Estamos em Park Avenue, em Nova Iorque, na sala de estar do apartamento de sete assoalhadas de Bill Miller, um homem de 67 anos e uma lenda viva do investimento.
Um pouco por todo o espaço há cortinados pesados, velas, sofás de pêlo e cadeiras ornamentadas que criam um ambiente escuro, parado no tempo.
Não deixa de ser surpreendente, sobretudo se tivermos em conta que a Restoration Hardware, dedicada à venda de mobiliário moderno de topo, é a maior participada do Opportunity Trust, fundo de Bill, com cerca de 1,3 mil milhões de euros – a Restoration Hardware é também uma boa razão para os ganhos de 20% deste fundo na primeira metade de 2017: quase duas vezes mais do que a média das empresas do índice S&P 500.
Verdade seja dita, Bill nunca ligou muito a marcas e modas. No início de 1991, o seu Legg Mason Capital Management Value Trust ultrapassou a média do S&P 500 durante 15 anos consecutivos, em parte porque Bill definira o seu “valor” à sua maneira.
Além de apostar em acções de empresas que negoceiam com os múltiplos de mercado PER (preço das acções pelos lucros por acção) e PBV (preços das acções pelo valor contabilístico por acção) baixos, comprou acções de empresas cujo fluxo de tesouraria futuro considerou estar subvalorizado com base na sua análise das tendências tecnológicas e económicas.
Foi isso que o levou a investir na Amazon.com, assim que esta entrou em Bolsa em 1997. O fundo de Bill chegou a ser o segundo maior detentor de acções da empresa, logo a seguir ao presidente executivo Jeff Bezos.
O reverso da medalha
Na longa carreira de Bill, nem tudo correu bem. Por volta da crise financeira de 2007/2008, detinha participações em tudo aquilo que mais tarde se tornaria tóxico: na empresa de crédito imobiliário de alto risco Countrywide, no agora defunto Lehman Brothers e no Bear Stearns, em emissores de títulos, construtoras e até mesmo na seguradora AIG.
Quando as coisas se agravaram, voltou a reforçar a aposta, acreditando erradamente (segundo ele) que a Reserva Federal norte-americana (Fed) podia terminar a crise rapidamente injectando liquidez, quando o verdadeiro problema residia no valor dos activos.
No final de 2008, a Value Trust perdera quase dois terços do seu valor, aniquilando os resultados excepcionais conseguidos por Bill nas duas décadas anteriores.
Depois de alguns meses a curar as feridas da crise, Bill voltou em força em 2009. Contudo, os investidores tinham abandonado o seu fundo, e desde então, a fuga para fundos cotados (conhecidos como ETF) acelerou e Bill e a Legg Mason seguiram cada um o seu caminho.
Em Fevereiro último, Miller concluiu a compra de uma sociedade que formara com a Legg Mason para gerir o Opportunity Trust e um pequeno fundo de rendimento.
A Miller Value Partners, detida pela sua família, gere agora o Opportunity Trust, um fundo de investimento separado, na ordem dos 100 milhões de euros, enquanto o fundo Miller Income, de 98 milhões de euros, é gerido pelo seu filho, Bill Miller IV, de 36 anos.
Bill (o pai) é o maior investidor em todos os três fundos e pode fazer o que quiser — pensar grande e fazer grandes apostas, muitas vezes contraditórias — sem se preocupar com marketing ou patrões. “Estive na Legg Mason durante 35 anos e geri o Value Trust durante 30. As coisas agora estão melhores,” afirma. “É tudo uma questão de deixar os activos crescerem, de não estar a atrair constantemente novos clientes e de fazer grandes jogadas.”
No entanto, quem estiver disposto a pagar as comissões cobradas por Miller é bem-vindo e a experiência pode ser muito boa. As acções de categoria C mais populares do Opportunity têm 1% de comissão e despesas anuais de 2,13%.
O retorno médio de 21% do fundo durante os últimos cinco anos coloca-o nos 2% de fundos de capital com capitalização média, mas a Morningstar atribui-lhe uma classificação neutra, dada a sua extrema volatilidade.
Visionário dos negócios
No seu escritório, Bill tem uma fotografia de Silky Sullivan, uma lenda das corridas de cavalos que vencia corridas recuperando de forma fantástica desde as últimas posições: uma analogia perfeita para os investimentos deste lendário investidor. As suas participações reflectem sempre a sua capacidade intelectual e o apetite pelo risco.
Robert Hagstrom, que foi seu colega durante muitos anos e que agora é gestor da EquityCompass Global Leaders Portfolio, afirma que a curiosidade de Bill lhe foi muito útil no advento do computador e da Internet, quando as avaliações que então eram feitas não atentavam no potencial de empresas como a Dell, uma das suas melhores apostas. “Ele olhava para o mundo de forma diferente.”
Bill continua a ter olho para a mudança. Em 2014, colocou 1% da sua fortuna na Bitcoin, convencido de que esta moeda digital viria a ter um papel revolucionário em larga escala na economia e que superaria os riscos de grandes perdas.
O seu valor aumentou dez vezes e a Bitcoin é agora uma das maiores participações do seu fundo de investimento. Bill orgulha-se de se antecipar a outros investidores neste tipo de movimentações.
A sua aposta a longo prazo na consolidação da indústria da aviação comercial (tem participações na Delta, United Continental e na American) recebeu um novo impulso quando Warren Buffett revelou a sua intenção de investir cerca de 8 mil milhões de euros em acções de companhias aéreas, depois de, durante anos, as classificar como dinheiro perdido – na assembleia de accionistas de 2013 da Berkshire Hathaway, Bill perguntou a Buffett por que razão não tinha participações em companhias aéreas.