Opinião

Bem-estar no trabalho: das intenções ao impacto real

Filipa Jardim da Silva

Durante anos, o bem-estar no trabalho foi encarado como um “bónus simpático”, uma taça de fruta fresca na copa, uma massagem esporádica no dia da empresa, ou um workshop anual de mindfulness que prometia o paraíso em 45 minutos. Mas se há algo que os últimos anos nos ensinaram, entre pandemias, burnout, despedimentos silenciosos e rotatividade crescente, é que o bem-estar não é um extra. É um ativo estratégico. E urgente.

As intenções existem. Mas o impacto real ainda escapa.

A maioria das empresas reconhece, em teoria, a importância da saúde mental dos seus colaboradores. Segundo o relatório State of the Global Workplace 2023 da Gallup, 44% dos trabalhadores reportam níveis elevados de stress diário — e esse número tem vindo a subir desde 2019. Ainda assim, um estudo da Deloitte revela que apenas 1 em cada três líderes se sente confiante a falar sobre saúde mental com as suas equipas. A cultura do silêncio ainda impera, mascarada por e-mails com emojis, voluntariados pontuais e valores bonitos estampados nas paredes.

Porquê? Porque entre a intenção e o impacto, existem obstáculos silenciosos: o medo de parecer frágil, a ideia (tóxica) de que produtividade é incompatível com humanidade, a ausência de estratégia e continuidade ou a dificuldade em traduzir bem-estar em métricas de negócio.

Mas o impacto é real. Medível. Rentável. Um estudo da Harvard Business Review mostrou que, para cada dólar investido em programas eficazes de bem-estar psicológico, as empresas podem ter um retorno médio de quatro dólares, pela redução do absentismo, do turnover e da ‘presença’ silenciosa (aquele em que o corpo está presente, mas a mente já desistiu). O mesmo ROI e às vezes até superior, tem sido aferido em Portugal e na Europa.

Então, o que muda o jogo?

Não basta falar de bem-estar. É preciso desenhá-lo com intenção, liderança emocional e visão sistémica. O bem-estar não nasce de um workshop isolado, mas de uma cultura que promove segurança psicológica, escuta ativa, autocuidado sem culpa e líderes que sabem ser humanos — e não máquinas de planear reuniões.

Ao longo dos últimos anos, nas dezenas de empresas com quem colaborámos na Academia Transformar, percebemos que os programas com maior impacto real têm três ingredientes comuns:

  1. Diagnóstico com escuta ativa. Escutar sem julgar. Diagnosticar sem patologizar. Mapear necessidades reais, emocionais, relacionais, organizacionais com profundidade e proximidade.
  1. Formações emocionalmente transformadoras. Sessões curtas, com linguagem acessível, práticas baseadas em evidência, storytelling mobilizador e aplicação direta no dia seguinte. Porque a teoria não basta.
  1. Cuidado contínuo. Criar sistemas de suporte psicológico, mentoria emocional e espaços seguros para desconstruir crenças, gerir stress e falar sem medo sobre o que pesa.

Humanidade e performance não são opostas. São interdependentes.

O futuro das organizações pertence a quem souber cuidar das suas pessoas. E isso começa por reconhecer que o bem-estar não é um favor ao colaborador é um investimento na saúde, inovação e sustentabilidade da própria empresa. Num mundo acelerado, liderar com empatia é revolucionário. E talvez seja esse o convite mais transformador que podemos fazer hoje, tornar o bem-estar no trabalho uma realidade viva e não um ideal inalcançável.

Cada pessoa que se sente ouvida, cuidada e valorizada no seu trabalho é um multiplicador silencioso de confiança, criatividade e compromisso. É um elo forte no ecossistema da sua equipa. É o reflexo da organização que escolhe não apenas crescer, crescer para melhor.

Filipa Jardim da Silva,
CEO da Academia Transformar, Psicóloga, Autora e Palestrante

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