Para quem o conhece hoje, este não é um cenário fácil de imaginar: “Tinha 16 anos, ia sair com os meus colegas à noite e ficava sempre encostado ao balcão a olhar para toda a gente a dançar, com vergonha. A música tinha um efeito muito interessante em mim, eu tinha vontade de dançar, mas não sabia e tinha vergonha”.
Vítor Fonseca, mais conhecido por Cifrão, não espera que as oportunidades lhe batam à porta. “A maior parte das oportunidades sou eu que crio as condições para elas acontecerem”, explica à Forbes. Assim, não é de estranhar que hoje seja um dos nomes mais reconhecidos na área da dança em Portugal.
Quando se deu conta que a vergonha estava a levar a melhor, decidiu fazer aulas de dança. “Depois comecei a apaixonar-me pela dança, a trabalhar muito, a ir a mais aulas do que era suposto, a experimentar aulas com vários professores diferentes. Mesmo começando tarde, aos 16 anos, fez com que eu começasse a desenvolver mais rápido e a partir daí nunca mais parei de dançar”, conta.
A música e a dança acabaram por levá-lo à representação e a experiência de formação no Conservatório de Música e em Londres, onde conseguiu aliar as três. Até que chegou o projeto que mudou tudo: A segunda temporada da série Morangos com Açúcar. “Esse projeto mudou completamente a minha vida”, garante. Além do enorme sucesso que foi a série, Cifrão ainda integrou o primeiro projeto musical que nasceu nos Morangos. Os D’ZRT juntaram, em 2004, Cifrão, Angélico Vieira, Paulo Vintém e Edmundo Vieira.
“Recordo tudo. Lembro-me do primeiro dia de ensaios, estava lá a Cláudia, o Teixeira, a Rita, o Angélico, o Vintém, o Edmundo, a Marta Melro. Lembro-me da primeira cena que gravei, com o realizador Jorge Cardoso, em que ele me pôs a dizer o meu texto de cabeça para baixo. Lembro-me da primeira vez que a banda se sentou juntou, num banco de jardim, à guitarra, e compusemos a nossa primeira música. Foi aí que descobrimos que o Angélico era rapper. Nós só nos encontrámos lá, eu já conhecia o Vintém, mas o Edmundo e o Angélico nunca tinha estado com eles. Tenho muito boas recordações dos meus primeiros tempos de Morangos. O musical que fizemos no Coliseu, em que eu coreografei. Lembro-me quando eles perceberam que eu sabia dançar e me pediram para coreografar a partir dali a série dos Morangos”, recorda.
“Foram momentos muito marcantes”
Avançando até 2023, o que fica na memória é um regresso épico, de uma dimensão nunca antes vista em Portugal. A ideia de voltar a reunir a banda começou a surgir quatro anos antes, mas nem sempre estavam todos de acordo. “Havia uma altura em que o Edmundo queria voltar e eu e o Vintém não queríamos, outras alturas em que o Vintém estava com mais vontade e eu e o Edmundo não queríamos”, explica Cifrão. Quando chegou o momento em que os três estavam na mesma página, aconteceu a pandemia e os planos ficaram um pouco atrasados. “Quando acabou a pandemia percebemos que era a altura certa e fizemos um apelo às pessoas”, diz, recordando que nesta altura ainda ninguém imaginava o quão grande o regresso iria ser.
“Nós íamos alugar uma sala mais pequena, depois lá conseguimos alugar o Altice Arena, mas numa configuração mínima de 6 mil pessoas. Só que as coisas deram a volta de uma forma muito radical e acabámos por fazer quatro Altices e mais oito concertos pelo país”, diz Cifrão.
Para se ter noção do impacto dos D’ZRT basta olhar para a noite em que o primeiro concerto no Altice Arena foi anunciado. Começou tudo na TVI, o canal onde a banda nasceu, com a presença no Jornal Nacional para o anúncio. A partir daí, a equipa não tinha mãos a medir. “Nós esgotámos o primeiro Altice em quatro horas e eu, quando percebi que aquilo estava a esgotar, já estava a ligar para a nossa designer e para o Altice para tentarmos reservar outra data, que não tínhamos reservado. Assim que esgotou a nossa designer conseguiu colocar a promo do segundo dia depois de ter marcado com o Altice. Depois ainda ligámos para o Porto para alugar uma sala que não tínhamos alugado, e ligámos para Guimarães também para reservar. Foi muito rápido”, diz.
Cifrão afirma que a banda se reuniu pela saudade que sentiam de estar juntos em palco. O público assinou por baixo. Foi aqui que o artista conseguiu, pela primeira vez, ter noção do impacto que tiveram há 20 anos.
“Na época auge de D’ZRT, nós esgotámos um Altice Arena. Nós neste momento esgotámos quatro em três dias”, diz. “Nós não sabíamos o impacto que tivemos nas pessoas, só soubemos quando voltámos. E isso foi muito marcante para nós e nada, nada do que tivéssemos pensado que iria acontecer nos tinha preparado para aquilo. Foram momentos muito marcantes. Os Altices, os quatro primeiros, foram fora do normal, foram surreais”.
O sucesso foi tal que a banda decidiu não ficar por aqui. Para este ano, está marcada uma reunião dos projetos musicais que tiveram origem nos Morangos com Açúcar. Além dos D’ZRT, estarão também os 4Taste, as Just Girls e o FF, este como convidado especial. Será no Passeio Marítimo de Algés, a 8 de junho, e “já está muito composto”, garante Cifrão.
“Pela primeira vez vamos ter três concertos no mesmo local, nós nunca tivemos isto, nem na nossa vida mais antiga. Pela primeira vez vamos ter três grandes espetáculos com condições que nunca tivemos antes. Vai ser uma festa incrível em que vamos poder recordar um bocadinho da nossa infância, é uma viagem ao passado. Vai ser muito bonito voltar a estarmos todos juntos”, afirma.
O legado
A música ocupa hoje cerca de 25% do tempo de Cifrão, que, neste momento, tem as suas duas áreas divididas desta forma: “Claramente a dança está a 70%, a música a 25% e a representação a 5%”. Entre todos os projetos a que se dedica, e além dos que já foram mencionados, há três que se destacam.
Aproveitando a presença das redes sociais, o artista criou a Online Dance Company, que trabalha através do Youtube e Instagram. Principalmente no que à divulgação diz respeito, sendo que é essa a maior função que, acredita, as redes sociais podem ter no seu trabalho. Mas não ficou por aqui. Hoje, tem também uma escola de dança fora das plataformas digitais.
A Arcade Dance Center surgiu “do amor de três amigos pela dança”. Amigos esses que têm uma vontade enorme de “criar condições para as danças de rua terem um espaço próprio, um espaço de espetáculo, um espaço de aprendizagem”.
“Que fosse como nós acharíamos que deveria ser. Ligado à cultura, ligado ao passado, ligado às raízes da dança, ensinarmos os passos com os nomes próprios que os passos têm e dar uma educação que eu, por exemplo, não tive tão aprofundada e que agora acho que é muito importante nós termos. É importante tu saberes dançar, mas saberes o que estás a dançar, e porque é que dançaste.”, conta.
Além disso, os fundadores quiseram garantir que os bailarinos que recebem formação na escola terão um futuro de trabalho. E surgiu a segunda parte deste projeto: “Pomos professores de dança em todas as escolas públicas para dar aulas gratuitas aos miúdos. Isto faz com que criemos mais mercado de trabalho para professores que nós estamos a formar na nossa escola”, diz. Existe ainda uma agência de bailarinos, que os leva a diversos trabalhos a nível artístico e comercial.
E, por fim, o projeto da sua vida.
Regressou à faculdade por ele, mas ainda opta por mantê-lo em segredo. Só não esconde o objetivo.
“Comecei esta licenciatura em dança para tentar melhorar a educação da dança no nosso país a nível de currículo escolar e nos próximos anos eu vou estar a trabalhar sobre isso, sobre a possibilidade de todas as pessoas do país terem acesso a dança, a esse ensino de dança nas escolas ser uma coisa muito bem ponderada, muito bem passada. Trabalhar a dança a nível nacional e torná-la uma parte muito importante da vida de todas as pessoas. Esse é o meu grande projeto de vida, acho que é o meu legado. A dança deu-me muitas coisas boas e eu quero poder retribuir”, conclui.
(Artigo publicado na edição de abril/maio da Forbes Portugal)