A época de apresentação de resultados do primeiro trimestre das empresas norte-americanas tem coincidido com a escalada dos preços de energia, a inflação e o eclodir do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Face a este cenário surge a dúvida sobre o impacto no desempenho financeiro nestes três primeiros meses do ano.
O diretor de investimentos da Sixty Degrees, Nuno Sousa Pereira responde a esta dúvida começando por lembrar que, sobre esta primeira parte dos resultados da earning season norte-americana, a prioridade “deveria ser perceber se já houve algum impacto nas contas das empresas resultante da subida constante dos preços das matérias-primas ou se a disrupção de algumas cadeias de produção e/ou vendas foi ampliada devido ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia”.
Nuno Sousa Pereira realça que, apesar de a maioria das empresas que já divulgaram os seus números “terem revelado um primeiro trimestre sólido, mostrando alguma resiliência nos resultados apesar dos acontecimentos, podemos afirmar com segurança que já se sentiram alguns impactos”.
O diretor de investimentos da Sixty Degrees, destaca que, nos Estados Unidos, toda a banca apresentou resultados trimestrais “acima do esperado, à exceção do JP Morgan que anunciou um impacto negativo de 524 milhões de dólares devido a empréstimos relacionados com a Rússia e o abrandamento das receitas oriundas das comissões cobradas na banca de investimento”.
E lembra que, desde o início do ano, o preço das ações da JPMorgan registou uma performance menos 18.88% versus um desempenho das ações do setor, o S&P500 Financials de menos 7.00% (até 22/4). Nuno Sousa Pereira diz que, do lado positivo, a atividade tradicional de empréstimos ao nível do setor melhorou a sua rentabilidade devido às taxas de juro mais elevadas. No entanto, nos últimos 12 meses, “todos os bancos reportaram pressões de subida sobre os salários oferecidos aos colaboradores, que têm vindo a aumentar especialmente nos níveis de entrada como forma de melhorar o recrutamento e a retenção de quadros na área financeira”.
Até 22 de fevereiro, houve também a publicação dos resultados da Netflix que, nas palavras da mesma fonte, por ser uma das maiores tecnológicas a publicar resultados mais cedo, tem servido de barómetro ao crescimento de utilizadores neste espaço. Nuno Sousa Pereira refere que, apesar dos bons resultados financeiros, “a Netflix desapontou no crescimento do número de utilizadores, com a primeira perda líquida trimestral de subscritores nos últimos dez anos”. No primeiro trimestre, esta plataforma de streaming perdeu cerca de 200 mil subscritores e estima perder cerca de dez vezes mais no próximo trimestre. O gestor da Sixty Degrees sublinha ainda que a plataforma concorrente HBO (HBO Max e HBO) “ganhou cerca de três milhões de utilizadores no primeiro trimestre, o que levou as ações da Netflix a um tombo de 35% no dia seguinte à publicação de resultados. Note-se que, parte desta perda de subscritores, resultou da decisão da Netflix em deixar de oferecer o seu serviço na Rússia”.
Nesta ronda pelos resultados financeiros das companhias norte-americanas, Nuno Sousa Pereira refere que outra das empresas a registar “problemas na geração de resultados foi a Bed, Bath & Beyond, uma cadeia de lojas de artigos para a casa, que atribuiu o mau desempenho ao nível das vendas aos problemas de logística, nomeadamente pela retenção da mercadoria em armazéns e nos portos, que levaram a empresa a registar um prejuízo inesperado”.
Mas nem tudo é cinzento nesta época de earning season norte-americana. O diretor de investimentos da Sixty Degrees diz que, no lado positivo, “outra das empresas que tem sido um farol para os mercados financeiros, a Tesla, reportou um crescimento acima do esperado, quer em vendas quer em lucros, e comunicou uma expectativa de um ambiente saudável para o resto do ano, com os maiores desafios a surgirem do lado da expansão da produção”.
Ainda assim, Nuno Sousa Pereira alerta que, até ao momento, é notório que “o conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem prejudicado algumas das empresas mais globais, especialmente as que tomaram a iniciativa de rapidamente reconhecer uma paragem nas operações no mercado russo”. E antecipa que “caso o conflito se prolongue e alastre a outros países, os impactos deverão ser ainda maiores”.
Outro fenómeno que está a marcar a atualidade é a inflação. Neste capítulo, o gestor da Sixty Degrees admite que “as empresas aparentam estar a conseguir passar a subida do preço das matérias-primas para os consumidores”. Por isso, acredita que, “uma eventual quebra nos volumes vendidos só se deverá revelar nos próximos trimestres e poderá ser agravada pelas dificuldades logísticas de produção e exportação da China, que tem em vigor uma forte quarentena devido à Covid-19”. No entanto, realça que existe outra dimensão da inflação que “começa agora a ter o seu impacto e que resulta da pressão de subida que começa a sentir-se nos salários, especialmente dos colaboradores mais qualificados. Neste caso, as empresas poderão ter mais dificuldade em passar este aumento de custos para o consumidor final”.