A atual exposição no Victoria & Albert Museum (V&A), em Londres, intitulada Gabrielle Chanel. Fashion Manifesto, dá corpo e expressão a uma homenagem ao trabalho inovador da icónica designer Chanel. Para além de destacar a influência duradoura da Chanel na comunidade – sendo uma das maiores casas de moda feminina ao longo de todo o século XX –, a exposição também dá realce às várias e intrigantes facetas das conexões da marca ao regime de Hitler e à Alemanha Nazi.
Mal entram na exposição, os visitantes deparam com uma blusa de seda creme de 1916, a marinière blouse, uma peça que assinala o início das influências navais que se tornaram na assinatura distintiva de Chanel. Blusa esta que foi inspirada na roupa que os pescadores usavam, em Deauville, a cidade localizada na costa noroeste francesa, na Normandia, à la page na época, na qual Gabrielle Chanel abriu a sua primeira loja em 1913.
A exposição, meticulosamente pensada e organizada por forma a evocar a atmosfera de uma autêntica loja Chanel, apresenta mais de 200 visuais, acessórios e itens de beleza.
Desdobrando-se em dez seções, cada uma delas revela uma fase crucial na evolução da moda feminina. Moda esta que é, ainda hoje, muitas vezes ditada pelos gostos da gigante francesa.
Oriole Cullen, curadora-chefe da exposição, fez questão de destacar a inovação constante de Chanel, desde as suas ideias revolucionárias nos anos 20 à introdução do tweed e jersey nas peças de alta costura da marca. Ao incluir estes tecidos na haute couture da epóca, Chanel transformou alguns dos ideais dos conservadores que até então se mantinham. Peças confortáveis, e fáceis de usar, que na época entraram em voga.
A formatação temporal ‘progressiva’ que Gabrielle Chanel gizou para o branding da sua marca constitui, também, um ponto focal da exposição. Mais ainda, não querendo correr o risco de ser vista e ‘solidificada’ como sendo ‘apenas’ mais uma loja de roupa feminina de luxo, ‘Coco’ Chanel, o petit nom com que era conhecida, aventurou-se pelo mundo da cosmética.
Em 1921, foi lançado um dos perfumes mais icónicos do mundo: Chanel No 5. Três anos depois, em 1924, foi lançada a primeira linha de maquilhagem da Chanel. Logo depois, em 1927, seguiu-se-lhes uma linha de artigos ligados a cuidados de pele que ainda hoje em dia se mantém.
Já secção Luxury and Line, na galeria, explora o auge do sucesso de Coco Chanel no final dos anos 30. Em exibição estão várias peças deslumbrantes desenhadas por ela mesma – desde os conhecidos trajes criados para os Ballet Russes, até aos vestidos de noite extravagantes que tanto dão ainda que falar. No entanto, e como nos é explicado na exposição, a ascensão triunfante de Chanel é abruptamente interrompida pela eclosão da guerra e pela subsequente ocupação alemã, em França, que levou ao encerramento forçado da casa Chanel em 1939.
Ao explorar o passado conflituoso de Gabrielle Chanel durante a Segunda Guerra Mundial, ficamos a saber que esta tinha um relacionamento íntimo com um espião alemão, Hans Günther von Dincklage. Mais ainda percebemos que Chanel era considerada pelos Nazis como uma trusted source. Contudo, e recentemente, o nome de Chanel foi encontrado numa lista que identificava mais de 600 mil membros da resistência francesa, o que adiciona complexidade à narrativa até então contada. Sustenta-o o terem sido encontradas – e estão expostas – cartas que Chanel escreveu a Churchill a pedir-lhe ajuda em nome de amigos seus.
A curadora da exposição, Oriole Cullen, acrescenta que a propriedade de Chanel, na Riviera, tinha caves que eram usadas pela Resistência para, por exemplo, esconder judeus em risco. Um deles, o arquiteto Robert Streitz, era quem, uns anos antes, tinha desenhado a propriedade de Chanel na Côte d’Azur francesa.
Apesar do affair que teve com von Dincklage, o espião alemão (que fora condecorado pelo próprio Hitler) e de Coco ter sido denunciada por trabalhar para os alemães pelo Oficial do Exército austríaco, o Conde Joseph Ledebur-Wichein, a verdade é que ainda não se sabe ao certo se Gabrielle Chanel colaborava mesmo com os Nazis. Quem sabe, talvez fosse uma agente dupla.
A exposição está aberta até 25 de fevereiro de 2024.
Trata-se de uma mostra que explora meticulosamente a vida e o legado de Chanel: da moda, ao papel complexo que desempenhou noutras vertentes da sua vida.
Uma viagem fascinante sobre a interseção entre fashion e o labiríntico caminho da História.