Lembras-te da primeira vez que ouviste falar da Nazaré?
A primeira vez que ouvi falar da Nazaré acho que foi quando o Garrett surfou as suas ondas grandes, talvez há 10 anos. Depois comecei a saber um pouco mais sobre a Nazaré quando a Justine Dupont e o Fred David foram lá surfar. Conhecia-os de França, treinávamos ao mesmo tempo na mesma piscina, e eu sabia que eles se tinham mudado para a Nazaré e vi a Justine a apanhar umas ondas grandes. E depois foi quando cheguei cá, em 2018.
Como é que foi essa primeira visita à Praia do Norte?
Cheguei em 2018, era o dia anterior à competição do evento de paddling. Nessa altura eu tinha 18 anos e estava com um amigo que tinha 17. As ondas estavam muito grandes para nós. Estávamos muito entusiasmados por vir à Nazaré e tentar surfar, mas não estávamos à espera de surfar os dias maiores. Mas estávamos mesmo muito entusiasmados por ir para a água.
Como foi para ti a edição deste ano do Nazaré Big Wave Challenge?
Foi um momento um pouco louco. Eu não estava na competição, o Nic von Rupp estava a lutar para que eu estivesse e três dias antes da competição ligou-me para me dizer que eu estava dentro. Fiquei muito surpreendido, quase não tive tempo para me stressar, vim muito rápido de França para cá. A ondulação não era muito grande, era uma boa ondulação mas não muito grande, o que me fez sentir um pouco mais confiante. Foi um dia louco, com tanta gente. Não houve muita pressão, não a senti, porque talvez estivesse preparado para ela na minha cabeça, é mais entusiasmo e saber que é algo que quero para a minha vida, ir para a água em frente a muitas pessoas e tentar dar o meu melhor para elas. Dar um bom espetáculo para as pessoas na falésia.
Esperavas chegar, no teu primeiro evento, e conseguir desafiar logo o campeão em título?
Não, é verdade que para mim ele é como um herói, alguém que eu admiro muito. Eu sabia que talvez tentasse pressioná-lo, estava a tentar pressioná-lo com certeza, mas não sabia se ia resultar. Sinto-me bem na água aqui e acho que é uma sensação que o Lucas também tem cá. É uma loucura podermos pressionar os nossos heróis para fazermos um surf melhor. Eu não sabia que poderia estar tão perto dele, para ser honesto, com pouco tempo de preparação, sem muitas pranchas e um pouco verde, pela primeira vez. Mas quando ouvimos que podemos pressionar os nossos heróis, é uma loucura.
Tu estás envolvido em várias modalidades, como o foiling, kitesurf, surf. Os outros desportos ajudam na preparação para o surf de ondas grandes?
Sim, acho que as ondas grandes estão ligadas a tudo o que se pode fazer na água. No oceano, naqueles dias grandes, dias de tempestade, aqueles dias especiais, é preciso ter uma sensação diferente do que apenas surfar. Acho que todos os momentos em que podes estar na água a surfar, perto da praia a olhar para a onda, tudo o que possas ter que te ajude a conhecer melhor o oceano em geral, acho que é algo que te pode ajudar no surf de ondas grandes. Porque o oceano move-se de forma diferente do que no surf normal. Talvez o kitesurf me ajude muito, para ir rápido e estar de pé. Quando fazes surf, deitas-te, remas e levantas-te para a onda, mas quando fazes surf em ondas grandes ficas de pé atrás do jet-ski. Quando fazes kite ficas de pé durante muito tempo na sessão, por isso é um bom treino para o tow-in. E eu diria que talvez o foiling. É um desporto em que é preciso ser muito rigoroso e estar concentrado, não se pode cometer nenhum erro, o foil é perigoso. Mesmo com ondas pequenas, é preciso estar 100% concentrado no que se está a fazer. O mesmo acontece na Nazaré. Quando se está na Nazaré é preciso estar 100% concentrado no que se está a fazer. Acho que é uma ligação de muitos desportos.
Como é a tua rotina quando o teu foco está nas ondas grandes?
Num dia clássico na Nazaré, quando sei que vai haver ondas grandes: Acordo muito cedo, porque não se consegue dormir muito, ouve-se o mar. Ao acordar no escuro, não se consegue ver a onda, não nos concentramos primeiro na onda. Por vezes, pego no meu telemóvel para saber o tamanho da ondulação. Faço alongamentos, só para acordar um pouco e estar pronto para o longo dia. Começo o dia devagar e depois, sim, vou ver as ondas, acho que é bom dar uma olhadela à onda antes de entrar na água. Às vezes não temos escolha, temos de ir muito cedo, por isso não vemos a onda, mas eu prefiro ver para saber um pouco para onde quero ir e a onda que quero escolher.
E o que sentes naquele momento antes de entrares na água?
Sinto-me muito entusiasmado. Quando era mais novo e a onda estava a chegar, tinha um pouco de medo. Entusiasmado, mas com muitas emoções. Não conseguia comer durante a manhã, sentia-me stressado. Este é o ano em que me sinto mais confortável, sei melhor o que tenho de fazer e o que quero fazer. É um desporto de equipa, por isso estou muito entusiasmado por ir surfar, estar com os meus amigos e a minha equipa. Também sei que vou tentar dar a melhor onda às pessoas e isso é algo de que gosto muito.
Vocês competem em dupla, mas há outras pessoas na equipa, correto?
Há uma terceira pessoa e uma quarta pessoa que é o spotter, ele está no cliff e não na água, mas fica de olho em nós. Isto é algo que eu gosto muito porque venho do surf e o surf, o kitesurf e todos esses desportos são desportos egoístas, em que só pensas na tua onda e nas tuas coisas. Nas ondas grandes somos uma equipa, é preciso confiar em todos, somos amigos e todos queremos o mesmo, queremos uma boa sessão. Esta é a parte boa do trabalho, ser uma equipa.
Estás no Kite World Tour e eu estava a ver as datas dos eventos e coincide com o período de espera para a Nazaré. Sendo assim, onde é que o surf de ondas grandes se encaixa nos teus planos neste momento?
Antes deste ano estava mais concentrado em fazer todos os meus desportos, porque para mim era importante estar um pouco por todo o lado. Agora, depois deste evento na Nazaré, sinto que talvez precise de me concentrar mais nas ondas grandes. No ano anterior, às vezes lesionava-me a fazer kitesurf ou outros desportos. Para mim, é preciso treinar a 100% para as ondas grandes e, se praticarmos demasiados desportos paralelos, mesmo que sejam bons treinos, por vezes esses treinos podem provocar lesões e ficamos fora de água. Tenho de ter cuidado agora, concentrar-me mais nas ondas grandes. Quando vou fazer kite ou quando faço algo que não seja onda gigante, tento ter cuidado e pensar no que estou a fazer.
Quais são os teus objetivos, os próximos passos?
Este ano foi perfeito. Sinto-me muito confortável, tanto no jet-ski como no surf. Se tivermos sorte e vier um grande swell, adoraria apanhar uma onda maior. Se não for esse o caso, tentar não pensar muito no próximo inverno, mas não esquecer que o próximo inverno vai ser um inverno louco. Vou treinar muito no ginásio, treino de apneia, quero fazer apneia profunda. Vou tentar treinar o máximo possível para estar mais do que preparado para o próximo inverno. Talvez ir para o México para apanhar umas boas ondas. Vou continuar a treinar.