Em Outubro do ano passado, quando Whitney Wolfe Herd começou a delinear a festa de lançamento de um novo produto Bumble – a aplicação de encontros de crescimento mais rápido dos EUA – a escolha do local não foi inocente.
O espaço que durante 57 anos acolheu o restaurante do luxuoso hotel Four Seasons e teve como clientes regulares Henry Kissinger ou Vernon Jordan era ideal para promover um power lunch – almoço de negócios que reúne gente com poder. Hoje o restaurante tem outro nome, novo menu e nova gestão. Bem como uma nova perspectiva de negócio, sublinha Herd. “O power lunch deixou de ser apenas para homens. Todas merecemos um lugar à mesa”, diz Herd a uma plateia composta, maioritariamente, por jovens e mulheres, antes de ceder o lugar no palco à estrela pop Fergie.
Uma coisa é certa, Herd, 28 anos, a mulher que mudou a dinâmica dos encontros on-line, tem lugar cativo à mesa. Isto porque no Bumble são as mulheres quem manda e também quem dá o primeiro passo. Resultado? Mais de 22 milhões de utilizadores registados, face aos 46 milhões do Tinder, e um crescimento anual de 70%, quando o Tinder não vai além dos 10%. O diferencial está, pois, a diminuir rapidamente.
O Bumble só começou a ter lucros em Agosto de 2016, através da venda de funcionalidades dentro da própria aplicação, e terá ultrapassado os 100 milhões de dólares (cerca de 84,4 milhões de euros) no final do ano passado. Estima-se que este valor duplique em 2018, graças à introdução de publicidade customizada e hiper-localizada.
Segundo fontes próximas da fundadora do Bumble, esta terá recusado no início de 2017 uma oferta de compra do Match Group no valor de cerca de 380 milhões de euros. As mesmas fontes garantem que o Match Group abordou a empresa no Outono para discutir uma valorização superior a mil milhões de dólares (cerca de 844 milhões de euros). Herd detém uma participação de 20% no Bumble, o suficiente para fazer dela uma multimilionária. O Match Group recusou-se a comentar.
Um regresso surpreendente, portanto, este de Whitney Herd. Enquanto co-fundadora e vice-presidente da área de marketing no Tinder, reinventou a forma de conhecer pessoas e integrou uma das principais histórias de sucesso da “era smartphone”.
A dada altura, porém, viu-se envolvida num dos maiores dramas públicos desta mesma era. Em Junho de 2014 processou o Tinder por assédio sexual, alegando que o seu ex-chefe e ex-namorado, Justin Mateen, a insultara chamando-lhe “prostituta” e “interesseira”, e bombardeara com mensagens (SMS) ofensivas e ameaçadoras, que anexou à queixa apresentada junto das autoridades judiciais.
O litígio foi resolvido mediante acordo, o qual não permite às partes recorrer do mesmo. O valor acordado, como já foi noticiado pela Forbes, rondou os 844 mil euros. Herd não perdeu tempo com ressentimentos, e decidiu usar as suas energias na criação de uma empresa rival. Ao fazê-lo, entrou num dos campos digitais mais estabelecidos e concorridos – mais de 90% das start-ups de encontros on-line ficam pelo caminho –, mas rapidamente se afirmou e ocupou um espaço (lucrativo) ao focar-se nas necessidades de um segmento: as mulheres.
Mais de 10% das utilizadoras do Bumble pagam uma subscrição mensal de 8,45 euros para ter acesso a extras, nomeadamente mais tempo para decidir se um potencial candidato merece resposta. De acordo com um estudo do banco de investimento Jefferies, no Tinder apenas 5% dos utilizadores pagam por extras semelhantes. É claro que também ajuda o facto do segmento-alvo de Herd representar a maioria da população. “Não guardo ressentimentos contra nada nem ninguém. Estou demasiado ocupada”, diz Herd.
Mas se é verdade que o sucesso é a melhor vingança, também é verdade que atingir nove dígitos em três anos é o tipo de história que as pessoas gostam de ver adaptada a cinema. O Bumble nasceu de circunstâncias alheias a Herd.
Nos meses entre a apresentação da queixa e a resolução do litígio com o Tinder, a empresária foi alvo das críticas que pululam nas redes sociais sempre que uma mulher denuncia publicamente situações de assédio sexual. “Uma série de estranhos não só me atacaram dizendo coisas horríveis, como usaram as redes sociais para dissecar a minha vida. Não estava a candidatar-me a um lugar, nem estava a concorrer a um reality show. Era apenas uma mulher entregue à sua própria sorte”, sublinha.
Quando esses insultos se transformaram em ameaças de violação e morte por parte de estranhos, Herd apagou a sua conta no Twitter. Seguiram-se ataques de pânico e transtornos psicóticos. A jovem nascida em Salt Lake City, que estudara numa escola privada e faz parte da terceira geração de alunos da Southern Methodist University, em Dallas, mudou-se para o Texas juntamente com a família do então namorado e actual marido, Michael Herd.
“Estava arrasada”, diz. Para superar o trauma e aprender com ele, decidiu criar uma rede social só para mulheres chamada Merci. O mote centrava-se no positivismo como forma de encarar a vida. “Nada de comentários sobre aspectos físicos. Apenas sobre aquilo que é a essência das pessoas”, explica.
Até que recebeu um e-mail de alguém com um endereço desconhecido e um nome russo: Andrey Andreev. Nascido em Moscovo e residente em Londres, Andreev fundara uma rede social de encontros (dating) chamada Badoo, actualmente a maior do mundo com mais de 360 milhões de utilizadores registados em 190 países. Tinham-se conhecido num jantar, em 2013, quando Herd ainda estava no Tinder, e não passara despercebida aos olhos de Andreev. “Para ser honesto, adorei a energia e o entusiasmo de Whitney”, diz Andreev, 43 anos, que ganhou fama de recluso por raramente dar entrevistas. “Achei que era uma mulher muito cool e que devia seguir atentamente os seus passos”, acrescenta.
Herd não respondeu ao e-mail e a equipa de Andreev entrou em contacto com os advogados de Whitney para lhe desejar sucesso na batalha judicial que tinha pela frente e para informá-la de que Andreev gostaria de trabalhar com ela. “A minha ideia inicial era convidá-la para ser directora de marketing do Badoo”, lembra Andreev.
Como Herd planeava visitar a sua irmã em Paris, decidiu fazer uma breve paragem em Londres. A oferta de trabalho que ele tinha em mente não lhe interessava. “Pode continuar a sonhar: não estou disponível. Vou lançar uma empresa e o negócio dos encontros é aquilo que menos me interessa”, terá dito Herd.
No entanto, não resistiu a falar sobre a Merci. Andreev gostou da ideia de uma marca social centrada em mulheres, mas insistiu que ela devia focar-se no seu “ponto forte”, que era também o dele: serviços de encontros. Passaram dias a deambular pelas ruas e parques londrinos, trocando ideias, discutindo estratégias.
Andreev elogiou o seu talento e propôs-lhe formarem equipa. Da sua parte, estava disposto a investir no projecto e a disponibilizar os recursos e a infra-estrutura de marketing e branding que consolidara ao longo de uma década no Badoo.
Em Setembro de 2014, após o acordo que pôs fim ao litígio com o Tinder – que não incluía uma cláusula de não concorrência –, Herd aceitou a oferta de Andreev, que faria um investimento inicial na ordem dos 8,4 milhões de euros, ficando com 79% da empresa. A ideia era cobrir os custos com o marketing do lançamento e também assegurar uma almofada financeira para estimular o crescimento do negócio.
Herd seria a fundadora, presidente-executiva e titular de 20%, e teria toda a autonomia inerente às funções em questão. Além disso, também poderia usar a infra-estrutura do Badoo e o know-how de Andreev. Os dez anos de experiência acumulada no Badoo revelaram-se particularmente úteis: desde os testes A/B e a eficácia, ou ineficácia, de certos serviços e funcionalidades, até à experiência de dar escala a um produto que não tem rival no mercado de encontros.
Entre Setembro e Dezembro de 2014, Herd deslocou-se umas 15 vezes a Londres. Uma noite, depois de uns quantos cocktails, Herd descobriu aquilo que podia fazer a diferença no Bumble e comentou com Andreev. “Sempre me agradou a ideia de ter o contacto de um tipo sem que ele tivesse o meu.
E se forem as mulheres a dar o primeiro passo, a enviar a primeira mensagem? Se não o fizerem, o match desaparece ao fim de 24 horas, como a abóbora transformada em coche na história da Cinderela.
Podia ser algo como nos bailes de antigamente, em que os homens convidavam as mulheres para dançar, mas ao contrário. Aqui, quem toma a iniciativa é a mulher. Será que conseguimos aplicar este conceito a um produto?” Este é o género de “clique” que só uma pessoa que compreende o público-alvo pode ter. Depois de ensaiarem diversos nomes, acabaram por escolher Bumble. A aplicação foi lançada em Dezembro de 2014 e ultrapassou os 100 mil downloads logo no primeiro mês. “As mulheres estavam preparadas para este produto”, sublinha Dave Evans, um consultor na área que tem feito o levantamento das más experiências que as mulheres têm quando usam apps de encontros.
Lá fora estão mais de 40ºC. Apesar do calor opressivo de Agosto, os transeuntes param para contemplar a nova sede do Bumble, num bairro residencial na zona norte de Austin, Texas. No dia da inauguração, o edifício amarelo-torrado foi coberto com milhares de balões gigantes em tons pastel.
As pessoas tiram selfies junto da fachada, os carros abrandam e os condutores perguntam que empresa é aquela. Para a equipa do Bumble, todas as oportunidades de marketing são boas, por mais mundanas que possam parecer, como um simples passeio de carro pela cidade.
A empresa emprega 70 pessoas, 85% das quais mulheres, cargos de topo incluídos, à excepção de Andreev. A nova sede não engana: por todo o lado há cartazes e sinalética que ilustram os mantras do Bumble: “És a abelha-rainha”, “Sê o presidente com quem os teus pais queriam que te casasses” ou “Dá o primeiro passo”.
O universo da colmeia e a estética associada, a par do amarelo característico do Bumble, têm um papel preponderante no conceito da app, que funciona assim: quando há um match entre utilizadores do sexo oposto, a mulher é quem toma a iniciativa de enviar uma mensagem ou de ignorar o match.
A aplicação permite que a mulher controle o contacto inicial, e isso dá-lhe outro conforto e segurança comparando com serviços rivais, além de servir de filtro a fotografias não solicitadas (incluindo de órgãos genitais masculinos), que se tornaram uma verdadeira praga nas plataformas de encontros on-line.
No ano passado, o Bumble baniu as selfies em tronco nu (comuns em muitos perfis masculinos do Tinder) por serem as fotografias mais rejeitadas. Isto não significa que o Bumble possa evitar todo o tipo de situações desagradáveis, mas consegue, pelo menos, reduzir as probabilidades de elas acontecerem.
Este ambiente mais controlado trouxe dividendos surpreendentes. Centenas de milhares de mulheres assinalaram no respectivo perfil que não procuravam apenas um match, mas também novas amizades e contactos profissionais. Daí ao BFF (uma app que aposta em ligações platónicas entre mulheres) e ao Bizz, lançada oficialmente em Outubro e que pretende rivalizar com o LinkedIn, foi um passo. Ambas utilizam uma interface semelhante à do Bumble, em que a mulher é rainha. “No fundo, estamos a purgar o sexismo e o aliciamento que existe no networking. Acho que pode ser uma boa aposta”, explica Herd.
No ano passado, o Tinder também expandiu a sua actividade para as relações platónicas com a criação da Hey! Vina, uma rede de amizade para mulheres. Mas não só. A empresa-mãe, o Match Group, que continua a ser o principal player do negócio de encontros on-line nos EUA, também está atenta ao mercado. Cotada em Bolsa e dona do Match.com, OkCupid, PlentyOfFish e de outras nove plataformas de encontros on-line, seguramente que teria interesse em adicionar o Bumble à sua carteira.
“O Match Group tem tido sorte porque é dono de 45 marcas diferentes”, diz Brent Thill, analista no Jefferies e responsável por avaliar o desempenho do mercado de apps de encontros.
“Mas, aparentemente, a única marca de quem toda a gente fala não é deles”, sublinha. Herd não quis comentar as ofertas de compra que tem recebido, mas a venda do Bumble ao Match Group seria um belo desfecho, depois de tudo o que sofreu às mãos do Tinder em 2014.
Uma das maiores produtoras de Hollywood até já manifestou interesse em fazer um filme sobre a sua vida. “É uma boa história”, admite Herd soltando uma gargalhada.