Luísa Bernardes é fundadora da Comunidade Mulheres Incomuns e coautora do livro com o mesmo nome. Natural da Figueira da Foz, enveredou pela licenciatura de Relações Internacionais na Universidade do Minho, e mais tarde por uma Pós-graduação em Estudos Europeus, na Universidade de Coimbra. Mulher de causas é ativista e envolve-se, sempre que pode em projetos internacionais. Acredita que pode ajudar a mudar o mundo, e foi por isso que se envolveu, primeiro na criação da NICE – Mulheres Empreendedoras e agora na plataforma Mulheres Incomuns, que tem um livro editado com o mesmo título.
À Forbes, Luísa Bernardes explica como tudo começou e qual é a missão que está associada a este desafio.
Em que consiste a Comunidade Mulheres Incomuns e de que forma se está a materializar?
A Comunidade Mulheres Incomuns assume-se como uma plataforma de inspiração para todas as pessoas que aspiram ao sucesso profissional e pessoal. É aberta a todas as pessoas (mulheres e homens) que se identifiquem com a sua missão: dar visibilidade ao sucesso no feminino.
É um movimento da sociedade civil no âmbito do empoderamento feminino, porque apresenta outras referências de liderança e outros modelos de sucesso, e porque contribui para a normalização da presença de mulheres, em todas as áreas e setores da sociedade.
Para assinalar o nascimento da Comunidade lançámos o livro “Mulheres Incomuns,” mas existe uma infinidade de formas de materializar esta missão. Por exemplo, este ano, o Agrupamento de Escolas Gonçalo Mendes (em Gaia) envolveu toda a comunidade escolar, nas Exposições Digitais Mulheres Incomuns-Mulheres de Referência, porque a diretora participou numa das nossas celebrações e se sentiu inspirada a agir. E é preciso envolver as gerações do futuro nas questões da equidade! O resultado foi fantástico: várias exposições dos trabalhos realizados por estudantes, nas quais reconheciam o valor de mulheres importantes das suas vidas.
Como se deu início a esta caminhada? O que esteve na origem desta união?
Eu, a Susana Castanheira e a Vera Margarida Cunha já tínhamos colaborado em várias iniciativas e em diferentes contextos. Percebemos que, em comum temos a causa da equidade de género e a vontade de agir, de fazer parte da mudança que queremos ver no mundo. Acabou por ser um caminho que foi maturado ao longo de vários anos.
Quando começamos a aprofundar o conhecimento destes temas sentimo-nos impelidas para a ação. Por um lado, há um assinalável progresso nos últimos cinquenta anos, tendo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género destacado Portugal como um dos países da União Europeia que mais rapidamente tem progredido nesta área, por impulso das leis nacionais. Por outro lado, a UN Women publicou, em 2024, dados que demonstram que ainda nenhum país, ou setor de atividade, resolveu a questão da diferença salarial entre homens e mulheres.
As ideias começaram a fervilhar e, aproveitando as valências de cada uma de nós, definimos um plano de criação de uma comunidade com a visão de promover “um mundo onde todas as mulheres possam expressar livremente a sua singularidade”. Surgiu assim a Comunidade Mulheres Incomuns.
O que vos motivou a escrever o livro sobre Mulheres Incomuns?
O livro Mulheres Incomuns é uma obra coletiva que reúne doze histórias de vida de mulheres que se destacaram em diferentes áreas. Cada uma dessas mulheres foi descrita por outra mulher que aceitou o desafio de olhar para esse percurso, aprender com ele, e depois partilhá-lo numa reflexão pessoal.
Uma vez que a Comunidade Mulheres Incomuns tem por missão celebrar o sucesso no feminino, partilhar estes percursos de mulheres que se destacam nas suas áreas de atuação é uma forma de os dar a conhecer, de lhes dar visibilidade, de os celebrar e homenagear. As autoras cederam os direitos autorais para a causa de empoderamento feminino porque acreditam que a visibilidade do talento feminino é um acelerador da igualdade de oportunidades. As pessoas envolvidas na organização dos eventos de celebração/homenagem, fazem-no em regime de voluntariado, as organizações aliadas disponibilizam espaços, serviços e recursos. Esta é uma comunidade feita totalmente de trabalho voluntário, como se pode ver.
O que esperam alcançar com esta iniciativa? Qual a vossa principal ambição?
Pretendemos contribuir para o pilar social e a iniciativa está alinhada com a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, especialmente com o ODS 5, que se concentra na igualdade de género, e o ODS 10, que visa reduzir as desigualdades.
Existem tantas mulheres com percursos relevantes que merecem ser reconhecidos e serem dados a conhecer pelo que perspetivamos que a comunidade continue a crescer.
De que forma a partilha de histórias de sucesso terá impacto na igualdade de género?
A tendência para a crescente presença das mulheres em cargos de gestão e direção é, claramente, positiva e necessária. Durante muitos anos, as desigualdades no contexto profissional eram significativas, estando as mulheres sub-representadas em cargos de liderança. Ainda assim, nas últimas décadas, tem havido um movimento crescente no sentido da igualdade de género no local de trabalho, incluindo uma evolução constante e positiva da participação das mulheres nos Conselhos de Administração das maiores empresas cotadas em bolsa.
A investigação tem vindo a demonstrar que as empresas e organizações que promovem a diversidade e inclusão, nomeadamente na aposta em ter mulheres em lugares de liderança, tendem a ser mais inovadoras e lucrativas. Aliás, a Organização Internacional do Trabalho, em 2019, demonstrou que a diversidade de género pode gerar até 20% de aumento de lucros, referindo que os benefícios da diversidade de género começam a ser visíveis quando as mulheres alcançam, pelo menos, 30% das posições de liderança. Mas nos últimos 5 anos houve um claro retrocesso nesta área, devido à crise criada pela pandemia, pelos conflitos em várias áreas geográficas que afetam desproporcionalmente mulheres e meninas. Mais diversidade e maior equidade torna as sociedades mais ricas, do ponto de vista moral e da justiça social, ao respeitar os direitos humanos, e também, de um ponto de vista meramente economicista, pelo que urge passar à ação.
A investigação tem vindo a demonstrar que as empresas e organizações que promovem a diversidade e inclusão, nomeadamente na aposta em ter mulheres em lugares de liderança, tendem a ser mais inovadoras e lucrativas.
E foi o que fizemos, passamos à ação com a publicação destes percursos de liderança: ao longo deste livro as mulheres de referência foram relatando exemplos demonstrativos de que os estilos de liderança feminina são tendencialmente mais colaborativos e inclusivos, privilegiando a empatia, a confiança e a partilha de ideias na relação de trabalho com os colaboradores. Acreditamos que, com o tempo, iremos observar uma mudança nos estilos de liderança predominantes, caminhando-se para uma cultura organizacional mais participativa e com maior foco no desenvolvimento e bem-estar dos colaboradores. Acreditamos na diversidade e na inclusão como motores de crescimento.
Quais os principais desafios que ainda encontram no país relativamente à paridade de género?
Em Portugal, apesar da evolução verificada nos últimos 50 anos, existem muitos desafios que persistem. Historicamente, grande parte da disparidade salarial entre homens e mulheres poderia ser explicada por diferenças na educação e nas escolhas profissionais. Contudo, Claudia Goldin, Professora da Universidade de Harvard, distinguida com o Prémio Nobel da Economia, em 2023, pela investigação sobre mulheres no mercado de trabalho, conseguiu provar que apesar dos avanços na participação feminina no mercado de trabalho, as mulheres ainda enfrentam muitos desafios, tendo demonstrado que a maior parte desta diferença de rendimentos ocorre com o nascimento do primeiro filho.
Existem muitos desafios ao nível da conciliação da vida profissional, com a vida familiar e pessoal. Não é por isso de estranhar que, em 2020, em Portugal, tal como em todos os países da União Europeia, mais mulheres do que homens trabalham a tempo parcial.
Apesar de o emprego a tempo parcial ter surgido como uma solução para promover uma maior articulação entre a esfera familiar e o campo profissional, esta solução, na prática, tem perpetuado a ideia de que as mulheres são “naturalmente” cuidadoras, remetendo-as para o espaço doméstico, limitando as suas carreiras profissionais, enquanto reforça o padrão masculino de reduzida alocação de tempo destinado ao espaço doméstico.
Globalmente, 75% do trabalho não remunerado é feito por mulheres, que gastam nesse trabalho entre três e seis horas por dia, enquanto a média dos homens é de trinta minutos a duas horas.
O emprego das mulheres a tempo parcial supera o dos homens o que resulta em menores rendimentos no seu presente, menores pensões no seu futuro e menores probabilidades de subida na carreira ao longo da sua vida profissional.
Aliás, globalmente, 75% do trabalho não remunerado é feito por mulheres, que gastam nesse trabalho entre três e seis horas por dia, enquanto a média dos homens é de trinta minutos a duas horas. Esse desequilíbrio começa cedo (meninas de cinco anos fazem significativamente mais tarefas domésticas do que os seus irmãos) e aumenta à medida que envelhecem. A nível individual, claro que há homens que estão a fazer mais. Mas a nível populacional, ainda não.
Quais as soluções que possam eventualmente apostar para reduzir o gap de oportunidades de género em Portugal?
As mulheres, na União Europeia, e em Portugal também, ganham menos 16%, em média, que os homens por hora. Esta diferença aumenta com o nível de estudos.
De acordo com a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025, da Comissão Europeia, algumas medidas foram identificadas para diminuir esta diferença salarial, nomeadamente assegurar que mulheres e homens recebem iguais salários pelo mesmo trabalho e por trabalho de igual valor; assegurar o funcionamento das regras da União Europeia sobre o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, para mulheres e homens; melhorar o acesso a cuidados infantis de alta qualidade e a preços acessíveis e outros serviços de cuidado.
A questão da conciliação da vida profissional, com a vida familiar e pessoal leva, por exemplo, a que as mulheres não estejam tão disponíveis para participar em formação ao longo da vida, o que num mundo em acelerada mudança, leva a que não estejam preparadas para enfrentar estes desafios. Já para não falar que a sobrecarga de trabalho tem reflexos na saúde mental, ou até as impede de participar em networking, levando a que sejam frequentemente esquecidas para posições de liderança, muitas vezes presumindo-se que não estão disponíveis.
Como incentivar cada vez mais as adolescentes e jovens a quebrar os padrões de género e entrar nas engenharias, na política, fugindo dos lugares-comuns de que “há profissões mais de homens”?
Em Portugal, curiosamente, depois do 25 de abril, houve uma tendência de mais mulheres entrarem em cursos de ciência e engenharia, mais tradicionalmente associados aos homens. Mas, apesar de todos os esforços feitos nos últimos anos, com muitas iniciativas para motivar as meninas e raparigas a enveredar nestas áreas, que são as mais bem remuneradas, tem havido uma regressão porque elas não se querem submeter às discriminações que persistem.
É importante normalizar a presença das mulheres nestas áreas, dar a conhecer os seus sucessos, as suas realizações e, também, a forma como ultrapassaram os desafios acrescidos que a condição de mulher acarreta. Pensamos que promover percursos de sucesso é uma forma de motivar as novas gerações e de desmistificar estes assuntos, porque o lugar da mulher é onde ela quiser.