Cegoc: “É essencial que as PME vejam a liderança como um ativo estratégico”

O Grupo Cegos, que atua na área de Learning & Development, lançou o primeiro estudo internacional dedicado aos gestores em início de funções, incidindo sobre os colaboradores que assumem responsabilidades de gestão pela primeira vez. O estudo abrange dez países da Europa, América Latina e Ásia detalha o percurso, as expetativas e os desafios deste…
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Num país onde proliferam as PME, o Head of Learning & Development Solutions da Cegoc alerta que, para se ter uma economia mais competitiva, é essencial que estas empresas vejam a liderança como um ativo estratégico e não apenas como um “prémio”.
Líderes

O Grupo Cegos, que atua na área de Learning & Development, lançou o primeiro estudo internacional dedicado aos gestores em início de funções, incidindo sobre os colaboradores que assumem responsabilidades de gestão pela primeira vez. O estudo abrange dez países da Europa, América Latina e Ásia detalha o percurso, as expetativas e os desafios deste nível de gestão estratégica, essencial tanto para o desempenho organizacional como para as transformações que as empresas têm de conduzir. A primeira edição do inquérito dá voz àqueles que assumiram uma função de gestão nos últimos dois anos, bem como aos diretores de recursos humanos (DRH), para aferir as suas expetativas relativamente ao papel dos novos gestores e às competências que se espera que dominem. Entre os países incluídos estão França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Reino Unido, Singapura, Brasil, México e Chile com respostas de 4.271 gestores em início de funções e 441 diretores de RH/formação.

Em entrevista à Forbes Portugal, o Head of Learning & Development Solutions da Cegoc que integra o universo da Cegos, Filipe Luz, explica que os gestores em início de funções são uma população altamente motivada, mas ainda subvalorizada no investimento organizacional. De entre as conclusões referentes a Portugal, Filipe Luz realça que 84% destes gestores afirmam estar satisfeitos com o seu desempenho e 78% recomendariam a função a alguém próximo, o que representa uma prova do seu sentido de compromisso e ambição. Ainda sobre o mercado português o Head of Learning & Development Solutions da Cegoc salienta que, no que se refere ao perfil de gestor procurado pelas empresas, destaca-se a gestão do stress e resiliência como uma prioridade identificada pelas lideranças ao nível dos recursos humanos. E conclui que estas competências não anulam as técnicas, complementam-nas.

 

Quais as principais conclusões da edição do estudo Internacional Cegos 2025 sobre gestores em início de funções?

A principal conclusão é clara: os gestores em início de funções são uma população altamente motivada, mas ainda subvalorizada no investimento organizacional. Em Portugal, 84% destes gestores afirmam estar satisfeitos com o seu desempenho e 78% recomendariam a função a alguém próximo, o que representa uma prova do seu sentido de compromisso e ambição. Contudo, esta motivação convive com obstáculos estruturais. Trinta e quatro por cento dos gestores portugueses afirmam não ter tempo para apoiar o desenvolvimento das suas equipas. Este valor sobe para 76% quando analisado do ponto de vista dos diretores de recursos humanos. Além disso, 49% referem um aumento regular do volume de trabalho, o mais baixo entre os dez países do estudo. É nesta fase inicial que se moldam os hábitos de liderança. Se não existirem condições, não se cria o espaço para um estilo de gestão moderno, empático e centrado nas pessoas.

Neste relatório como é que Portugal se posiciona face aos congéneres europeus e aos restantes países a nível internacional?

Portugal apresenta contrastes relevantes. Por um lado, destaca-se pelo elevado nível de clareza do papel assumido pelos novos gestores (97%) e pelo sentimento de alinhamento ético com as suas funções (95%). Por outro lado, é o País onde os responsáveis de recursos humanos mais sobrestimam a motivação dos colaboradores por cargos hierárquicos (57%), quando apenas 36% dos gestores indicam essa como prioridade. Isto revela um desfasamento entre o que as organizações acreditam e o que os colaboradores valorizam. Adicionalmente, Portugal é o país com menor prioridade atribuída à Inteligência Artificial por parte dos gestores em início de funções (apenas 7%), contrastando com os mais de 90% de adoção em mercados como Singapura. Este dado mostra que ainda temos caminho a fazer no alinhamento entre transformação tecnológica e desenvolvimento de competências de liderança.

Atualmente pode-se falar numa gestão mais moderna das organizações? Neste âmbito, qual a importância de uma gestão moderna para o panorama empresarial português ainda muito composto por PME?

Há sinais de modernização, mas o panorama ainda é assimétrico. Em grandes empresas, vemos gestores de primeira linha com acesso a formação estruturada, coaching e responsabilidades sobre equipas e orçamentos significativos. Alguns gerem milhares de euros em responsabilidade financeira logo no seu primeiro ano de liderança. Ao mesmo tempo, nas PME, que representam a maioria do tecido empresarial português, encontramos talentos promissores com pouco ou nenhum acompanhamento formal. Esta dicotomia está a gerar um fosso preocupante entre dois perfis de gestores: um mais sofisticado, com acesso a desenvolvimento estruturado e visão estratégica, e, outro, mais “intuitivo”, muitas vezes deixado à sua sorte. Se quisermos uma economia mais competitiva, é essencial que as PME vejam a liderança como um ativo estratégico e não apenas como um “prémio” atribuído por antiguidade ou desempenho técnico.

Hoje qual o perfil de gestor que é procurado pelas empresas? Quais as soft skills que são necessárias e como estas se interligam com as competências técnicas que a função exige?

O gestor procurado hoje é, acima de tudo, um gestor humano. O estudo é claro ao indicar que as soft skills mais valorizadas são a liderança e motivação de equipas, a comunicação clara e eficaz e a tomada de decisão rápida e estratégica. Em Portugal, destaca-se ainda a gestão do stress e resiliência como uma prioridade identificada pelas próprias lideranças ao nível dos recursos humanos. Estas competências não anulam as técnicas, complementam-nas. Num contexto de complexidade crescente, é a capacidade de gerir pessoas, expetativas e emoções que diferencia um gestor eficaz. As competências técnicas são o ponto de partida, mas é a dimensão relacional que assegura a sustentabilidade da liderança.

Quais as principais características da atual geração de gestores? Há espaço para se crescer dentro das organizações e se atingir patamares mais altos de liderança?

Esta geração de gestores é mais consciente, mais exigente e mais alinhada com os seus valores. Em Portugal, 95% dizem atuar de acordo com os seus princípios éticos, e mais de 90% sentem-se com autonomia para liderar. Existe uma vontade real de gerar impacto, não apenas de “chegar ao topo”. Contudo, a progressão depende da cultura organizacional. O espaço para crescer existe, mas exige clareza, visão e estrutura. Se não forem criadas condições para o desenvolvimento continuado, esse talento procura alternativas, muitas vezes fora do país ou fora da empresa. A retenção de talento não se faz com promessa de futuro, mas com investimento presente.

Olhando para um futuro próximo, quais as tendências e expetativas para o incremento de novos gestores e novas dinâmicas nas empresas?

A tendência aponta para mais responsabilidade, mais cedo. As empresas, especialmente as grandes, estão a confiar rapidamente projetos críticos a gestores júnior. O estudo mostra que 56% recebem formação antes mesmo de assumir funções, o que é positivo, mas ainda assim, quase 25% não têm qualquer apoio estruturado. No futuro próximo, espera-se também uma maior diversidade de perfis de liderança, mais digitais, mais ágeis e mais colaborativos. Mas esta mudança exige uma preparação estratégica das organizações. Não podemos colocar jovens gestores a liderar transformação sem lhes dar ferramentas e espaço para crescer.

Até que ponto o tipo de gestão que se implementa molda as mentalidades numa estrutura empresarial?

A forma como se gere molda a cultura organizacional de forma muito mais eficaz do que qualquer campanha de comunicação interna. Os gestores em início de funções são os principais transmissores do “como se faz aqui”. São eles que transformam valores em práticas, que definem o tom da relação com a equipa e que traduzem a estratégia em ação concreta. Se a liderança que promovemos é baseada no controlo e na pressão, não podemos esperar inovação ou autonomia. Por isso, investir nestes gestores não é apenas uma aposta na eficiência. É uma decisão sobre que tipo de cultura queremos construir.

A atração e retenção de gestores ficou mais difícil, tendo em conta que se vive num mundo cada vez mais globalizado? Qual a estratégia para manter os nossos gestores no País?

Sim, ficou mais difícil, e não apenas por causa da globalização, mas porque as expetativas mudaram. Hoje, o que retém um gestor é o sentido de propósito, a possibilidade de aprender e crescer e um ambiente onde se sinta respeitado. A estratégia passa por antecipar. Identificar talento cedo, formar de forma estruturada, promover experiências desafiantes e criar caminhos de progressão claros. Em vez de esperar que o talento saia, as organizações devem construir um ecossistema onde ele queira ficar. Algo que começa logo na primeira função de gestão.

Mas hoje é fácil identificar perfis com potencial de gestão?

Cinquenta e sete por cento dos diretores de recursos humanos portugueses referem dificuldades em identificar perfis com potencial de gestão. Mais, trinta e seis por cento dos colaboradores identificados com esse potencial recusam assumir funções de liderança. Estes dois números dizem tudo. Temos dificuldade em encontrar e, quando encontramos, muitas vezes não conseguimos motivar. A causa não é falta de talento. É falta de visão estratégica sobre como o desenvolver. Esta é a verdadeira urgência. Formar, apoiar e reconhecer os gestores em início de funções não é apenas uma boa prática. É uma necessidade para garantir o futuro da liderança no nosso país.

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