se fazem com pessoas no centro. Acordámos conversar primeiro e almoçar depois, numa tentativa frustrada de separar as águas. Definitivamente, a ocasião não era apenas um almoço, foi uma aula viva sobre liderança, inovação e propósito. Foi troca de experiências. Foi falar sobre a Índia que nos une, apesar de ser hindu e eu católica, apesar de viver na turbulência de Pune e de eu descender da serena velha Goa, apesar dos apesares, o destino fez-nos encontrar na capital portuguesa, a primeira vez de Dipu, mas já rendido a esta hospitalidade que é muito nossa.
E enquanto o cardápio desfilava pratos típicos vegetarianos, o senior president da Bajaj Allianz contou-me, com a calma de quem viveu cada etapa com intensidade, a história que o trouxe até aqui. “Na Índia, a competição começa cedo”, disse, sorrindo. “Quando fiz o exame de entrada para o meu curso de gestão, havia cem mil candidatos e só oitocentos lugares. Tive de provar o meu valor logo à partida.” Entrou assim num dos programas mais exigentes do país, um treino intelectual e emocional que o preparou para os desafios globais que viriam.
Terminada a formação, não demorou a ser recrutado pela G. Capital, gigante norte-americano de serviços financeiros. Começou como estagiário e, ao longo de vinte anos, galgou posições até chegar a Head d Operations and Transformations de operações e transformação. Foi lá que absorveu a filosofia dos Seis Sigmas, que descreve como “a arte de fazer tudo perfeitamente, eliminando desperdícios e falhas”. Essa disciplina moldou o seu pensamento: rigor no processo, foco no cliente e obsessão pela melhoria contínua. Para quem desconhece a metodologia, trata-se de um sistema de gestão que surgiu nos anos 80 e que utiliza a estatística para analisar processos e reduzir as margens de erro nas empresas.
Mas a carreira, tal como a vida, também é feita de viragens. Entre um caril perfumado, naan quente e o arroz aromático, revelou-nos que em 2016, quando a G. Capital decidiu abandonar o setor, recebeu um convite da Allianz, que procurava alguém com experiência para liderar a transformação da joint venture com a Bajaj Finserv na Índia. Aceitou o desafio e desde 2016 é um dos rostos por trás da expansão e modernização da Allianz Bajaj Índia, uma das seguradoras mais inovadoras do país, com mais de 150 milhões de clientes e uma presença digital de referência.
“Aprendi três coisas fundamentais,” resume. “Primeiro, tudo começa no cliente. Segundo, estamos sempre a aprender, mesmo depois de anos de estudo e trabalho. Terceiro, gerir pessoas é uma arte: a tecnologia é importante, mas no fim do dia lidamos com seres humanos, com sonhos, medos e expectativas.”
E não é só teoria. Esses princípios ganharam forma em iniciativas concretas. A Allianz Bajaj foi pioneira no modelo pay-as-you-go para seguros automóveis, “o cliente paga apenas pelo uso que faz da viatura”, uma solução que se ajusta ao ritmo de vida e ao orçamento das famílias. Lançaram também seguros para cães e gatos, uma novidade no mercado indiano, porque, como explica: “Queremos oferecer o que o cliente realmente precisa, não apenas o que o mercado já vende.”
Mas, como diz a música, “the best is yet to come”, sim, também falamos sobre música, gosta de ouvir, mas prefere ler, a visão inclusiva levou-os a criar, em parceria com o governo, seguros de saúde acessíveis para populações de baixos rendimentos. “Pagam um valor simbólico, mas garantem o direito a cuidados hospitalares quando precisam. É aqui que o seguro cumpre a sua função social.”
E, para tal, usam a transformação digital, outra área em que a Allianz Bajaj se destaca. Em caso de acidente automóvel, o cliente tira uma fotografia dos danos, envia pelo telemóvel e, em menos de vinte minutos, recebe a avaliação da cobertura. “Esta tecnologia até deteta imagens falsas. O objetivo é dar confiança e agilidade e está a correr muito bem.”
Para Dipu, inovação não é só tecnologia, é serviço com valor real. “Se fizer algo genuíno para o cliente, ele acaba por comprar. Não é sobre empurrar um produto; é sobre resolver um problema.” Um exemplo é o serviço Care Angel, onde um funcionário acompanha o cliente durante uma hospitalização: “Trate da sua saúde e nós tratamos do resto”. A iniciativa elevou a satisfação dos clientes a níveis recorde no setor.
Desafiado a olhar para o futuro, o líder indiano aposta em seguros digitais, proteção contra riscos cibernéticos e maior integração de inteligência artificial. Hoje, cerca de 80% do atendimento já é gerido por IA, em múltiplas línguas, garantindo rapidez sem perder o toque humano. “A IA não vai roubar empregos. Quem dominar a IA terá mais poder para decidir, criar e servir melhor.”.
Pergunto-lhe sobre liderança intercultural, um desafio que temos em Portugal com o aumento da imigração, mas também na Índia com as diferentes religiões. A resposta é direta: “Os princípios são universais. O que muda é a forma como se aplicam consoante a cultura. É preciso saber ouvir, adaptar e respeitar.” Defende que qualquer transformação sólida assenta em três pilares: foco no cliente, atenção ao lado humano e uso estratégico da tecnologia. E acrescenta: “Às vezes, uma solução simples é o que realmente resolve.”
Enquanto o almoço avançava, entre histórias e risos, percebi que não estava apenas a ouvir um executivo de topo, mas alguém que vê o sucesso como consequência e não como objetivo final. “Estamos sempre a aprender. Conhecer o cliente e o negócio é metade do caminho,” repete, como quem deixa um mantra para quem o escuta.
No final, partilhamos uma sobremesa indiana, eu pedi um tea massala, Dipu um café expresso. São os sabores das culturas a misturarem-se de forma espontânea. Saí com a sensação de que a verdadeira riqueza daquele encontro não estava no menu, mas na partilha. Ainda passeamos pelo Templo e houve tempo para uma selfie (smile) ao lado da escultura do grande Gandhi. Antes de se despedir, deixou a mensagem: “A liderança não é sobre ter todas as respostas. É sobre fazer as perguntas certas e estar disposto a mudar.”
A conversa, ainda agora a trago comigo. Na certeza de que, para este líder indiano, servir vem antes de comandar, ouvir antes de falar, inovar antes de ser forçado a mudar. É uma lição que fica e que talvez, um dia, eu venha a transmitir à mesa de outro almoço, noutra cidade, com outro visionário. #namasté.