Bárbara Pinto é mais do que apenas uma empreendedora no mundo da restauração. Sem medos de arriscar e com um percurso de vida muito variado, facilmente pega nas experiências que teve ao longo da vida e faz delas ferramentas para explorar o seu lado mais criativo. Juntamente com o seu marido, Bernardo Mesquita, criaram o Grupo Nicolau, dando vida ao que hoje são considerados dos estabelecimentos mais únicos que há espalhados por Lisboa – e não só. Os espaços de que são donos – Nicolau, Amélia, Basílio e Olívia – marcam os clientes que por lá passam. Fazem-no não só pelos ambientes românticos e acolhedores que conseguiram criar, em equipa e por se completarem um ao outro, mas, também pelo storytelling que tanto os distingue. As mascotes dos seus restaurantes são todos cães, excepto a Olívia, que é a dona deles. Mas a história mostra-se ainda mais complexa e profunda de um ponto de vista relacional: a Amélia é tida como a namorada do Nicolau e o Basílio é o primo cool deste último. Tudo se entrelaça.
A FORBES esteve à conversa com Bárbara Pinto, que nos contou como tudo começou, e fê-lo em pormenor. Como, com o Bernardo, conseguiu construir esta família alargada que tem gerado tanta curiosidade entre os portugueses. São ambos formados em Economia e Bárbara, antes de entrar no mundo da restauração, passou pelo Millennium BCP, pela Ford, e chegou a ser General Manager do Home Lisbon Hostel detentor de vários prémios incluindo, melhor Hostel do mundo. Em 2016, no mesmo prédio em que trabalhava, vaga um espaço e Bárbara não perdeu tempo: criaram o Nicolau Lisboa. Seguiram-se a Amélia e o Basílio, também na nossa capital. Pouco tempo depois, o Nicolau chega ao Porto e no ano passado abraçou Cascais. Em 2022, nasceu a Olívia e, recentemente, inauguraram o Amélia, na Foz do Douro. Com espaços pet-friendly, sem formalismos, inclusivos, com uma loja online, e com várias histórias para contar, Bárbara prepara-se para lançar um livro sobre toda a história de amor que envolve o Nicolau. É de destacar que o Grupo Nicolau foi recipiente do Prémio de Distinção de Igualdade Salarial, entre homens e mulheres, e um prémio da PME Líder.
Bárbara, hoje vocês têm um grupo que detém sete restaurantes muito populares, em Portugal. Mas como é que tudo começou? Quanto sei, és formada em Economia e trabalhavas num setor diferente do da restauração.
Bárbara Pinto: É verdade! Formei-me em Economia, trabalhei 3 anos no Millennium BCP e cinco no setor automóvel. Já sempre um bocado inclinada para a área da criatividade e, também, para a da comunicação. Era a área que mais me desafiava e de meu maior interesse. Mas depois de vários anos no mundo corporativo, senti queria fazer uma coisa diferente. Honestamente, nunca me identifiquei muito com a formalidade empresarial, sou uma pessoa muito descontraída. Mais, estávamos numa altura em que não se sentia a flexibilidade que hoje em dia temos.
Nos setores em que tinhas trabalhado?
Bárbara Pinto: Sim, e não só. O mercado de trabalho era muito masculino e com machismo latente. O mundo ainda o é, mas agora menos. Os sectores por onde passei eram muito male-dominated, e a progressão na carreira era complicada, apesar de me ter corrido bem. Portugal é um país que tem vindo a evoluir devagar no que a isso toca, em particular para as mulheres. Há muita burocracia e temos sistemas muito hierarquizados, também. Fazer ideias acontecer demorava.
Sim, pessoas jovens e mulheres novas em cargos de liderança ainda é raro cá, por exemplo. E depois estagnam as subidas.
Bárbara Pinto: Certo e não só. Faltava e ainda falta diversidade nas lideranças. Gente nova com a alma fresca, seja homem ou mulher, para dar um abanão no sistema. Sempre senti um gap entre o que as empresas nos oferecem e o que as gerações mais novas querem. É preciso misturar gerações, pessoas e culturas.
É preciso misturar gerações, pessoas e culturas.
Pessoalmente, e independentemente da sua conjuntura, sempre ambicionei montar o meu próprio negócio. Ao longo da vida tive várias ideias que se foram alterando à medida que eu evoluía como pessoa e profissional.
E como é que deste o teu primeiro passo no empreendedorismo?
Bárbara Pinto: Juntamente com duas amigas, comecei com um negócio de cupcakes sempre em paralelo ao meu trabalho principal. Era uma brincadeira que se tornou mais séria com um mercado bastante disposto a ideias diferentes. Correu bem e foi, basicamente, quando senti que o mundo estava cheio de oportunidades e bastava estar atenta e focada.
Mais tarde, o meu marido, o Bernardo que já tinha um hostel (o Home Lisbon Hostel), com o meu cunhado (o fundador), estava a precisar de alguém para fazer a gerência, a coordenação e a gestão do espaço. Acabei por ir para lá, sem que tivesse sido uma coisa que ambicionasse fazer, e, de repente, fiquei muito envolvida no projeto também. Pensei que ia por um ano e acabei por ficar cinco! Foi uma experiência incrível porque fiz parte do crescimento avassalador do hostel que, ao longo dos últimos 10 anos, tem ganho vários prémios incluíndo o de “melhor do mundo”.
E, rapidamente, tudo mudou.
Bárbara Pinto: Completamente! Foram cinco anos de muita aprendizagem em hospitality. Quando o R/C do prédio onde temos o hostel vagou, quisemos logo aproveitar a oportunidade para desenvolver uma ideia que tínhamos vindo a maturar no meio de muitas outras. E foi assim que surgiu o Nicolau no verão de 2016. Basicamente, criámos um conceito que ambicionávamos, enquanto clientes, e não havia em Portugal. Ou seja, sem estudos de mercado e grandes análises, fizemos um negócio como se fosse para nós. No princípio, sem uma expectativa enorme acreditávamos que seria um nicho, mas acabou por ser bastante maior ao ponto de ser mesmo um segmento importante do mercado como podemos ver atualmente.
Sem estudos de mercado e grandes análises, fizemos um negócio como se fosse para nós.
Originalidade essa que tanto distingue os vossos espaços!
Bárbara Pinto: Sim, era esse o objetivo. Uma coisa diferente, original, com comida muito parecida com a que fazíamos em casa! Queríamos um conceito flexível e, em 2016, não havia nada do género. Isto é, restaurantes ou cafés abertos de manhã até às 10 da noite, sem a cozinha fechar, e com um menu variado disponível a todo o momento. Adicionalmente, era tarefa impossível encontrar ovos nas suas mais variadas formas, saladas, sumos feitos na hora, e, claro, panquecas.
E os vossos pratos têm uma vertente muito saudável também, o que foi novidade na altura.
Bárbara Pinto: Sim, era muitíssimo raro encontrar pratos vegetarianos e/ou sem glúten num restaurante. Quando íamos jantar fora e pedíamos legumes, faziam-nos uma salada de alface e tomate. Se tinha o azar de acabar uma reunião depois das três da tarde, já não me serviam almoço. Criar o Nicolau foi um processo interessante. Como disse, não fizemos nenhum estudo de mercado; basicamente desenvolvemos um projeto feito à nossa medida. É engraçado porque muitas vezes digo ‘projeto’, porque apesar de lhe chamar “café” objetivamente acaba por ser um restaurante.
Sim, é um restaurante com um conceito muito menos formal do que é tradicional, com uma definição mais assente na grey area da restauração. Em que ano é que lhe “deram vida”?
Bárbara Pinto: Exatamente, mas atenção que eu sou apaixonada pelos restaurantes tradicionais. Sou cliente assídua, mas preciso de um equilíbrio. E, claramente, havia essa falha no mercado. Abrimos portas em 2016, com expectativas moderadas, pelo que o meu marido continuou a trabalhar na banca de investimento. O Nicolau tinha uma equipa relativamente pequena e, apesar de estar bastante segura da nossa aventura, nunca imaginei que fosse ser o que foi! Foi uma montanha-russa, uma revolução, um tornado!
Foi uma montanha-russa, uma revolução, um tornado!
E tinham filas enormes!
Bárbara Pinto: Sim, chegavam a atingir duas horas. Sentar todos os clientes era um malabarismo! Comecei a ter de contratar mais pessoas porque a procura assim o exigiu, mas também porque estava exausta e porque podemos perder o equilíbrio profissional/familiar durante algum tempo, mas não durante todo o tempo.
Acredito que o fez este negócio florescer foi, também, o entusiasmo que pusemos nas nossas ideias. Os clientes sentiam o nosso amor e cunho pessoal. Foi uma avalanche tão grande a que caiu sobre mim que, olhando para trás, percebo que é típico de se ser um empreendedor novo: queremos ser nós a fazer tudo! Era a gestora, era a criativa, fazia todo o marketing e a comunicação, fazia tudo da decoração até à criação de algumas das receitas. Obviamente que sempre rodeada de pessoas muito competentes.
Os clientes sentiam o nosso amor e cunho pessoal.
Como é que surgiu o nome Nicolau?
Bárbara Pinto: Foi muito fácil porque está localizado na Rua de São Nicolau! Lembro-me de estar com dificuldade em pensar num nome e, mesmo antes de ir ver o espaço, vi que era o nome da rua. Achei o nome lindo, clássico e original. Na altura só conhecia o Nicolau Breyner.
Sim, é um nome próprio menos vulgar. Tenho com muito boa a ideia da humanização; boa e apelativa. E começaram logo a pensar em crescer o negócio?
Bárbara Pinto: Nunca tive uma ambição enorme de crescer, até porque achava que era muito mais ‘romântico’ o processo de começar um negócio, de me dedicar a um projeto apenas. Mas vi-me obrigada a expandir, claro. Diria que foi o próprio mercado que me obrigou a crescer! Quando começámos a pensar em fazê-lo, decidi que não podia ser tudo igual, ou seja, queria contar uma história. Curiosamente, o conceito de storytelling era-me desconhecido, não o fiz com esse objetivo. Quis foi criar uma nova mascote, inventando-a ao dar-lhe um nome, a Amélia, que imaginei como sendo a namorada do Nicolau. Em vez de ter vários cafés com o mesmo nome – Nicolau um, Nicolau dois, por aí adiante – achei muito mais interessante brincar com a ideia de que haveria uma história de amor por contar.
Em vez de ter vários cafés com o mesmo nome – Nicolau um, Nicolau dois, por aí adiante – achei muito mais interessante brincar com a ideia de que haveria uma história de amor por contar.
Claro. E assim o fizeram, quando abriram em Campo de Ourique. O local foi pensado ou foi uma surpresa, também?
Bárbara Pinto: Foi meio pensado, sim. É uma zona mais próximas dos Lisboetas e, quer queiramos ou não, a verdade é que a Baixa não era um destino fácil. Primeiro, pelo trânsito, e depois, pela falta de estacionamento. Perdeu-se um pouco o hábito de ir passear à Baixa. O meu objetivo era o de abrir um estabelecimento mais próximo de uma zona residencial. Queria sentir o mercado português, acordá-lo. Quando abrimos o Amélia, optámos logo por um espaço bastante maior e com um terraço indiscutivelmente romântico. Escolhemos Amélia porque gostávamos imenso do nome e porque era o nome da avó do meu marido. Também combinava bem com Nicolau, por isso fazia todo o sentido. Estava feito o match.
Queria sentir o mercado português, acordá-lo.
E como é que correu a abertura do Amélia?
Bárbara Pinto: Lindamente. Também tivemos filas à porta, logo no primeiro dia, e sem ter dito nada a ninguém! Praticamente não fizemos comunicação. Tínhamos apenas contas no Instagram, que fui gerindo e que giro até hoje. Hoje já são 7 contas. Na altura acreditávamos que os espaços que tinham de crescer por si próprios. Organicamente, sem grande alarido.
Mais tarde optaram por começar a fazer a comunicação do Nicolau e do Amélia porque ouviam várias versões – erradas – sobre a tal ‘história de amor’ dos seus protagonistas.
Bárbara Pinto: Certo. Começou a haver tanta informação errada no mercado sobre nós, que decidimos estruturar a informação de forma a passá-la corretamente aos nossos clientes. Às tantas já ouvíamos que a Amélia era prima do Nicolau, ou que eram amantes, ou que ele era pai dela, etc. A história estava confusa. A storyline era outra e tivemos que assumir as rédeas para retificar o que se andava a dizer. Em Cascais com o Nicolau (abriu o ano passado), por exemplo, era importante recontar a história porque e há muitos estrangeiros que não conhecem a história que começou em 2016 e além disso estamos empenhados abrir outro restaurante na linha, que será o Amélia. Muito honestamente, tem uma certa graça que as nossas histórias sejam tema de conversa e que se baralhem. Há um interesse genuíno no que, realmente, é ‘a verdade’.
A história estava confusa. A storyline era outra e tivemos que assumir as rédeas para retificar o que se andava a dizer.
E voltando um bocadinho atrás. Em 2018, como foi chegar ao Porto? Muito desafiante? Ainda são 300 kms. Bárbara Pinto: É verdade. Decidimos começar por abrir lá o Nicolau, o Nicolau Porto. E, muito recentemente, abrimos o Amélia, na Foz. É numa zona semelhante a Campo de Ourique, no sentido em que é mais próxima do público português. O Nicolau Porto é inacreditável, numa zona prime e foi outro boom. Nós adoramos a cidade e as nossas famílias são de lá! O Bernardo e eu temos um grande amigo que, na altura, tinha acabado de vir da Polónia, e que percebia imenso de comida. Ele estava no Porto, também é formado em Economia, e trabalhou em banca de investimento com o Bernardo durante muitos anos. Têm uma relação de confiança mútua enorme e só dava para abrir no Porto com um sócio e amigo como ele.
Um crescimento que não pára! Até porque, em Lisboa, já existia uma terceira personagem na história: o Basílio. Este sim, primo do Nicolau. E também a Olívia, que é a dona dos três cães.
Bárbara Pinto: Exatamente, o Basílio é o primo cool do Nicolau e foi sempre um bocadinho o nosso laboratório de desenvolvimento de novos pratos. O Basílio tem várias opções vegetarianas e vegan e é na Rua dos Bacalhoeiros, na Baixa Pombalina, a 500 metros do Nicolau. Já a Olivia, fica nas Avenidas Novas e é a dona dos cães. Ao longo dos anos vamos construindo a narrativa e para melhor compreensão temos os nossos jornalinhos, em papel, que contam a história e as novidades desta família.
Sem ser o querer criar esta história de amor entre o Nicolau e a Amélia, como é que começaram a pensar neste storytelling? E, por curiosidade, tens um cão chamado Nicolau?
Bárbara Pinto: Tenho! O Nicolau existe, de facto. É o nosso adorado cão e amigo. Quando ao storytelling, o que os distingue, é o conceito de família que criámos e quem não gosta de uma história de amor? Começámos pelos cães, mas ao termos a Olívia, acabámos por completar e humanizar um pouco a narrativa. Foi, também, uma oportunidade de fazer uma coisa nova: um espaço que reflita a personalidade dos donos. Tem tudo muito detalhe e as pessoas interessam-se mesmo pelos pormenores desde os jornalinhos aos nossos pacotes de açúcar, que têm frases escolhidas por nós. Curioso, que até há online, quem venda coleções completas dos nossos pacotes de açúcar.
Claro, e essa flexibilidade aumenta-vos imenso a vossa liberdade criativa.
Bárbara Pinto: Sim, mas não temos um plano estratégico definitivo para o nosso negócio, por assim dizer. É até um bocadinho estranho, por ambos somos economistas! Supostamente deveríamos trabalhar focados num business plan, mapas de Excel, etc. Mas o negócio não tem sido montado apenas assim. E eu acho que o romântico deste negócio é que isto não é um mapa de Excel. Nunca pensámos ‘temos de abrir sete restaurantes para ter a rentabilidade X, para depois vender tudo a um grande grupo’. Isso nunca foi assim connosco. Obviamente que nos interessa ter negócios que rentáveis, mas isto não é só money driven, isto tem muito romantismo, muita história por trás. E a nossa presença nos espaços também é essencial, todo o staff bebe muito da nossa personalidade.
Eu acho que o romântico deste negócio é que isto não é um mapa de Excel.
Outro aspeto que acho muito importante mencionares, é o da liberdade e diversidade, como já falámos nós, pessoalmente.
Bárbara Pinto: Exatamente. Sempre fomos muito liberais desde que abrimos. É-nos muito importante. Ser Inclusivo era essencial e urgente o que também não era comum em 2016, quando abrimos o Nicolau. Criámos ambientes livres e diversos, tanto a nível de staff como a nível de clientes. Ideias e modos de viver diferentes, e sem formalismo, faz com que se respire liberdade nos nossos espaços.
A concorrência que surgiu mais tarde foi um problema ou uma oportunidade?
Bárbara Pinto: Estivemos sozinhos no mercado muito tempo. Na altura até achei estranho. Mas foi importante quando surgiu a concorrência porque eu acho que nós também ficamos melhores por causa disso. Agora, em 2024, acredito que o mercado esteja a saturar e que vão prevalecer os melhores apenas. Como digo muitas vezes, é fácil fazer panquecas ou outro prato qualquer, difícil é fazer um sitio com alma e isso não se explica e não se copia.
Como digo muitas vezes, é fácil fazer panquecas ou outro prato qualquer, difícil é fazer um sitio com alma e isso não se explica e não se copia.
O que me leva a outro ponto interessante: todos os vossos restaurantes são pet-friendly.
Bárbara Pinto: Sim! Na altura foi diferenciador e até controverso e agora ainda me pergunto como é que não deixam entrar cães na maioria dos restaurantes em 2024? Para mim trata-se de uma coisa completamente ultrapassada.
E nunca houve problemas, como me disseste.
Bárbara Pinto: Nunca! Primeiro, porque é obrigatório estarem com trela, mas também, porque 99% das pessoas que trazem os cães, fazem-no apenas se sabem que se vão portar bem. E para os donos é ótimo, podem estar à vontade sem pensar que deixam o seu cão num apartamento sozinho… Num restaurante formal, até consigo entender. Eu tenho de experiência de oito anos de restauração, com cães, e nunca assisti a nada de problemático. Acho que é uma questão de bom senso, como tudo na vida.
Voltando rapidamente ao que me disseste sobre a abertura do primeiro Amélia, na Ferreira Borges, abrir nessa rua (e altura) foi arriscado, apesar de estar mais perto dos clientes portugueses?
Bárbara Pinto: Sim, completamente. Foi a própria dona do prédio que nos ligou, porque ninguém parecia estar interessado naquele espaço. Não tem muita visibilidade para o exterior e, em 2017 e vínhamos de uma crise económica onde muitas lojas e restaurantes estavam na falência, era um cemitério de lojas, e a Rua Ferreira Borges já não era no core de Campo de Ourique. O epicentro era o Jardim da Parada.
Mas entraram no espaço e decidiram logo ficar com ele?
Bárbara Pinto: Sim! Entrei e vi o terraço lá no fundo. Pensei logo que quem lá entrar não vai saber o que vai encontrar. E, de facto, acredito muito que, quando as coisas são boas, as pessoas vão. E foi o que aconteceu. As pessoas gostam, a comida é boa e diferente, e o ambiente é encantador. É um espaço também muito agradável em termos visuais. Foi muito inovador na altura… agora já não tanto. Já há muita coisa parecida.
Um sítio muito Instagrammable, segundo dizem.
Bárbara Pinto: Digo muitas vezes que tirei o curso errado porque sou muito mais virada para a criatividade do que para os números. Apesar de ter gostado do curso que tirei, não acho que seja a minha paixão. Eu acho que sou competente a gerir, mas não me distingo e é na criatividade que consigo sobresair. E, portanto, com o Instagram, nós também entrámos logo com um tipo de comunicação completamente diferente. Que não existia também, lá está. Uma boa fotografia, um bom empratamento, falar com as pessoas ao coração, não ser formal, tratar o cliente por ‘tu’, etc. Começámos logo a abranger pessoas muito novas. E assim seguiu os clientes mais novos querem trazer os pais, os primos e de repente atravessamos gerações e estilos de vida… Na restauração o word of mouth é muitíssimo importante. Acho que o sermos instagrammable, apesar de ser um termo redutor para todo o trabalho que está envolvido, no final acaba por ser um elogio. Gosto sempre de ver as coisas do ponto de vista positivo.
Sim, é muito por recomendação que se vai a novos restaurantes.
Bárbara Pinto: Completamente. Quando vou viajar, e quero ir a um restaurante, falo com pessoas que sei que têm um gosto parecido com o meu. Isto para dizer que é inacreditável a força que a palavra tem. Foi um crescimento completamente orgânico.
É inacreditável a força que a palavra tem. Foi um crescimento completamente orgânico.
Como é que escolhem os vossos pratos?
Bárbara Pinto: Depende dos pratos. Por norma têm uma vertente mais para o saudável e sempre muito homemade. Obviamente que temos pratos mais indulgentes porque isso é essencial na vida. Trabalhamos muito em equipa na definição de menus e temos pratos até bastante complexos. Temos consultores que nos ajudam a desenvolver os pratos do ponto de vista da restauração e porque, também, não somos formados em gastronomia e nem sempre os pratos que idealizamos funcionam e permitem um serviço relativamente rápido.
Ingredientes sempre frescos e tudo feito na hora, certo?
Bárbara Pinto: Exatamente. Sempre apostámos, desde o início, em fazer tudo from scratch. A começar pela nossa granola feita todos os dias. Agora temos também gelados no Nicolau Cascais que são feitos lá, com fruta fresca, por exemplo. Tínhamos espaço, então resolvi montar uma estação de fazer gelados. Tudo o que eu puder fazer internamente, in house, eu quero fazer. No fim, compensa.
São de facto um grupo que fideliza muito. Quem desenha os espaços?
Bárbara Pinto: Muito, felizmente. Quem os imagina somos nós. O Bernardo está muito envolvido na parte da iluminação (não há muitos light designers em Portugal) na questão acústica e em todo o sistema de som. É essencial. São coisas que parecem que não são importantes e são importantíssimas. A iluminação é quase tudo num espaço, não é? Eu diria que é a coisa mais importante. E eu nunca tinha pensado nisso até abrir um restaurante. E depois a música, a envolvente musical, tem de estar bem diluída. Até as playlists são pensadas ao detalhe. Depois procuramos artistas que nos tragam mais-valia aos espaços como a Catarina Rosa, pintora dos famosos dos nossos cães. Cada quadro demora mais de um mês a ser pintado. As esculturas das nossas banhistas da artista Joana Durão, no Nicolau Cascais, são também muito únicas e por ai fora.
Como é que tu e o Bernardo dividem tarefas entre vocês?
Bárbara Pinto: Costumo sempre dizer que sou mais o cérebro da criatividade, e que o Bernardo é o cérebro da gestão e do nosso crescimento. Mas muitas vezes cruzamos tarefas o que é o normal em estruturas pequenas. Ele deixou a banca para se focar na solidificação do grupo. Há medida que fomos crescendo, tivemos de começar a introduzir mais método, processos, operações, e por aí fora. Se atualmente o nosso negócio é rentável e cresceu da maneira em que cresceu, tem sido muito pelo nosso esforço conjunto e de pessoas muito competentes que contratávamos ao longo do caminho. Pessoas que vibram como nós.
Costumo sempre dizer que sou mais o cérebro da criatividade, e que o Bernardo é o cérebro da gestão e do nosso crescimento.
Sempre na linha da frente e sempre original. Internacional até.
Bárbara Pinto: Sim, e se há uma coisa da qual me orgulho mesmo, é de nunca ter copiado ninguém. Inspirei-me nas minhas viagens, em tudo o que vivi, no que leio, na nossa vida familiar. Investimos muito em livros e viagens. Somos capazes de ir a 5 ou mais restaurantes por dia. Todo o tipo de restaurantes.
Já os nossos pratos asiáticos, vem tudo muito da minha família asiática, do lado da minha mãe. Já o meu pai trabalhava na indústria da música, em Madrid e depois em Lisboa. Sempre viajámos bastante e cresci rodeada de música e de sabores exóticos. Isto para dizer que era uma vida muito diferente da norma e que me abriu horizontes que eu nem própria percebia.
Sempre viajámos bastante e cresci rodeada de música e de sabores exóticos.
Nunca digo que sou cozinheira, arquiteta, ou decoradora, nem quero ser o que não sou. Não tenho formação nas áreas e, como não as domino, também faço muito erros. Quando abri o Nicolau, fazia smoothies com uma máquina daquelas que se compram para casa – não para restaurantes. Três dias depois de abrirmos, saia fumo da máquina, claro. É que nem uma semana duravam! Mas acho que é esta informalidade que transpira alguma piada, de certa maneira.
É esta informalidade que transpira alguma piada, de certa maneira.
Depois toda a minha experiencia passada em marketing e comunicação ajudou a montar uma história bonita e apelativa.
Um branding que é mencionado como sendo um caso de sucesso em storytelling. Até na Web Summit falaram sobre os vossos restaurantes.
Bárbara Pinto: É muito engraçada essa história. Segundo me contou uma cliente nossa norte-americana que lá estava, houve uma palestra sobre storytelling, na Web Summit, em que falaram sobre o caso específico do Nicolau. Eu não sabia! São pequenas coisas que nos deixam muito felizes. Naturalmente que quando as coisas funcionam acabamos por ser abordados por investidores ou por pessoas que querem franchisar noutros países ou outras localidades em Portugal. Mas isso é perigoso e nunca foi nosso objectivo expandir de uma maneira automática e de certa maneira impessoal.
Também são restaurantes que estão a par de trends, mesmo que por acaso, e tanto apelam aos portugueses, como aos que procuram pratos mais internacionais. O vosso público também é muito diverso.
Bárbara Pinto: Exatamente. O facto de mudarmos o menu com frequência com muita influência internacional fideliza. E a relação de preço-qualidade foi determinante. Não era preciso gastar um balúrdio para estar num sítio com onda. Desde famílias, a atores nacionais e internacionais, cantores, artistas, a namorados apaixonados. Foi uma conjugação linda.
Faz parte dos vossos planos explorar outras indústrias?
Bárbara Pinto: Sim, já estamos a pensar em outras coisas, até porque acho que uma pessoa tem de se reinventar. Estamos a pensar noutras linhas de negócio porque queremos diversificar. Não seria a primeira vez que o fazemos. Primeiro com o hostel, que continua a funcionar muito bem, e agora os restaurantes. O Olivia já é uma evolução do nosso negócio de restauração, aliás. E brevemente vamos abrir um bar, no Porto, que também é um passo noutra direção. Sempre tive o sonho de ter um ginásio e de estar ainda mais ligada ao well-being. Só que acabou por não acontecer. Nunca se sabe. Desafios são precisos.
Desafios são precisos.
Que interessante. E percebo perfeitamente porque é um ramo que se enquadra muito com a tua personalidade e facilidade em falar e lidar com pessoas. Noto, também, que és muito recetiva a opiniões dos teus clientes.
Bárbara Pinto: Obrigada. Sim, aceito opiniões de toda a gente e agradeço-as. Feedback é-me importantíssimo e vou alterando os meus pratos de acordo com o que oiço de clientes e empregados. Sei que tenho um gosto muito próprio e sou muito curiosa na culinária de todo o mundo.
Feedback é-me importantíssimo e vou alterando os meus pratos de acordo com o que oiço de clientes e empregados.
Para te dar um exemplo engraçado deste meu gosto muito próprio, eu não gosto muito de alho nem de salsa. Não há alho nem salsa nos nossos pratos. Está proibido! Isto claro que é uma coisa pessoal minha e acho que conseguir manter um balanço saudável entre o que nos é pessoal e o feedback que recebemos, é muito interessante. Não pensamos só no que vai vender, nem só nos nossos gostos pessoais. Fiz uma mistura saudável entre ambos, sem perder a nossa identidade, mas sempre fiel ao nosso estilo de vida.
Claro. E também têm uma loja online, certo?
Bárbara Pinto: É verdade. O que mais vendemos são os vouchers, para serem usados nos nossos estabelecimentos. Acaba por ser um presente fácil de oferecer e muitos clientes acham-nos úteis. Têm um design apelativo, com a cara dos nossos cães, e podem ser utilizados em qualquer um dos nossos restaurantes. Vendemos também lancheiras, t-shirts, bonés…. Temos manteiga artesanais e é tudo pensado ao detalhe. O design das peças, as receitas, etc. Até já fizemos meias. A nossa granola também faz muito sucesso online sendo que os nossos clientes também podem comprá-la na Uber Eats, se preferirem.
Interessante teres mencionado o Uber Eats, porque a pandemia teve algum impacto nos vossos negócios.
Bárbara Pinto: É verdade! Muitas pessoas contam-nos que nos ficaram a conhecer durante a pandemia, através da plataforma. De início recusava-me a vender no Uber Eats, porque achava que a comida ia chegar sempre fria e mal apresentada ou não tão boa como quando servida nos restaurantes. Sabemos que a experiência não é a mesma. Com intermediários envolvidos, o tempo de espera podia aumentar e demoras fazem toda a diferença na comida, claro. Mas, com a pandemia, não tivemos outra opção. Tivemos de nos reinventar. Claro que durante os lockdowns, o Instagram foi uma ferramenta de comunicação incrível. Temos uma uma relação muito próxima com os clientes.
E conseguiram continuar a ser muito originais. Sem perder o vosso traço definidor.
Bárbara Pinto: Sim, quisemos pensar em formas criativas de nos distinguir. Fizemos vários postais, com receitas escritas, para os nossos clientes poderem recriar pratos em casa. Enviávamos-lhes granola, em pacotes de oferta, e escrevíamos-lhes pequenas notas como ‘vai tudo correr bem’ e ‘obrigada por terem encomendado da Amélia, estamos muito felizes, um beijinho e até à próxima’, etc. Fomos os primeiros a oferecer pequenos presentes ao nosso público. Era uma altura muitíssimo delicada, de muito medo, e ninguém sabia bem o que fazer. Pequenos gestos, como esses, faziam a diferença.
Pequenos gestos, como esses, faziam a diferença.
Sim, foi um momento muito duro, por várias razões.
Bárbara Pinto: Exatamente. Para além da pandemia propriamente dita, foi avassalador para nós o termos de fechar os restaurantes. Nem imaginas o que é não saber o que fazer a 150 pessoas que trabalham e dependem de nós. Trata-se de uma responsabilidade enorme. Tivemos de nos reinventar à nossa maneira, como disse. A nível pessoal, o impacto também foi gigantesco. Ficámos sem chão, sem saber o que fazer. Eu e o Bernardo somo empreendedores, sem outros trabalhos que não os restaurantes. Temos filhos e uma empresa. São muitas emoções a gerir ao mesmo tempo.
E estão, neste momento, a desenvolver um livro sobre a história dos vossos restaurantes.
Bárbara Pinto: Sim, estamos a fazê-lo em conjunto com a nossa agência de comunicação. Tivemos a ideia de o fazer pouco tempo antes de abrirmos o Olivia, em Junho de 2022, para melhor estruturar a informação para os nossos clientes. Se antes já havia histórias ‘mal contadas’, com mais personagens (o Basílio e a Olivia), quisemos mesmo escrever um livro a contar esta história de amor. Vamos lançar no dia 14 de Fevereiro.
Quisemos mesmo escrever um livro a contar esta história de amor. Vamos lançar no dia 14 de Fevereiro.
E é a oportunidade perfeita para nos contares melhor a história da Olivia, a dona dos cães.
Bárbara Pinto: Exatamente. E responder a várias perguntas que clientes possam ter. Porque é que não é um cão? Porque é que passou a ser um humano? Na verdade, foi para romper um bocadinho. A Olivia é uma maneira de intensificar detalhes da nossa história. Como referi, sou feminista, o que muitos podem achar ser uma parte controversa da minha personalidade. Mas sou uma mulher com muitas opiniões vincadas a nível social e político. A Olivia representa muito o que é ser uma mulher. Uma mulher livre, que não é um estereotipo, nem é gorda, nem é magra, nem é feia, nem é gira… É ela própria: livre, luta pelos seus ideais, não quer ser melhor que os outros, comove-se com os problemas do mundo, ajuda, é generosa, não tem medo de ter a sua própria opinião, por exemplo. Quis muito que a Olivia fosse o ideal de mulher que eu próprio luto para ser. Uma mulher que nem sempre consigo ser, mas que quero tentar ser. O papel das mulheres não evoluiu tão rapidamente como muitas outras coisas na nossa sociedade…
A Olivia representa muito o que é ser uma mulher. Uma mulher livre, que não é um estereotipo.
Mas o vosso grupo está ativamente a lutar por isso. O que me leva aqui ao meu último ponto: recentemente, receberam dois prémios importantes!
Bárbara Pinto: É verdade. Recebemos um Prémio de Distinção de Igualdade Salarial entre homens e mulheres e também fomos distinguidos como PME Líder mas as são os nossos clientes que nos fazem sentir que estamos a fazer as coisas certas. E vamos seguindo.
Recebemos um Prémio de Distinção de Igualdade Salarial entre homens e mulheres e também fomos distinguidos como PME Líder.