Na sede da Remax Portugal, o frenesim de gente é revelador da dinâmica da empresa nos tempos que correm com o mercado imobiliário em alta. Em dia de formação, os escritórios estão cheios de novos recrutas que nos próximos tempos andarão pelas ruas a angariar imóveis para a carteira da maior mediadora imobiliária do país. No ano passado foram mais de 58 mil transacções num montante superior a 3,3 mil milhões de euros.
Beatriz Rubio, directora-executiva do master franchise da imobiliária internacional tem razões para estar contente.
“Foi o melhor ano de sempre”, diz à FORBES.
Natural de Salamanca, Espanha, chegou a Portugal em meados da década de 1990 e diz que jamais regressará ao país de origem, porque adora viver em Portugal. À frente de um exército de agentes imobiliários, conhece o mercado como poucos e numa altura em que se fala de exageros nos preços, a FORBES foi falar com ela para tomar o pulso ao mercado.
Em entrevista, Beatriz defende que há alguns excessos muito localizados, mas garante que não há bolha e convida quem tem poupanças a aproveitar a oportunidade. E até aconselha algumas localizações com elevado potencial de valorização.
Está melhor para comprar ou para vender casa?
(Risos) Está bom para comprar porque os preços ainda vão aumentar, mas também está bom para vender. Nunca foi tão fácil e rápido vender uma casa.
Porquê?
Porque há muita procura e não há oferta. As nossas estatísticas dizem que um imóvel angariado demora em média 100 dias a ser vendido. Mas nestes dados estamos a falar do país todo e de todo o tipo de imóveis (terrenos, armazéns, quintas, apartamentos). Se falarmos só de Lisboa, um apartamento demora três a quatro semanas a ser transaccionado – e se demorar mais é por vontade do vendedor.
Como assim?
O mercado está tão dinâmico que quem vende pode dar-se ao luxo de esperar por uma proposta da sua conveniência. Esperar por alguém que dê mais algum dinheiro ou que pague sem recurso a crédito, por exemplo.
Devido à subida dos preços já se fala em bolha no imobiliário. Concorda?
Não creio. Há preços disparatados em algumas zonas, mas não há uma bolha. Aliás, o Fundo Monetário Internacional confirmou isso recentemente.
Mas também recomendou alguma prudência…
Sim, claro. Houve uma recuperação dos preços. Em algumas zonas eu diria que os preços “explodiram”. No Chiado, por exemplo, e na Avenida da Liberdade, em Lisboa, os preços já estão acima dos praticados antes da crise. Mas noutras zonas ainda há muita margem de recuperação.
Refere-se a zonas fora do centro da cidade?
Também. Na linha de Sintra e de Cascais temos imóveis que não se vendem porque os proprietários estão a pedir o valor que pagaram por eles em 2008. Estamos a falar de imóveis de baixo preço, que estão actualmente valorizados a 65 mil euros, mas que foram comprados a 80 mil euros há dez anos. Mas não é só na periferia. No centro de Lisboa, na Avenida da República, onde ainda há muito prédio para reabilitar, ou nas Avenidas Novas é possível encontrar imóveis a preços inferiores aos praticados antes da crise.
O que é que levou à rápida recuperação dos preços nestas zonas?
No centro da cidade de Lisboa foi a reabilitação e depois a procura por parte dos estrangeiros. Reparem, dantes, zonas como o Chiado e a Avenida da Liberdade não eram procuradas para viver. Eram zonas envelhecidas e a proximidade do Bairro Alto, da vida nocturna, no caso do Chiado, não era favorável. As pessoas gostavam de ir lá para passear, mas não para viver. Com a reabilitação e com o investimento estrangeiro, isso mudou.
Os “vistos gold” tiveram muita influência?
Sim, Portugal foi muito inteligente e rápido. Enquanto na Europa ainda andavam a discutir o modelo, Portugal avançou e ganhou muito com isso.
Mas o pico já está a passar…
Os “vistos gold” ficaram muito associados aos investidores asiáticos e, de facto, já foi atingido o pico de procura por parte dessas nacionalidades. Agora são os brasileiros. O Governo até anunciou recentemente que vai agilizar o processo da obtenção do visto para os brasileiros. Mas há também os franceses, que investem estimulados pelo regime de isenção fiscal temporário.
Que tipo de casas procuram os estrangeiros?
Os franceses procuram casas normais. São capazes de comprar uma quinta isolada em Sintra, porque tem muita natureza, ou um apartamento na cidade com vista mar. Os brasileiros procuram apartamentos em condomínio com áreas de 350 metros quadrados ou mais. Querem casas grandes e em condomínio, por causa da segurança.
Elixir do crédito à habitação
Depois de alguns anos afastados do mercado, parece que os portugueses estão a voltar a comprar casa. Porquê?
No caso da Remax, os clientes portugueses sempre representaram a maior fatia. No ano passado, 84% dos nossos clientes foram portugueses. O facto de os bancos estarem novamente a emprestar dinheiro e da economia estar de boa saúde está a levar novamente os portugueses a comprar casa.
A maioria dos negócios são feito com recurso a crédito?
Sim, cerca de 75% dos nossos clientes recorrem ao crédito hipotecário para comprar casa.
E qual é o objectivo da aquisição? Habitação própria?
Os portugueses estão a comprar casa para viver, mas também para arrendar, na busca de uma receita extra. O dinheiro no banco está a render zero e as pessoas estão a virar-se para o imobiliário na óptica do investimento, devido ao aumento do turismo, mas também à escassez de casas para arrendar.
Encaram a compra de imóveis como um bom investimento. Concorda com essa visão?
Sem dúvida. Aconselho toda a gente que tenha 100 mil euros a investir em imobiliário. É um montante que dá para comprar um pequeno apartamento, remodelá-lo, e colocá-lo no mercado de arrendamento, seja de longa duração ou no Airbnb. É uma aplicação que rende muito mais do que o oferecido pelos bancos. Experimentem ir a um banco perguntar o juro que lhe pagam se depositar lá 100 mil euros. Oferecem 1% ou 1,5% brutos, no máximo. Depois há as acções e os fundos, mas eu não gosto disso.
Acredita então que os preços vão continuar a subir?
Eu não sou bruxa, mas julgo que os preços vão continuar a aumentar, pelo menos até meados de 2019. Depois vamos chegar a um limite em que os preços têm de voltar a descer.
Que limite é esse?
Para mim, esse limite é quando os preços atingem um valor tal que as pessoas não conseguem comprar uma casa com os rendimentos que têm, mesmo nas zonas mais modestas.
Não é por causa da possível subida da taxa de juro?
A taxa de juro vai subir, quer queiramos quer não. Os bancos não estão a ganhar dinheiro. Alguns até andam a vender frigoríficos, veja bem (risos).
Estão a cometer os mesmos erros do passado?
Não. Agora já não aumentam o montante do crédito hipotecário para os clientes comprarem um carro ou a mobília da casa, fazem um crédito ao consumo à parte. Julgo que na Europa a lição da crise foi aprendida. Já nos EUA, acho que não aprenderam nada. Já se está outra vez a conceder crédito “à maluca”.
A concessão de crédito está mais racional?
Sim. Eu acho muito bem que os bancos emprestem apenas até 80% do valor do imóvel. Era irracional emprestar a 100%. As pessoas têm que se habituar a poupar, a comprar casas mais pequenas e depois ir trocando, de acordo com as suas possibilidades. Ainda está bom para comprar
Tem as suas poupanças investidas no mercado imobiliário?
Sim, tenho. Devido às baixas taxas de juro, os bancos não pagam nada e eu não gosto de acções e fundos de investimento. Não percebo nada disso.
Se tivesse 10 milhões de euros para investir, onde é que os aplicava?
Dez milhões de euros? Bem, eu sou uma mulher muito pragmática, não preciso de uma casa de 10 milhões de euros cheia de luxos. Compraria um prédio numa daquelas ruas que sobem para o Bairro da Graça (Lisboa), remodelava-o e transformava os apartamentos em T0 e T1, que se vendem num instante e vendia-os ou arrendava-os.
Quais são as zonas emergentes na cidade de Lisboa?
A Avenida da República, pelas razões que já sublinhei, a Almirante Reis, o “Soho” de Lisboa, como lhe chamam, e aquela zona próxima do porto de Lisboa, Beato, Xabregas, por aí. Toda aquela região entre a Expo e a Estação de Santa Apolónia, onde estão a nascer alguns condomínios que, quando estiverem contruídos, vão valorizar muito toda aquela área.
E fora de Lisboa?
Comprava um prédio no Algarve, com a mesma filosofia, mas para arrendar a turistas, e um em Coimbra, para arrendar a estudantes. A óptica do arrendamento para estudantes também é muito interessante. A procura devido ao Erasmus – o programa europeu de intercâmbio de estudantes – é enorme e não há oferta de arrendamento. As rendas estão caríssimas. Mais tarde talvez os vendesse.
E quanto ao Porto, é um mercado muito diferente?
Sim, e não lhe sei explicar porquê. Sempre foi um mercado muito diferente do de Lisboa, talvez porque tem menos turismo, mas isso também está a mudar
Qual é o peso do arrendamento no negócio global da Remax?
É muito reduzido. Não há casas para arrendar. Estamos numa fase oposta há que tivemos em 2011.
Nessa altura arrendava-se muitas casas?
Sim, porque os bancos não concediam crédito. Lembro-me de que em 2011 estivemos três meses sem fazer uma única escritura. Então tentámos convencer as pessoas que queriam vender, mas não conseguiam, a arrendar
e conseguimos. Os preços eram muito mais baixos que os praticados agora, mas houve muita gente a conseguir subsistir assim.
Foi a pior fase de que tem memória?
Sim, foi muito duro. Em termos de negócio posso dizer-lhe que entre 2007 e 2011 o número de transacções anuais caiu de 300 mil para 50 mil euros. Foi difícil para nós, mas foi sobretudo difícil para as pessoas. Não foi uma crise económica, foi uma crise social. Espero que as pessoas nunca se esqueçam do que aconteceu e que nunca lá regressemos.
Voltando ao arrendamento. Agora toda a gente se queixa dos valores praticados.
Sim, é verdade. Deve-se também à escassez de oferta. Eu posso dar o meu exemplo. Em 2011 tinha arrendado uma casa por 750 euros. É a casa que comprei quando vim para Portugal. É uma boa casa, com jardim e tudo. É um T3, mas não é um T3 qualquer. Recentemente, os meus inquilinos saíram e nós pensámos em arrendar novamente por 1250 euros. Mas, como faço sempre, pedi uma avaliação a um agente da Remax e ele deu-nos um valor indicativo de 2100 euros. Eu ia desmaiando. Uma semana depois de colocar a casa no site tínhamos oito propostas e acabámos por arrendar por 2 mil euros. Na venda há a sensação que os vendedores pedem valores sem nexo com o valor de mercado. Se isso acontece na Remax é porque não estão a fazer as coisas bem. Nós fazemos sempre um estudo de mercado baseado nos últimos dez ou vinte negócios realizados na mesma zona com casas com semelhantes características, para que o vendedor marque um preço em linha com o mercado. Não temos interesse que o cliente venda a casa pelo dobro do preço justo.
Mais um ano de recordes no horizonte
Disse que em 2003 tiveram três meses sem fazer uma escritura. E em 2017, quantas escrituras fizeram por dia?
Não sei de cor, mas posso fazer as contas…fizemos, em média, 241 escrituras. O grupo Vantagem, um grupo de nove lojas Remax que opera na zona norte de Lisboa fez, em média, 30 por dia. Há dias em que as lojas parecem entradas do Metro (risos).
E diz que há falta de oferta…
Sim, isso é indiscutível. Faltam casas novas em Lisboa e no Porto. É também em parte devido a essa escassez que os preços subiram rápido. Julgo que quando chegar construção nova os preços vão equilibrar-se, e se a economia se mantiver assim, os negócios vão continuar.
Tem alguma justificação para a falta de novas construções?
O investimento foi direccionado para a reabilitação e, à semelhança dos bancos, os construtores também passaram por uma má fase, mas também aqui há sinais de que a lição foi apreendida. Hoje, os construtores preocupam-se em perguntar-nos quais as tipologias que se vendem mais, quantos metros quadrados deve ter um quarto ou quantas casas de banho deve ter um T2.
Porquê? O mercado está mais exigente?
Na minha óptica, tanto os construtores como os promotores estão a fazer as coisas de uma forma mais profissional, como se faz nos mercados europeus mais desenvolvidos. Eles sabem que se forem ao encontro do que o mercado procura escoam o produto mais rapidamente e isso é bom porque eles também recorrem ao crédito.
Há alguns anos, o problema foi não terem tido essa preocupação ….
Exacto. Dantes, um construtor pedia um empréstimo para construir um prédio e quando ainda não tinha vendido os apartamentos já estava a pedir outro para iniciar uma nova construção e assim sucessivamente. Depois, quando veio a crise, as pessoas deixaram de comprar e o negócio da construção desmoronou-se.
O mercado está a atravessar um bom momento. O ano que passou foi o melhor de sempre para a Remax?
Sim, foi o melhor até agora. Encerrámos o ano com um movimento de 3,3 mil milhões, mais 37% que no ano anterior. Realizámos quase 60 mil transacções. E este ano temos razões para esperar ainda mais.
A Beatriz diz que gosta que os colaboradores da Remax ganhem dinheiro. Ganha-se muito como mediador imobiliário?
Sim, ganha-se bem. Ganha-se 5% mais IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), metade é para a loja e a outra metade é para quem vende, se este tiver sido também quem angariou. Caso contrário, tem que dividir a comissão com quem angariou.
Quem é que vende melhor, os homens ou as mulheres?
(Risos) Agora está 49% para as mulheres e 51% para os homens, mas já esteve ao contrário. É muito equilibrado. Não se pode afirmar que eles ou elas são melhores vendedores.