Quando em 1953 a General Electric (GE) investiu na criação da figura de investor relations, o valor básico que sustenta as relações comerciais (e humanas também), ganhava uma nova dimensão no mercado de capitais. Ralph Cordiner passava a ter a responsabilidade de gerir um activo que, embora não contabilizado no balanço da empresa norte-americana, passava a ser visto como uma peça chave de qualquer organização: a confiança dos accionistas. Sessenta anos depois, um inquérito realizado pela sociedade gestora BNY Mellon diz que a comunidade de investidores dá mais importância à informação prestada pela empresa sobre a sua actividade do que ao desempenho do preço das acções. O preço do “capital de confiança” é bastante alto.
No mercado nacional, a obrigação de comunicação entre empresas cotadas e investidores está regulamentada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) desde o ano 2000. Segundo o regulamento da CMVM nº5/2008, as emitentes de acções e obrigações são obrigadas a designar um responsável pelas relações com os investidores e a comunicar a sua substituição ao regulador, sempre que tal aconteça. Para testar o “serviço”, a FORBES criou um investidor fictício – João Bastos – que enviou duas questões às 17 empresas cotadas no PSI-20. Nada de complicado, para facilitar as respostas, mas algumas deixaram o Sr. Bastos “pendurado”.
OS MAIS RÁPIDOS
A Mota-Engil precisou apenas de 21 minutos para dirimir as preocupações do investidor João Bastos sobre a exposição da construtora às economias emergentes, onde a conjuntura não é a mais favorável, e sobre futuras alterações à política de dividendos da empresa. João Vermelho, investor relations da construtora, explicou que a Mota-Engil tem uma exposição geográfica diversificada, com negócios na Europa, África e América Latina, o que tem permitido reduzir a ciclicidade do grupo e descansou o investidor adiantando que a Mota-Engil tem uma carteira de encomendas no valor de 4,3 mil milhões de euros, “o que permite perspectivar com tranquilidade o ano 2016”, escreveu. Sobre a segunda questão, o responsável foi conciso e directo ao escrever que a “percentagem dos lucros distribuídos aos investidores – deverá manter-se entre os 50% e 75% não sendo prevista qualquer alteração à política definida pela empresa”.
Há 14 anos na função, João Vermelho é um dos investor relations com mais experiência. “Uma empresa cotada tem responsabilidades de comunicação com a comunidade financeira não apenas legais, mas também morais de explicar a estratégia da empresa e a forma como a está a executar”, diz. Segundo o especialista, em 2015, a Mota-Engil respondeu a mais de mil e-mails de accionistas.
À semelhança da construtora, a NOS, o Millennium bcp e a EDP.
No ano passado tivemos 382 interacções directas com gestores de fundos e respondemos a mais de mil e-mails de accionistas. João Vermelho
PREPARADOS PARA TUDO
No universo dos accionistas profissionais, as questões são orientadas para esclarecer a estratégia seguida pela empresa e aferir as perspectivas para a companhia. Entre os accionistas particulares, a maioria das questões é relativa aos resultados e à política de dividendos, mas de vez em quando surgem questões algo insólitas. “Recordo-me de um pequeno accionista que me ligou preocupado porque o preço das acções estava a cair e ele tinha-as comprado sem dizer nada à mulher; queria saber quando é que voltavam a subir porque se não subissem rapidamente ia ter um problema complicado em casa…”, confessa Joana Lã Appleton, investor relations da The Navigator Company. Já na Sonae, o departamento das relações com os investidores liderado por Patrícia Pinto recebe muitas questões direccionadas a Belmiro de Azevedo, já retirado das lides executivas da empresa. “Querem saber qual a visão do empresário para a empresa. Nos últimos anos até fomos contactados por investidores que queriam a nossa visão da situação económica e política do país”, diz. Ou seja, no que respeita aos pequenos accionistas, os investor relations têm de estar preparados para responder a quase tudo.
Renováveis responderam a João Bastos em menos de uma hora. A operadora de telecomunicações levou 24 minutos a esclarecer as preocupações do investidor sobre a estratégia para rentabilizar o investimento nos direitos de transmissão dos jogos dos clubes de futebol da primeira divisão, e sobre a política de dividendos. Henrique Rosado, do departamento de relações com os investidores, explicou que a empresa ainda não tem um modelo definido de rentabilização do investimento e que a política de dividendos será definida na próxima assembleia-geral da empresa (ainda não agendada).
Aos 25 minutos chegou a resposta do Millennium bcp a encaminhar o Sr. Bastos para uma linha telefónica gratuita de apoio ao accionista. Funcionou. O banco tem investido nas relações com os accionistas particulares. Em 2014, criou o “Espaço Millennium bcp accionista”, um serviço que além de oferecer produtos mais vantajosos funciona como centro de apoio a cerca de 100 mil pequenos accionistas. Segundo Rui Coimbra, responsável pelas relações com os investidores do banco, “o funcionamento da área de investor relations do Milennium bcp está organizada por forma a assegurar um serviço diferenciado para as duas categorias de accionistas”.
A maioria dos accionistas particulares não tem a formação e o tempo para seguir a actividade de uma empresa, o que leva os investor relations a acompanhá-los de uma forma também particular. “Os investidores particulares obrigam a um cuidado especial, pois geralmente, não têm possibilidade para acompanhar a empresa de perto”, explica Patrícia Pinto, responsável pelas relações com os investidores da Sonae. A retalhista respondeu ao Sr. Bastos em uma hora e quinze minutos, a quarta reposta mais rápida, logo a seguir à EDP Renováveis, que respondeu de forma pedagógica. “Qualquer previsão de investimentos ou desinvestimentos para 2016, se pública, tem de ser informada previamente através da divulgação de comunicado na CMVM”, explicou Rui Antunes, responsável pelas relações com os investidores da EDP Renováveis. João Bastos ficou sem a resposta, mas daqui para a frente vai ficar mais atento à informação privilegiada divulgada no site da CMVM.
Nos últimos anos, o banco participou anualmente em cerca de 20 encontros com accionistas institucionais. Rui Coimbra
O FUNDAMENTAL É RESPONDER
A rapidez da resposta é importante na avaliação da comunicação das empresas com os seus accionistas. Afinal, pode-se estar a tratar de decisões de investimento e tempo é dinheiro, mas não é o factor primordial quando se fala de horas ou de até alguns dias. A Sonae, os CTT, a The Navigator Company, a Jerónimo Martins e a EDP precisaram de algumas horas para responder às questões de João Bastos, e fizeram-no com valor. A equipa de Patrícia Pinto, por exemplo, esclareceu as dúvidas do investidor sobre a estratégia de internacionalização depois do fim da parceria com a empresária Isabel dos Santos de forma directa e sucinta.
Na área alimentar, foi sublinhado o acordo celebrado em Outubro de 2015 para a entrada da cadeia Continente nos Emirados Árabes Unidos em regime de franquia e o crescimento da actividade de vendas grossistas das marcas próprias para cada vez mais mercados externos. E, na área não alimentar, a resposta destacava a entrada da Sport Zone em França e da marca Zippy nas Filipinas, Moçambique e Tunísia, também em regime de franquia.
Os CTT também não deixaram o Sr. Bastos de mãos a abanar. Deram uma resposta pormenorizada sobre a estratégia de entrada da empresa de serviços postais no sector bancário e sobre como pretendia mitigar o risco da actividade, de forma a manter o seu perfil de investimento original (conservador), a grande preocupação expressa pelo accionista fictício na mensagem electrónica enviada. “Será um banco com produtos simples e de baixo risco”, lê-se no e-mail enviado em nome da equipa do departamento de relações com os investidores.
Na mensagem é ainda explicado que a estratégia do Banco CTT se tem pautado pela prudência, com um início de actividade em soft opening, “limitado apenas aos colaboradores do Banco CTT e dos CTT e depois, paulatinamente, irão ser abertas áreas Banco CTT nos balcões CTT, mas com um número limitado de produtos e serviços por forma a testá-las e minimizar os riscos”. Já a Semapa até é capaz de ter ido longe demais na tecnicidade da explicação sobre se os impostos iriam continuar a agravar os resultados da holding em 2016 como nos primeiros nove meses de 2015.
José Miguel Paredes, investor relations da empresa de Pedro Queiroz Pereira, explicou que “a partir de 1 de Julho de 2015, a Portucel deixou de fazer parte do grupo fiscal dominado pela Semapa pelo que os lucros tributáveis gerados por esta participada deixaram de poder ser compensados com os prejuízos fiscais existentes no grupo Semapa, razão pela qual registámos um aumento dos impostos”.
Até ao primeiro semestre do ano passado, a Semapa deteve da Portucel uma percentagem do capital superior a 75%, que após esse mês reduziu-se para os 64,8%, ficando abaixo dos 75% exigidos pelas normas fiscais para que os resultados da papeleira se possam consolidar no grupo fiscal da Semapa. Ou seja, caso não se altere a percentagem mínima exigida para a consolidação, a Semapa vai continuar a pagar mais impostos, porque os resultados da sua participada não podem ser atenuados pelos prejuízos do grupo.
Todas as empresas que responderam ao e-mail de João Bastos procuraram fazê-lo de forma útil para o accionista. Bem, a Pharol, que respondeu mais de quatro dias depois, fê-lo com algum enviesamento, pois ao ser questionada sobre a estratégia da empresa para combater a agressividade da concorrência e para inverter a perda do valor das acções da antiga Portugal Telecom (PT), sublinhou que a Pharol nada tem a ver com a extinta PT e encaminhou João Bastos para o site da Meo, o que deixa algo a desejar. Porém, o mais grave é não responder, como fizeram a Impresa, a Altri, o Banco BPI e a Teixeira Duarte. Num mercado de capitais pródigo em escândalos financeiros no passado recente, negligenciar as relações com os accionistas é contribuir para o seu afastamento e para um mercado de capitais mais fraco.
A nossa missão é fornecer aos investidores actuais e potenciais uma imagem correcta das perspectivas da empresa, de forma a que estes possam fazer uma avaliação sustentada das suas opções de investimento. Joana Lã Appleton