Com apenas 26 anos, Mafalda Rebordão já está a deixar o seu cunho pessoal no panorama português de liderança, empreendedorismo e mentoria. Desde 2020 que trabalha na Google, agora em Londres, onde agora é Strategic Partnerships Manager – um cargo senior que lhe foi atribuído a uma velocidade atípica, devido à sua excecionalidade. Faz parte do Executive Board da Nova SBE, onde também foi convidada a dar aulas de Cálculo, em 2019, tendo sido eleita como porta-voz da universidade quando se dirigia aos chamados donors do que foi o primeiro campus de uma universidade, na Europa, construído inteiramente com donativos privados. Foi a primeira jovem portuguesa a ser distinguida pelo Financial Times e selecionada como jovem líder mundial promissora pelo St. Gallen Symposium.
Já em 2023, foi convidada pelo Presidente da República, para integrar um grupo de 30 jovens para refletir e agir, em conjunto com o Presidente, para mudar o futuro de Portugal. É ainda co-founder do podcast Ponto Zero, com Sara Aguiar, onde democratizam temas de carreira para que mais jovens aprendam a gerir as suas carreiras e trajetos profissionais. O sucesso do podcast levou a que, juntas, criassem a C-Level Mentorship Academy, um projeto de mentoria que se tornou uma organização sem fins lucrativos e que junta vários CEOs e jovens mulheres, de forma a que estas consigam chegar a lugares executivos com ajuda dos que atualmente ocupam tais cargos.
A FORBES esteve à conversa com Mafalda, que nos contou como tudo aconteceu. Falámos, entre outras coisas, sobre a necessidade de comunicar ativamente as ambições que temos, saber oferecer uma proposta de valor àqueles a quem pedimos ajuda, a evidente ‘fuga de cérebros’ em Portugal, e a importância de personal branding. Ficámos também a saber que a Mafalda fez dança de salão durante 16 anos e que tem uma paixão enorme por fashion design – ainda hoje desenha tudo o que veste.
Mafalda, tens um percurso profissional incrível e estás visivelmente a deixar a tua marca no panorama de liderança jovem em Portugal. Mas como é que tudo começou? De onde veio esta tua ambição e work ethic?
Mafalda Rebordão (MR): Na realidade penso que tudo começa pelo princípio, e é assim que gosto de responder e resolver o que quer que seja na minha vida – dos problemas de matemática aos desafios de negócio – a começar pelo princípio. E para mim o princípio, neste contexto, ‘significa’ os meus pais. Fui educada com imenso amor e respeito pela minha individualidade e com a certeza e afirmação de que eu podia ser, e fazer, o que quisesse. Os meus pais foram os primeiros a celebrar a minha ambição sem nunca me dizerem que os meus sonhos eram ‘grandes demais’; mesmo não tendo nenhum deles uma ligação ao mundo corporativo. E esta crença e confiança, acompanhadas de uma grande vontade intrínseca de ser e fazer melhor, provaram que a teoria da ‘prática deliberada’, é verdadeira: 10.000 horas de trabalho podem levar-nos muito longe. Atrevo-me a dizer: onde quisermos.
Fui educada com imenso amor e respeito pela minha individualidade e com a certeza e afirmação de que eu podia ser, e fazer, o que quisesse.
MR: A Nova SBE foi o segundo catalisador da minha ambição. Somos uma universidade portuguesa, mas exposta ao mundo a partir do nosso maravilhoso campus em Carcavelos. A Nova SBE abriu-me portas e mostrou-me que a minha ambição “tinha lugar”. E a minha última prova de que a ambição era, não só legítima como necessária, foi a minha proposta de trabalho na Google. Onde, sem qualquer referência interna, vi o meu currículo destacar-se no meio de milhares de outros e uma probabilidade de 0.67% de sucesso no processo de recrutamento (uma percentagem mais baixa do que Harvard, Yale e Stanford). Quanto à ética de trabalho, acho que é impossível dissociar a minha formação enquanto pessoa, da minha ética de trabalho. Ao final do dia, organizações, instituições ou empresas são feitas de pessoas, que trazem os seus valores para o que fazem. Eu tento trazer a pedagogia e integridade, ensinada pela melhor professora que conheço, a minha mãe, para o que faço.
Sem qualquer referência interna, vi o meu currículo destacar-se no meio de milhares de outros e uma probabilidade de 0.67% de sucesso no processo de recrutamento.
MR: O tema da ética de trabalho é essencial para mim. Considero que se liga a uma série de outros temas que podem mudar e definir o sucesso de qualquer empresa e que também me fazem escolher onde quero, ou não, trabalhar. Nomeadamente: a cultura, a segurança psicológica das equipas ou a predisposição à falha – tão importante para o progresso e inovação. Não posso deixar de referir a primeira empresa onde trabalhei aos 19 anos – a Spark Agency. Trabalhava em part time, num escritório na Braamcamp, e por cima da minha secretária tinha um poster a dizer ‘dá-te ao trabalho’. Aprendi que chegar a horas é chegar um minuto antes da hora – se começas às 9h, às 8h59 estás pronta para começar – e que mais vale ‘chatear do que ficar chateado’. Devemos, também, ser sempre honestos e dizer quando alguém “tem comida nos dentes”. E que manter compromissos é dos valores mais importantes a qualquer nível, ou em qualquer posição, numa empresa. A Spark Agency foi o lugar onde mais aprendi sobre ética de trabalho, onde percebi o significado de networking e melhores práticas de carreira. Devo muito a todas as pessoas que acreditaram na ‘Mafalda sem experiência profissional’ e com vontade de fazer acontecer, e me abriram a primeira porta.
Aprendi que chegar a horas é chegar um minuto antes da hora – se começas às 9h, às 8h59 estás pronta para começar – e que mais vale ‘chatear do que ficar chateado’. Devemos, também, ser sempre honestos e dizer quando alguém “tem comida nos dentes”. E que manter compromissos é dos valores mais importantes a qualquer nível, ou em qualquer posição, numa empresa.
Claro. E, de facto, a tua capacidade para networking de forma eficaz é notável e está diretamente ligada a outro tópico que abordamos muito em conversas nossas: o de ter e cultivar ambição. Ambição é um tema em que tocamos muito, assim como na tua convicção de que temos de comunicar ativamente as nossas ambições aos outros.
MR: Sim. Sempre fui muito ambiciosa, mas de forma saudável. Esforço-me para conseguir ‘fazer tempo’ para me conhecer a mim mesma e aos meus limites ou condicionantes, e moldar a minha ambição sem nunca comprometer a minha saúde. A minha saúde e bem-estar são a minha prioridade número um e isso é-me muito claro. É interessante falarmos sobre isto, porque acho que esta ambição também vem do facto de não ter medo de nada. O único medo que tenho é o de morrer – o que me permite viver a vida com ainda mais paixão e intensidade. Se extrapolarmos este tema ao âmbito social e cultural, em Portugal, e considerarmos que Portugal está no top 5 de países mais avessos à ambiguidade, talvez seja mais fácil percebermos porque temos tanta resistência, e até desconforto em relação ao tema da ambição. A ambição implica ambiguidade e risco, porque ser ambicioso significa querer, como se diz em Matemática, ser um outlier e fugir à distribuição normal. E em Portugal, ser ambicioso nem sempre é visto como uma coisa boa.
Se extrapolarmos este tema ao âmbito social e cultural, em Portugal, e considerarmos que Portugal está no top 5 de países mais avessos à ambiguidade, talvez seja mais fácil percebermos porque temos tanta resistência, e até desconforto em relação ao tema da ambição.
A ambição implica ambiguidade e risco, porque ser ambicioso significa querer, como se diz em Matemática, ser um outlier e fugir à distribuição normal.
MR: Acho que viver fora de Portugal desde os 19 anos fez-me normalizar o ser ambiciosa. Lembro-me que na minha primeira conversa de carreira com a minha primeira manager, que veio a tornar-se uma coach para mim, lhe disse que tinha uma ideia dos objetivos e resultados que gostava de atingir, e das oportunidades que gostava de explorar dentro da empresa. Disse-lhe que deixava essa ambição entre nós para não ‘cair’ mal ter o acabado de entrar na equipa e já estar a ambicionar ainda mais. A minha manager, com a sua forma muito direta e claramente francesa de responder, ensinou-me que se queremos chegar a determinado lugar temos de comunicar ativamente os nossos interesses, competências e superpoderes. Fez-me perceber que só podemos ter alguém a abrir-nos uma porta, ou lembrar-se de mencionar o nosso nome numa sala cheia de oportunidades, se nos posicionarmos de tal forma. A ambição, quando consciente, deve ser celebrada. Já não tenho medo de comunicar as minhas ambições apenas por receio de que alguém possa achar mal ou porque alguém me possa roubar a ideia. Acho que isto é um mito.
A ambição, quando consciente, deve ser celebrada.
MR: Quanto mais pessoas conseguir mobilizar num projeto e mais rapidamente envolver os recursos necessários, mais rapidamente consigo testar a viabilidade e ter acesso a perspectivas diferentes da minha. Também é preciso criar o espaço e segurança necessários nas equipas, em especial em mid management level, para que possamos fazer o que fiz com a minha primeira manager: partilhar. Mas essa seria uma outra conversa.
Outro ponto que acho interessante mencionar, é o de seres ‘conhecida’ por entrares em contacto com várias pessoas, por exemplo através do teu LinkedIn, e seres muito direta no teu approach. Aliás, ambas partilhamos a ‘filosofia’ dos 6 degrees of separation.
MR: Exatamente. Na verdade, até já discutimos juntas que talvez seja possível baixar esta estimativa. A minha premissa é simples: o ‘não’ é garantido. Faça ou não a abordagem, já tenho um ‘não’, portanto prefiro tentar. Dezenas de vezes não recebi resposta. Mas nunca o encarei de forma pessoal. Também acho que é importante desmistificar esta ideia de que envio uma mensagem no LinkedIn apenas para convidar para um café, até porque, curiosamente, não bebo café. Todas as mensagens que envio têm um objetivo, são intencionais e personalizadas. E fazer isto, tal como trabalhar a nossa rede de networking, não é rocket science – é uma função de trabalho e persistência. É um músculo que se treina e exercita: para pensar no objetivo da interação, para estarmos dispostos a aprender, e para criarmos valor às pessoas a quem pedimos o seu bem mais valioso – o tempo.
Todas as mensagens que envio têm um objetivo, são intencionais e personalizadas. E fazer isto, tal como trabalhar a nossa rede de networking, não é rocket science – é uma função de trabalho e persistência.
MR: Para além disso, muitas vezes dessa interação surgem outras e é necessário que haja interesse genuíno inicial. Não tenho vergonha de pedir ajuda e de procurar mentoria. Aprender com as aprendizagens dos outros é a melhor forma de experienciarmos a nossa própria aprendizagem. Mas procuro sempre trazer valor acrescentado. E por fim, acho que qualquer pessoa com quem queiramos “contactar” seja porque motivo, quer um CEO ou o Presidente da República, são pessoas normais – com desafios profissionais e pessoais, com uma vida, como nós, portanto por que motivo não tentar? Toda a gente está à distância de uma mensagem, desde que com valor e intenção.
Não tenho vergonha de pedir ajuda e de procurar mentoria. Aprender com as aprendizagens dos outros é a melhor forma de experienciarmos a nossa própria aprendizagem. Mas procuro sempre trazer valor acrescentado.
Claro que sim. E a isto agrega-se a tua ideia de que temos de nos saber vender a nós próprios.
MR: Exatamente. Sou formada em Economia e estive dois anos da minha carreira na equipa comercial de Ads da Google. Talvez por isso tenha uma visão pouco romântica do mercado de trabalho – ao mesmo tempo que percebi a importância de sabermos fazer o nosso one minute pitch para vender o que quer que seja. Mas acho que é importante ter essa consciência porque nós, jovens, temos uma ideia demasiado romântica do que nos espera quando terminamos a faculdade. O mercado de trabalho é um mercado de transação. Tão simples quanto isto. E, segundo a teoria Neo-clássica, baseia-se na lei da Oferta e da Procura. As empresas estão à procura de algo e nós temos de ajustar o nosso produto e saber vender para que a nossa oferta se torne o mais valiosa possível. O mercado de trabalho atual, em especial no pós-pandemia – com trabalho remoto, nómadas digitais, etc. – é muito competitivo.
Nós, jovens, temos uma ideia demasiado romântica do que nos espera quando terminamos a faculdade. O mercado de trabalho é um mercado de transação. Tão simples quanto isto.
MR: Li uma vez uma reflexão do autor do Rich Dad Poor Dad, Robert T. Kiyosaki, que questionava se alguma vez alguém tinha ouvido falar de um best author. Nunca. Falamos sempre em best selling author. Um livro bem-sucedido só o é se tiver aceitação no mercado, independentemente da época em que isso acontece. Tal como temos de saber vender um livro, ou qualquer outro produto, temos de nos saber vender no mercado. Isto implica sabermos qual a nossa proposta de valor: o que fazemos bem, os nossos casos de sucesso, e exemplos em que demonstrámos o que, e como o, fazemos. E mais uma vez, não só não há apenas uma forma de o fazer, como o pitch vai evoluir. Tornamo-nos ativos mais valiosos no mercado com as experiências que temos e ao aprendermos com as pessoas com quem trabalhamos. Também é por isso que acredito que no início da nossa carreira devemos procurar estar rodeados por pessoas que são ‘mais inteligentes’ que nós. Com isto quero dizer que só posso continuar a fazer crescer o valor do meu ‘produto’, se continuar a ser desafiada e me rodear de pessoas que me vão ensinar a fazer melhor. Claro que para isto temos de estar dispostos a receber e integrar feedback. Todos falhamos e erramos. Eu erro a toda a hora. Mas errar não me assusta. Tal como fiz quando coloquei o meu ‘produto’ no mercado. Prefiro errar rápido, receber feedback e saber como posso melhorar. E acho que este foi um dos motivos pelos quais me juntei à Google e consegui crescer dentro da empresa.
Sempre tiveste, e tens, cargos muitíssimo cobiçados. Como por exemplo, o de ser Stategic Partnerships Manager da Google. Podes contar-nos um pouco sobre a tua rápida ascensão a essa posição senior?
MR: Juntei-me à Google em 2019, como estagiária. Nessa altura ainda não tinha lido o livro Porque dormimos?, e portanto decidi comprometer o meu sono e agarrar a oportunidade de estágio na Google enquanto completava, em paralelo, o meu Mestrado Double Degree, na CEMS – uma aliança das melhores escolas de negócio a nível mundial. Talvez uma das melhores decisões da minha vida, porque percebi que fazer muitas coisas ao mesmo tempo é my thing. Aliás, como muitas das minhas mentoras defendem, é preciso primeiro dizer que sim e depois aprender a fazer.
Percebi que fazer muitas coisas ao mesmo tempo é my thing.
MR: Comecei como estagiária, em Lisboa, a gerir um portfólio de clientes portugueses nos setores de Retalho, Start-ups, Turismo e Governo. Trabalhava com as maiores empresas portuguesas nestes setores, e com diversos C-level, na área de Ads e Publicidade. Além disso, liderei vários projetos na área de Diversidade, Equidade e Inclusão. A Google tem esta vertente que nos permite levar os valores da empresa para fora da nossa “bolha”. E, mais tarde, trabalhei em Dublin, no mercado da Europa do Sul, e após ter sido promovida, passado um ano, no mercado de Retalho Britânico. Até há muito pouco tempo, achava que a minha idade era um rótulo, que os meus 23 anos – idade em que comecei a assumir estas responsabilidades – me descredibilizavam, e que, portanto, em nenhuma reunião de trabalho dizia a minha idade. Como já tinha passado por empresas como a L’Oréal ou a ABB, e tinha tido várias experiências em diversos contextos, não me perguntavam a minha idade em contexto externo. Mas a Google deu-me um lugar ‘na mesa dos crescidos’, e foi assim que senti quando entrei. Não só me ouviam como perguntavam a minha opinião. Valorizavam a minha perspetiva e ousadia ao perguntar e desafiar “porque fazemos assim” e “como podemos fazer diferente”.
Até há muito pouco tempo, achava que a minha idade era um rótulo, que os meus 23 anos – idade em que comecei a assumir estas responsabilidades – me descredibilizavam, e que, portanto, em nenhuma reunião de trabalho dizia a minha idade.
MR: Inclusive, vi alguns dos meus projetos terem, como sponsors, o Presidente da Google EMEA e a Vice Presidente da Google, para grandes clientes em EMEA. Sendo que a VP da Google acabou por se tornar uma mentora para mim. Lembro-me de desafiar o Presidente da Google, na minha ingenuidade, e de ele me responder passado 10 minutos a dizer “Ok, apresenta-me uma solução e avaliamos”. E assim lançámos um projeto do zero que envolveu mais de 20 C-levels na Google. Foi também com um dos meus mentores, na Google, que aprendi a nunca apresentar problemas, mas sim soluções. Este mindset permitiu-me explorar três organizações diferentes dentro da empresa: Ads, Cloud (como parte de um projeto em 20% do meu tempo) e agora, Parcerias. Ter procurado aprender horizontalmente na empresa, e perceber o que fazemos de melhor e podemos, levar para outras organizações, permitiu-me mudar-me para o escritório de Londres, e começar o meu novo cargo como Strategic Partnerships Manager.
E que papel desempenhas nesse teu cargo?
MR: Trabalho com os nossos produtos na área de Devices and Services e apaixono-me cada vez mais pela forma como, de maneira responsável, pensamos no utilizador numa altura em que podemos cada vez mais mudar o mundo com a tecnologia e a Inteligência Artificial. Acho que quando olhamos para o que dizes ser a minha ‘ascensão’ talvez não seja visível, mas implicou muito esforço e sacrifícios. Quando me mudei para Dublin não adorava a cidade, mas adorava a Google e, portanto, estava disposta a fazer o trade off. Sabia que seria uma stepping stone importante para me posicionar no mercado e na empresa. Quando fui promovida (em apenas um ano), abdiquei de alguns fins-de-semana. Sempre com paixão e entrega no que faço, mas não deixam de ser sacrifícios. Regressámos à tal frase que mencionei no início: dei-me ao trabalho. E continuarei a dar, em tudo o que faço, a 300%, porque retiro imensa realização da minha carreira.
Fazes também parte do Alumni Executive Board da Nova SBE, universidade da qual és alumni.
MR: É verdade. Esse foi outro convite que me fez pensar na minha idade, na primeira reunião do Executive Board. Alguns dos membros do Board tinham terminado, ou começado, a sua licenciatura na Nova SBE em 1997 – o ano em que nasci. A maior prova de que a Nova SBE é uma universidade que quer ouvir os jovens: primeiro, quando me convidaram para fazer a apresentação do novo campus a todos os investidores e rebranding da escola, e, depois, quando me estenderam o convite ao Board. A maioria dos Boards em Portugal é constituída por pessoas extremamente experientes – o que faz todo o sentido. Mas é importante incluir mais jovens nestas discussões, porque não só o mundo está a mudar de um ponto de vista da tecnologia, como as novas gerações procuram algo diferente. Já não querem receber um carro ou a garantia de ficar na empresa ‘X’ anos. Querem, para além de um bom salário, flexibilidade em como e onde trabalhar, encontrar lideranças diversas, e uma série de outros fatores que poderíamos discutir e que com certeza variam com a personalidade e indústrias.
A maioria dos Boards em Portugal é constituída por pessoas extremamente experientes – o que faz todo o sentido. Mas é importante incluir mais jovens nestas discussões, porque não só o mundo está a mudar de um ponto de vista da tecnologia, como as novas gerações procuram algo diferente.
MR: Criar Shadow Boards não chega. É preciso incluir mais jovens em Boards e perceber como adaptar (o que acaba por ser a eterna história de empresas, como a Blockbuster, que teriam os recursos, mas escolheram não inovar e perderam para os chamados ‘Netflix da vida’). E esta adaptação pode ser crítica para problemas, como o crescente turnover nas empresas. Fazer parte do Board da Nova SBE, e poder contribuir e dar o meu input no pelouro de Internacionalização da escola – primeiro de perto com o professor Daniel Traça e agora, com o professor Pedro Oliveira – é um orgulho e uma grande responsabilidade.
Criar Shadow Boards não chega. É preciso incluir mais jovens em Boards.
MR: Em primeiro lugar, considero que a Educação é a pedra basilar de uma sociedade. Talvez por ter crescido com uma professora em casa, e por ter sido também eu professora, e ensinado mais de 250 alunos na faculdade, tenha uma visão mais enviesada sobre o tema, mas, especialmente em Portugal, é urgente resolver o flagelo da Educação e valorizar uma classe que tem o poder de fazer um país ‘andar para a frente’. E depois porque vejo o que a Nova SBE, ou outros exemplos incríveis de role models para mim, como o Pedro Santa Clara com a 42 Lisboa, nos permitem. Não há melhor exemplo de mobilidade social do que a Educação. E é por isso que sou tão apaixonada por Educação e acredito que pode melhorar a vida de muitas pessoas.
Não há melhor exemplo de mobilidade social do que a Educação.
E quando surgiu a ideia de criares, com a Sara Aguiar, o podcast Ponto Zero?
MR: O Ponto Zero nasceu algures em 2020. Conheci a Sara no Mestrado na Nova SBE. Por ordem do acaso, fomos alocadas ao mesmo grupo de trabalho num projeto de consultoria externa para a Nestlé, em Brand Management, e quando percebemos que tínhamos métodos de trabalho e estratégias em comum, decidimos (regra saudável de manutenção da networking), marcar um café mensal – um bloco mensal nos nossos calendários para conversar sobre a nossa evolução, discutir desafios, e partilhar estratégias. Numa discussão sobre o tema da maternidade e como, enquanto mulheres, podemos conciliar a vida pessoal com a nossa carreira, pensámos que talvez outros jovens tivessem questões semelhantes. Nasceu, assim, o Ponto Zero, em formato de podcast, para democratizar sessões de mentoria como as que tínhamos juntas.
E como surgiu o nome do podcast?
MR: O nome do podcast surge desta crença de que estamos constantemente a trabalhar nas nossas próximas melhores versões, e não só na nossa versão 2.0. Por tantas vezes citarmos as nossas mentoras e mentores, decidimos, nestas sessões de mentoria, trazê-los para a conversa, para que mais jovens pudessem aprender com as suas experiências e percursos. Ao desenharmos a primeira versão da lista de mentores que gostaríamos de convidar, percebemos que, em muitas áreas e temáticas, as nossas referências mais imediatas eram masculinas. Por isso, decidimos reescrever a lista e incluir apenas mulheres. Para que mais jovens possam encontrar e criar referências mais diversas nas suas áreas. Falar sobre carreira, democratizar estes temas, mas fazendo-o dando voz a mulheres. Com o podcast chegámos a mais de 18 países, ao top 10% de podcasts mais partilhados do Spotify em apenas um ano, e a mais de 20 mentoras. Foi também durante estas sessões de mentoria que percebemos que podíamos escalar o nosso impacto.
Com o podcast chegámos a mais de 18 países, ao top 10% de podcasts mais partilhados do Spotify em apenas um ano, e a mais de 20 mentoras. Foi também durante estas sessões de mentoria que percebemos que podíamos escalar o nosso impacto.
Um podcast que mais tarde levou à criação da C-Level Mentorship Academy (CMA).
MR: Exatamente. Decidimos criar a C-Level Mentorship Academy porque existe um gap após os primeiros três anos de carreira – as mulheres têm menos probabilidade de se candidatar a posições seniores e ambicionar chegar a cargos de liderança. E a CMA nasce como consequência do nosso primeiro evento, o We Can Do Better. Para materializar e prolongar no tempo o impacto da iniciativa, decidimos desafiar alguns C-level em Portugal para assinar o compromisso de, durante um ano, dar mentoria a uma jovem mulher em direção a cargos de liderança. Com o objetivo inicial de 30, fechamos a primeira edição com a participação de 45 C-level. A mentoria é essencial para qualquer carreira e no entanto segundo a Forbes, apenas 37% das pessoas têm um mentor.
Para materializar e prolongar no tempo o impacto da iniciativa, decidimos desafiar alguns C-level em Portugal para assinar o compromisso de, durante um ano, darem mentoria a uma jovem mulher em direção a cargos de liderança.
MR: Ligar os líderes atuais às líderes do futuro pode mudar o paradigma das lideranças em Portugal. Recebemos tantos pedidos de C-level e mulheres para se juntarem à academia, que decidimos profissionalizar o que começou como uma iniciativa do Ponto Zero. A C-level Mentorship Academy tornou-se, este mês, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo democratizar o acesso a mentoria de C-level a jovens mulheres com ambição de serem as líderes do futuro. Queremos, até 2025, permitir o acesso a esta mentoria a 500 jovens mulheres (com 3 a 10 anos de experiência). Esta oportunidade será oferecida a estas mulheres pelo apoio de vários Founding Partners, que irão financiar o programa enquanto contribuem para mitigar a desigualdade de género em Portugal, em especial em cargos de liderança. A McKinsey e o Nova SBE Leadership for Impact Knowledge Center juntaram-se a nós e estamos a medir o impacto no perfil de liderança dessas mulheres graças a esta academia. Queremos ativamente alargar a nossa rede de mentores e ter mais empresas a associarem-se a nós.
Queremos, até 2025, permitir o acesso a esta mentoria a 500 jovens mulheres (com 3 a 10 anos de experiência).
O que é muito interessante porque vai, também, ao encontro de outro aspeto de que falas muito regularmente sobre: o de que existe esta ideia de que temos de ter um mindset focado numa só vertente da nossa vida, ou área de trabalho, para termos sucesso.
MR: Exato. Fazer muitas coisas ao mesmo tempo é, provavelmente, um dos traços da minha marca pessoal. E continuo a trabalhar no meu equilíbrio todos os dias: somos todos um trabalho ‘em progresso’. Toda a gente tem uma questão com a qual se debate frequentemente. A minha pergunta era se podia ou não ter tudo, ou se tinha de me focar em apenas uma vertente da minha vida. No sentido de ter uma vida muito preenchida do ponto de vista profissional (o Ponto Zero é um bom exemplo disso), mas também viver o melhor que a juventude tem para me oferecer: fazer desporto, dançar, viajar, aprender, ir ao teatro, passar tempo com os meus amigos e com a minha família, que adoro. Percebi que é possível: talvez não tudo ao mesmo tempo, mas em momentos distintos.
MR: Sou verdadeiramente apaixonada pelo que faço. Divirto-me genuinamente a trabalhar, a resolver problemas de forma criativa e a fazer coisas como falar em público. Retiro muita realização do meu trabalho, tanto na Google como no Ponto Zero. E aceito as condicionantes que daqui advém. Se quiser dormir 8 horas, talvez não consiga estar presente num jantar daquela semana. Na semana em que preciso de reunir ou almoçar com X pessoas, talvez tenha menos tempo para passar com amigos ou treine menos. O que tenho muito claro são as minhas prioridades. E todos os anos desenho, literalmente, as minhas prioridades, dividindo em quatro um espaço em branco e pensando nos meus ‘não negociáveis’. Fazer desporto (da dança ao spinning) é um ‘não negociável’ para mim porque é algo que faz parte da minha prioridade número um: saúde física e mental. A partir do momento em que, seja qualquer qual for o projeto ou trabalho, exista a possibilidade de comprometer a minha saúde, repenso se faz sentido continuar. Isto é um exemplo claro de algo de que não estou disposta a abdicar – o meu bem-estar. Existem outros exemplos, como a forma como me visto, que diz tanto sobre a minha identidade e personalidade. Talvez esta visão mude noutra fase da minha vida, mas acredito que é possível fazermos “tudo”. E há um tema ainda mais importante, de que falava muitas vezes com os meus alunos, “tudo” significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Cada pessoa precisa de coisas diferentes para ser feliz. Algumas pessoas retiram a sua realização pessoal dos seus hobbies, por exemplo. Esse “tudo” não é menos válido. Para mim, este “tudo” a dividir o meu tempo entre Londres e Lisboa, a trabalhar na Google e a fazer crescer o Ponto Zero, depois das seis, nos intervalos das viagens, do desporto e amigos, funciona. Acho que cada pessoa só precisa de encontrar o seu equilíbrio. Mas em especial, nós mulheres, temos de deixar de pensar que temos de fazer ‘mais escolhas’ por termos ‘mais obrigações’.
Talvez pouca gente saiba que és tu desenhas toda a tua roupa, o que demonstra que também tens um lado muito criativo que não tens medo de ser tu própria. E é interessante porque voltamos aqui ao ponto acima referido. Também fizeste dança de salão durante 16 anos.
MR: É verdade, e curiosamente desenhei o meu primeiro vestido para um espetáculo de dança. Fiz dança de salão durante 16 anos – às vezes nem parece real! Fiz dezenas de espetáculos e musicais. O palco é um lugar de harmonia para mim. E foi através da dança que comecei este hobby, nem sempre tão linear de manter no mundo corporativo. Desenhei o meu primeiro vestido para um espetáculo de música latina e toda a gente adorou o resultado. Decidi desenhar um vestido roxo reversível, por graça. Nessa altura devia ter 16 ou 17 anos. A partir daí tornou-se parte de quem sou. Queria vestir algo único que refletisse a minha personalidade e a forma como me sentia em diferentes situações e contextos. Desenho todo o tipo de peças, com padrões originais. Parece um “fun fact” ótimo mas não deixo de trabalhar em negócios e tecnologia.
Queria vestir algo único que refletisse a minha personalidade e a forma como me sentia em diferentes situações e contextos. Desenho todo o tipo de peças, com padrões originais. Parece um “fun fact” ótimo, mas não deixo de trabalhar em negócios e tecnologia.
MR: Há uma história que nunca contei, mas que ilustra e espero que leve mais alguém a pensar que devemos ser sempre quem somos. Uma vez, numa conversa, uma pessoa que admirava e ainda admiro imenso, perguntou-me se achava que “a forma como me vestia refletia a minha inteligência”. Perguntou-me se tinha consciência que a primeira impressão que temos de alguém é física e que esta não era certamente a imagem que queria passar porque talvez não “fosse levada a sério” numa reunião. Aos meus 20 e poucos (não que tenha muito mais agora), tive um reality check. No dia seguinte, voltei a conversar com essa pessoa e disse-lhe que talvez tivesse razão, que todos temos enviesamentos inconscientes, mas que se o meu valor numa reunião fosse julgado ou atribuído pela forma como me visto, preferia não estar nessa reunião. Sei ler uma sala, mas não vou deixar de ser quem sou para me ‘encaixar’. Desenhar a minha roupa faz parte de quem sou e não consigo dar o meu melhor no trabalho se não me sentir bem na minha própria pele.
Há uma história que nunca contei, mas que ilustra e espero que leve mais alguém a pensar que devemos ser sempre quem somos. Uma vez, numa conversa, uma pessoa que admirava e ainda admiro imenso, perguntou-me se achava que “a forma como me vestia refletia a minha inteligência”…
Ultimamente noto que te tens debruçado sobre um tópico em particular: a ‘fuga de cérebros’ em Portugal. Tópico esse que te tem levado mais longe, por assim dizer.
MR: Sim, é um tópico que tenho vindo a falar porque o meu cérebro também “fugiu”. Já vivi em 5 países diferentes: Canadá, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido e claro, Portugal. Lisboa é a minha cidade preferida no mundo. Adorava viver em Lisboa, mas não encontrei as condições que procuro para escalar a minha carreira no meu país. E todos os meus amigos que trabalham em Portugal consideram sair por considerarem estar estagnados de um ponto de vista de progressão dentro da organização e ainda mais, do ponto de vista salarial. É perfeitamente legítimo que um trabalhador ambicione ser recompensado pelo trabalho que faz.
MR: A primeira vez que saí de Portugal, foi para estudar na HÉC, em Montreal, mais tarde para estudar na Copenhagen Business School, em Copenhaga. Estudei em três universidades e países diferentes e não encontrei lá fora a qualidade de ensino e hard skills que encontrei em Portugal. Mas quando toca a carreira, não podendo pronunciar-me em relação a outras áreas como a ciência, porque não é a minha área, posso garantir que é impossível competir. Digo isto com a maior honestidade: quero muito regressar a Portugal e é por isso que os meus projetos têm foco no mercado português e aceitei o desafio do senhor Presidente para pensar no futuro de Portugal, no Grupo de Reflexão e Trabalho que decidiu criar. Gostava de encontrar o mercado de trabalho melhor do que quando decidi emigrar. Também acredito que não é assumindo que não é possível por sermos “um país pequeno” que vai mudar. Portugal tem um potencial gigante de exportação e acredito (tal como muitos especialistas), que poderia ser um Hub de tecnologia e inteligência artificial. Mas é preciso trabalhar a vários níveis: criar incentivos, acreditar no poder do privado para o bem social e rever a carga fiscal a vários níveis.
Portugal tem um potencial gigante de exportação e acredito (tal como muitos especialistas), que poderia ser um Hub de tecnologia e inteligência artificial.
MR: E também é importante lembrar que os Portugueses são brilhantes. Podia passar as próximas duas horas a mencionar nomes de portugueses que conheço a fazer coisas extraordinárias lá fora. Em várias equipas onde já trabalhei, os portugueses são umas máquinas. É preciso criar as condições socioeconómicas e culturais para que queiram regressar.
E também é importante lembrar que os portugueses são brilhantes.
Foste também a recipiente de vários prémios, dos quais destaco teres sido eleita uma jovem líder mundial promissora pelo St. Gallen Symposium, ao lado de líderes como Jack Ma, ou a primeira jovem portuguesa a ser escolhida pelo editor e distinguida pelo Financial Times.
MR: Já ouvi algumas vezes a palavra ‘primeira’. Eu trabalho a carreira de uma forma intencional – não acredito que a carreira nos acontece, mas que a fazemos acontecer. Faço um grande investimento no meu desenvolvimento pessoal e profissional e ter um plano de desenvolvimento pessoal não é sobre ler 52 livros por ano. É sobre continuar a ter uma curva de aprendizagem exponencial, colocar-me em novos ambientes. Os prémios são um motivo de orgulho, porque reconhecem o esforço em fazer esta carreira acontecer, mas mais do que isso, o meu objetivo é que estes prémios possam abrir caminho a mais pessoas. Ser a primeira é ótimo, mas é importante que mais jovens possam ter acesso a oportunidades como eu tive de, por exemplo, conversar com a Diretora das Nações Unidas para as Mulheres ou a Presidente de Singapura, no St. Gallen Symposium. Li num livro há pouco tempo, que dizia que liderar era sobre ‘criar mais líderes’. Acho que se aplica o mesmo racional neste caso: abrir um caminho para que os primeiros não sejam os últimos.
Li num livro há pouco tempo, que dizia que liderar era sobre ‘criar mais líderes’. Acho que se aplica o mesmo racional neste caso: abrir um caminho para que os primeiros não sejam os últimos.