O Grupo Hiscox, que em Portugal é representado pela empresa portuguesa do ramo segurador Innovarisk, e está especializado em seguros de arte, efetuou um levantamento dos principais roubos de arte no ano passado, verificando que a tecnologia entrou também na mira dos criminosos.
No entendimento do Hiscox, em 2021 deu-se a revolução artística e tecnológica dos NFTs, um mercado que só nos primeiros meses de 2021 teve vendas no valor de 3.025 milhões de euros.
“A sua capacidade de atrair investidores tornou-os um alvo atraente para criminosos, razão pela qual também ocorreram os primeiros roubos dessa nova arte digital”, salienta esta companhia de seguros internacional.
No entanto, estes especialistas acrescentam ainda que 2021 também foi o ano em que a tecnologia permitiu a reconstrução de obras de arte emblemáticas de artistas, como Klimt e Rembrandt.
Assim, pelo terceiro ano consecutivo, a Hiscox compilou as obras de arte roubadas e recuperadas mais destacadas de 2021, ano em que a tecnologia se tornou num dos protagonistas destas histórias.
Cibercriminosos invadem a arte online
De acordo com o relatório “Online Art Trade Report 2021“ da Hiscox, 36% das plataformas de venda online de arte consideraram que a melhor contribuição que a tecnologia blockchain deu ao mercado de arte foi o desenvolvimento de novas áreas, como os NFTs, mas isso também levou ao surgimento de novas formas de crime.
Em março de 2021, refere a Hiscox, ocorreu o primeiro roubo de NFTs na plataforma Nifty Gateway, uma das páginas mais importantes dentro desta área, que ascendeu a 150.000 euros, segundo um dos utilizadores afetados.
Desde então, o volume e o impacto dos ataques aumentaram para um roubo de mais de 100 milhões de euros em tokens da Vulcan Forged, um mercado NFT de videojogos. Um utilizador lançou um ataque cibernético que comprometeu os sistemas de segurança da plataforma para saquear as carteiras dos utilizadores, que perderam os códigos de acesso e não conseguiram recuperar os fundos que tinham armazenado.
“Embora seja uma novidade devido ao conteúdo do roubo, estes ataques seguiram as técnicas clássicas de ciberataque, como engenharia social. Foi o caso do roubo denunciado por Jeff Nicholas, colecionador de NFT, que perdeu todo o seu portfólio de arquivos NFT, avaliado em 400.000 de euros”, refere a Hiscox.
Os criminosos cibernéticos fizeram passar-se pelo suporte técnico da empresa para ajudá-lo a resolver um problema de direitos, convenceram-no a compartilhar o seu ecrã e digitalizaram o código QR que servia de chave para a sua carteira digital na plataforma OpenSea, outro dos espaços mais populares de comércio de NFTs.
Roubos de arte no mundo físico
No entanto, os roubos de arte continuam também a ser perpetrados no mundo físico. Em Espanha, um assalto ao Hotel Miguel Ángel resultou no roubo de uma escultura e três quadros no valor de 340.000 euros, entre os quais um quadro de Joaquín Sorolla.
Também em 2021, de Inglaterra desapareceu um objeto artístico e histórico único, o icónico rosário que Mary Stuart usou durante a sua decapitação.
A joia foi roubada, juntamente com outras peças de ouro e prata avaliadas em cerca de 1.000.000 euros, do Castelo de Arundel, que tinha acabado de abrir as suas portas ao público após o confinamento.
Tecnologia ajuda a recuperar património
No ano passado, a tecnologia também possibilitou voltar a desfrutar de obras que se pensava perdidas. Com a ajuda da Inteligência Artificial foi possível recuperar a série Medicina, Jurisprudência e Filosofia, as denominadas Pinturas da Faculdade, do austríaco Gustav Klimt, destruídas um dia antes do fim da Segunda Guerra Mundial, quando o exército nazi incendiou o castelo austríaco em que se encontravam, para que o Exército Vermelho não confiscasse o património artístico saqueado durante anos.
Dessas obras, apenas fotografias a preto e branco foram preservadas que, em combinação com milhões de imagens e documentos da época, foram utilizadas por especialistas do Google Arts and Culture e do Museu Belvedere, na Áustria, para reconstruir a cor original das peças.
Este não é o único caso de uma obra de arte perdida num contexto de guerra que regressa à vida devido à tecnologia.
No Japão, vários investigadores conseguiram reproduzir um fresco budista destruído em 2001 no Afeganistão pelos Talibãs. Para isso, efetuaram um tratamento digital de uma centena de fotografias do fresco original, tiradas por arqueólogos antes da destruição.
Desta forma desenvolveram um modelo da sua superfície em computador que foi reproduzido num bloco de poliestireno por uma impressora 3D e, posteriormente, uma equipa de artistas completou o trabalho com as cores e materiais originais.
A Inteligência Artificial também serviu para reconstruir as partes que faltavam de A Ronda da Noite, uma das pinturas mais famosas de Rembrandt.
Em 1715 a pintura foi cortada em quatro partes para que pudesse passar pela porta do salão da Câmara Municipal de Amsterdão, onde seria exposta, o que fez com que algumas partes fossem removidas. No entanto, devido a uma cópia que sobreviveu e à ajuda de um ambicioso estúdio de fotografia 3D, o Rijksmuseum em Amsterdão exibiu recentemente, pela primeira vez em 300 anos, a obra completa.
Em 2021 também foi notícia a recuperação de outras grandes obras de arte como a pintura Cabeça de Mulher de Picasso, roubada há mais de nove anos e encontrada pela polícia grega.
Outro caso de património artístico recuperado foi o das duas obras de arte renascentistas que foram roubadas do Museu do Louvre em Paris na década de 1980 e devolvidas à instituição parisiense.
A polícia francesa descobriu estas peças do século XVI, um capacete e as costas de uma couraça, numa família de Bordéus quando esta estava a tratar de uma herança. Depois de as identificar devolveram-nas ao seu local de origem.
Nos Estados Unidos, o bilionário e filantropo Michael Steinhard devolveu 180 obras de arte e antiguidades, avaliadas em 62 milhões de euros e roubadas por todo o mundo nas últimas décadas.
Essa recuperação foi o resultado de uma investigação de vários anos ao bilionário, que durante décadas negociou obras de arte sem se preocupar com a legalidade das suas origens. Entre muitas outras peças destaca-se o Deer Head Rhyton, uma embarcação cerimonial do ano 400 a.C. que representa uma cabeça de veado, avaliada em 3 milhões de euros; e o Larnax, um baú de Creta, Grécia, dos anos 1400-1200 a.C., usado para guardar restos humanos e avaliado em quase 900.000 euros.
“O explodir do mercado de arte digital à boleia das características únicas dos NFTs, que lhes permite identificar o verdadeiro proprietário de uma obra digital, trouxe para este mercado vários colecionadores movidos pelo potencial de valorização destes tokens. No entanto, o desconhecimento de como este mercado funciona, ligado a alguma ingenuidade, tem-se revelado um terreno fértil para ciberdelinquentes que utilizam as mesmas técnicas usadas em ataques informáticos a empresas com um grau de sucesso muito mais elevado. Cabe-nos a todos estar vigilantes e proteger um património que não é só nosso mas de toda a Humanidade”, afirma Rui Ferraz, Diretor Comercial da Innovarisk.