A Casa Vinícola Ermelinda Freitas foi estabelecida em 1920 por Leonilde Freitas, continuada pela sua neta, Germana Freitas, e mais tarde pela sua bisneta, Ermelinda Freitas, a quem a Casa Ermelinda Freitas deve o seu nome. Com a morte prematura do seu marido, Manuel João Freitas, Ermelinda Freitas continuou a gerir a empresa com a sua filha, Leonor Freitas, que assumiu até à atualidade o comando da empresa como CEO, consolidando a liderança da firma no feminino, característica da marca. A nova sucessão tem vindo a ser planeada – novamente no feminino –, com Joana Freitas, filha de Leonor, definida para ser a próxima nº1 deste conhecido grupo, desempenhando já o cargo de administradora para os Mercados Internacionais da empresa, um patamar intermédio até um dia se sentar na cadeira de administradora executiva.
Leonor Freitas, mãe, e Joana Freitas, filha, estiveram, lado a lado, a falar abertamente sobre a sucessão, no Forbes Women’s Summit, um tema que é uma “preocupação de todas as empresas familiares. A Casa Ermelinda Freitas não foge à regra”, assume Leonor Freitas que é a 4ª geração a liderar a empresa e prepara a sucessão para a 5ª geração, com Joana Freitas.
O facto de a Casa Ermelinda Freitas ter sido chefiada desde a origem por vozes femininas torna-a um caso de estudo.
Leonor Freitas, atual CEO, recorda que a 1ª, 2ª e 3ª gerações da família à frente da empresa, a sua bisavó, avó e mãe, foram pessoas muito dedicadas ao trabalho da terra: “Mulheres lutadoras que deram continuidade a uma casa agrícola”.
“Houve, de facto, uma infelicidade na família e os homens falecerem muito cedo. As mulheres, em todas as gerações foram mulheres muito fortes que, com persistência”, levaram o negócio para a frente, diz a CEO para explicar como é que as mulheres nesta empresa apareceram a assumir as rédeas.
Leonor, que nasceu em 1952, salienta que foi a primeira mulher da família a tirar um curso superior, tendo para isso sido também a primeira a sair do meio rural de Fernando Pó, concelho de Palmela, distrito de Setúbal.
“O trabalho agrícola sempre foi difícil. [A minha família] queria uma vida melhor para mim e saí para tirar um curso e fazer uma coisa diferente. Fui privilegiada. Não estava no meu projeto de vida ir para a Casa Ermelinda Freitas”, mas com a morte do seu pai, Manuel João de Freitas, Leonor veio, com 38 anos, ajudar a sua mãe, no final da década de 1990, deixando o emprego que tinha no Estado, como Técnica Superior do Serviço Nacional de Saúde.
“Tinha uma vida muito organizada e até gostava do que fazia, mas o amor que me passaram à terra fez com que tenha deixado tudo e ver o que conseguia fazer”, aponta.
O crescimento da empresa atesta que Leonor Freitas conseguiu fazer muito. Dos 50 hectares de vinha iniciais, hoje a Casa Ermelinda Freitas tem 550 hectares. Na altura havia apenas duas castas (Castelão e Fernão Pires). Hoje tem 31 castas diferentes e a Casa está em 42 mercados, produzindo mais de 8 milhões de garrafas de diferentes marcas.
A CEO, que está na lista Forbes Portugal das mulheres mais poderosas do país, assume que é “com a 4ª geração que se dá o grande salto na construção da marca Ermelinda Freitas”, ao ponto de a confundirem e acharem que é ela a Dona Ermelinda: “Muita gente me chama Dona Ermelinda! Como o nome é o da minha mãe e o rosto [da empresa] é o meu, deu-se a confusão”.
Leonor Freitas afirma que o processo de “sucessão para a 5ª geração foi natural até agora”, pois tendo dois filhos (um rapaz e uma rapariga) é a rapariga, Leonor, que está na área de gestão, que mostrou interesse em dar continuidade ao negócio familiar, pois o irmão está na área de informática e por lá pretende continuar.
“Foi uma sucessão facilitada, pois os meus filhos, por mútuo acordo, decidiram nesse sentido”, refere Leonor Freitas.
“Gosto de tudo o que diz respeito ao vinho e às vinhas, indo até aos bichinhos da vinha”, sublinha Joana que, já na empresa, aprofundou os seus conhecimentos ao visitar feiras no estrangeiro para trocar impressões e conhecer clientes.
Tendo uma forte personalidade que a faz querer mandar e controlar as operações, a CEO e mãe de Joana confessa que a dificuldade no processo de sucessão está em saber abdicar. E para quem acha que tudo são rosas por estarmos entre familiares, Leonor diz que “enfrentamos desafios” e que têm igualmente de “lutar para arredondar espinhos”.
Neste processo sucessório, um dos desafios das empresas familiares “é não dar cabo dos laços familiares”. Leonor reconhece o esforço que é necessário fazer, pois refere que a sua filha é parecida consigo na personalidade: “Somos duas forças e lutamos pelo poder. E quem tem de ir deixando o poder sou eu”, uma observação que mereceu aplausos dos presentes no evento da Forbes.
Outro aspeto curioso desta empresa familiar é o facto de ali trabalharem muitas famílias: “Do ponto de vista da gestão, não é o mais correto, mas damos essa preferência na contratação e temos famílias inteiras a trabalhar connosco. A empresa foi construída nestas bases. E o resultado tem sido positivo”, destaca Leonor.
A futura CEO, Joana Freitas, corrobora essa visão, afirmando que “a empresa é a nossa vida”. No futuro, queremos continuar a ter um produto familiar. E quem lá está também é familiar”.
Os desafios no passado e no presente
Na passagem de testemunho, “tem de haver adaptabilidade de geração para geração. No meu caso, o desafio foi aceitarem-me num setor e região onde só havia homens, na altura. Tive de falar comigo muitas vezes e dizer que não é por ser mulher que não ia conseguir. Hoje já tenho lugar para errar. Na altura não tinha”, indica Leonor.
Joana, que diz que tem aprendido muito “com esta senhora”, apontando para a mãe, entende que o seu desafio é “ser aceite”. Leonor responde que “está a ser aceite, pois houve sempre muito diálogo ente as duas e há respeito pela diferença”.
A herdeira da Casa Ermelinda Freitas procura já dar o seu cunho ao curso da empresa: “O que eu procuro é estar junto ao consumidor e também tentar descobrir como podemos chegar a outros mercados, como ir a festivais e ensinar o que é beber moderação”. Joana diz que também está atenta ao modo como o setor agroindustrial pode aproveitar a Inteligência Artificial, referindo que é importante “estarmos abertos a adaptar o que temos a adaptar”.
Leonor reconhece as virtudes da intervenção da filha no negócio: “Os festivais são apenas possíveis porque há uma 5ª geração”.
Na parte final deste “pitch” a duas, mãe e filha concordaram que “embora difícil, é possível ter uma boa sucessão. É possível trabalharmos as duas, com discussão, mas clareza. Nem sempre estamos de acordo, mas arredondamos os espinhos da rosa”, reafirma Leonor.
Para Joana, a “família está sempre em primeiro lugar. Mesmo sendo a empresa a nossa vida. Não afetar os laços familiares é muito importante para continuar” o negócio. Para esta jovem gestora, “fazer uma sucessão entre gerações é possível desde que gostemos do que estamos a fazer”. E ela garante que gosta mesmo do que está a fazer.