Os Beatles voltaram! Agarrando numa maquete feita por John Lennon que foi encontrada numa cassete e com a ajuda de tecnologia de Inteligência Artificial foi possível trazer à vida uma nova música, “Now and Then”, que passa, deste modo, a ser a última da banda de Liverpool.
A música foi desvendada esta semana:
O videoclipe foi dado a conhecer esta sexta-feira neste link:
A canção foi acompanhada por um mini documentário com cerca de 12 minutos, a respeito desta produção que começou no final dos anos 1970, quando John Lennon gravou uma versão demo com voz e piano em sua casa.
No mini documentário, assinado por Oliver Murray, é explicado como é que foi possível chegar a esta música.
John Lennon compôs a música cerca de um ano antes de ser assassinado. Essa fita com John Lennon a tocar e cantar chegou aos outros três Beatles (Paul, George e Ringo) quando eles estavam a trabalhar numa antologia em fevereiro de 1995 (“The Beatles Anthology”), mas, na altura, não foi possível tecnicamente separar a voz do piano, dada a fraca qualidade da gravação e do modo como voz e piano se sobrepunham.
Essa “demo” de John Lennon permaneceu, por isso, inacabada, ao contrário de outros dois temas (“Free as a Bird” e “Real Love”), tornados realidade na década de 1990, a partir também de velhas gravações.
Mas em 2022 houve um golpe de sorte. Um sistema de software desenvolvido pelo realizador de cinema Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”) e pela sua equipa, utilizado ao longo da produção da série documental “Get Back”, finalmente abriu caminho para o desacoplamento do vocal de John da sua parte de piano. Foi isolada a voz e tornando até percetíveis palavras que originalmente, na cassete, eram quase impossíveis de escutar.
Como resultado, a gravação original pôde ganhar vida e ser trabalhada novamente com contribuições de todos os quatro Beatles: de Paul McCartney e Ringo Star (os dois únicos membros da banda ainda vivos) e também de George Harrison que faleceu em novembro de 2001, mas cujos acordes tocados por ele dos anos 1990 foi possível recuperar.
Esta notável história de arqueologia musical marca a conclusão da última gravação que John, Paul, George e Ringo fazem juntos e celebra o legado de uma banda para muitos a mais importante e influente da história da música Pop.
A Inteligência Artificial na criação artística
O uso de Inteligência Artificial (IA) na criação artística é uma oportunidade para repensar o conceito de propriedade intelectual, defendem académicos ouvidos pela agência Lusa, que sublinham a necessidade de um debate alargado e de prudência na legislação.
Esta quinta-feira foi lançada “Now and Then”, a “última música” dos The Beatles, na qual foi utilizada IA para retirar da gravação ‘demo’ original, feita na década de 1970, a voz de John Lennon, assassinado em dezembro de 1980.
O professor de Direito da Universidade de Macau (UM) Rostam Neuwirth apontou esta nova música dos Beatles como um exemplo do crescente uso de IA na criação artística, algo que tem originado dilemas não só sobre autoria, mas também sobre direitos de autor.
Neuwirth falou quinta-feira num seminário sobre o impacto da IA no direito de propriedade intelectual, organizado pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau, no qual também também interveio Célia Filipa Ferreira Matias.
A coordenadora do mestrado em Direito em português na UM recordou à Lusa que na segunda-feira um tribunal da Califórnia, nos EUA, rejeitou parcialmente uma queixa apresentada por três artistas contra a Stability AI, a Midjourney e a DeviantArt.
As três empresas eram acusadas de utilizar obras de arte, disponíveis na Internet, mas protegidas por direitos de autor, para treinar as suas ferramentas que usam IA para produzir imagens.
“É totalmente compreensível que os artistas sintam o seu modo de vida muito ameaçado por este tipo de produto”, disse Célia Ferreira Matias, que, ainda assim sublinhou a necessidade de prudência na legislação.
“É preciso um bocadinho de cuidado”, defendeu a especialista, porque, além da IA, “as pessoas que fazem obras derivadas de outros tipos podem ver-se afetadas por uma leitura muito restrita dos direitos de autor”.
Os legisladores têm sido lentos a responder, referiu Rostam Neuwirth, dando como exemplo a União Europeia, que começou em 2021 a tentar regulamentar o uso da IA, mas que só em junho de 2023 conseguiu aprovar, no Parlamento Europeu, um projeto que terá de ser agora negociado entre os 27 países membros.
Nos Estados Unidos, o Presidente Joe Biden aprovou na segunda-feira uma ordem executiva que procura garantir “uma IA segura e confiável”, recordou o académico.
Célia Ferreira Matias salientou os perigos de “legislar para coisas muito específicas” e “de uma forma reativa tentar imediatamente cobrir esta situação de alguma forma”.
Por outro lado, Rostam Neuwirth sublinhou que, “as leis de direitos de autor já tinham grandes problemas mesmo antes da IA”.
“A IA é o problema, mas é também a solução”, disse o especialista em propriedade intelectual na economia criativa, que defendeu que o impacto desta tecnologia deve ser encarado “como uma grande oportunidade para um debate muito alargado” sobre o próprio conceito de propriedade intelectual.
O académico lembrou o caso da indústria da moda, “que funciona muito bem sem direitos de autor. As cópias criam tendências que, de alguma forma, criam nos consumidores o desejo de comprar mais”.
“Não é inevitável que precisemos de leis de propriedade intelectual. Acho que tudo pode correr muito bem se tivermos boas leis, mas se calhar até podemos ter mais sucesso sem nada, se as leis forem mal feitas”, sublinhou Neuwirth.
(com Lusa)
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