A escritora norte-americana Jayne Anne Philips é a vencedora do Prémio Pulitzer de Ficção 2024, com o romance “Night watch”, que tem por cenário a Guerra Civil Americana, anunciou hoje a Universidade de Columbia, em Nova Iorque.
Num palmarés dominado pela memória da luta pelos direitos civis, as consequências da guerra, os crimes de escravatura e suas consequências, “Night watch” (“Vigia noturna”, em tradução livre do inglês), passa-se no estado da Virgínia, durante a Guerra da Secessão (1861 e 1865), e tem por protagonistas uma adolescente e a sua mãe, isoladas numa América dividida, confrontadas com o custo humano dos conflitos, tanto na frente de batalha, onde o pai combate pelas forças da União, quer na retaguarda, onde também conhecem a necessidade de pegar em armas.
“Night watch” é o mais recente romance de Jayne Anne Phillips, autora revelada em 1979, com a premiada colectânea de contos “Black Tickets”, já depois de ter publicado “Sweethearts” (1976) e “Counting” (1978), que se tornou numa das principais vozes do chamado ‘dirty realism’ (realismo sujo) dos anos de 1980, com títulos como “Fast Lanes” (1984) e o seu romance de estreia, “Machine Dreams”, do mesmo ano.
O prémio de Não Ficção foi para “A Day in the Life of Abed Salama: Anatomy of a Jerusalem Tragedy” (“Um dia na vida de Abed Salama: Anatomia de uma tragédia em Jerusalém”), de Nathan Thrall, história da morte de uma criança palestiniana, na Cisjordânia ocupada, contada por seu pai.
Em Biografia, o Pulitzer foi ex aequo para “King: A Life”, a vida de Martin Luther King, pelo jornalista Jonathan Eig, e para “Master Slave Husband Wife: An Epic Journey from Slavery to Freedom” (“Senhor, escrava, marido e mulher: Uma viagem épica da escravatura à liberdade”), de Ilyon Woo, relato da fuga do jovem casal de escravos Ellen e William Craft, que simularam uma relação de senhor e serva, numa viagem de mais de 1500 quilómetros, do sul esclavagista até aos estados livres do norte.
Na categoria de História foi distinguida a investigação de Jacqueline Jones sobre as lutas dos trabalhadores negros do Masachussetts, na década de 1860, em “No Right to an Honest Living: The Struggles of Boston’s Black Workers in the Civil War Era” (“Sem direito a uma vida honesta: as lLutas dos trabalhadores negros de Boston na era da Guerra Civil”).
O Prémio Pulitzer de Memória e Autobiografia foi para uma obra que aborda a violência doméstica: “Liliana’s Invincible Summer: A Sister’s Search for Justice” (“O verão invencível de Liliana: uma irmã procura justiça”), de Cristina Rivera Garza, obra que combina memória, jornalismo e biografia, numa tentativa de superação da perda.
Em Poesia, foi premiado o livro “Tripas: Poems”, de Brandon Som, que aborda a herança mexicana e chinesa do autor, e a possibilidade de vida em comunidade em vez de conflito.
O prémio de Teatro foi atribuído a “Primary trust” (“Confiança primária”), da escritora e atriz nova-iorquina Eboni Booth, a história de um livreiro sem emprego, estreada no ano passado pela companhia Roundabout Theatre, num palco ‘Off-Broadway’.
Na Música, foi premiada a obra “Adagio (For Wadada Leo Smith)”, do compositor e multi-instrumentista Tyshawn Sorey, dedicada ao trompetista que fez parte dos agrupamentos do compositor e saxofonista Anthony Braxton.
Prémios Pulitzer distinguem “corajoso trabalho” de jornalistas na Faixa de Gaza
Os Pulitzer 2024 homenagearam ainda o escritor e crítico Greg Tate (1957-2021), que se distinguiu na revista Village Voice, e os “jornalistas e trabalhadores da comunicação social que garantem a cobertura da guerra em Gaza” desde 07 de outubro, bem como aos seus colegas mortos durante o conflito.
“Este ano, é reconhecido o trabalho corajoso dos jornalistas e profissionais de media que cobrem a guerra em Gaza. Em condições horríveis, um número extraordinário de jornalistas morreu no esforço para contar a história dos palestinianos e dos trabalhadores em Gaza”, segundo a organização da 108.ª edição dos Pulitzer, durante a transmissão ‘online’ hoje realizada da revelação dos premiados.
Os Prémios Pulitzer, atribuídos pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, a trabalhos de excelência de jornalismo, literatura, teatro e música, já tinham reconhecido o trabalho dos jornalistas em guerras como a da Ucrânia ou do Afeganistão, mas foi considerado que o conflito na Faixa de Gaza, entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas, vai mais longe devido ao seu eco noutras áreas.
Os Prémios Pulitzer são administrados pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, gestora do fundo legado por Joseph Pulitzer, empresário da imprensa norte-americana, nos anos de 1910.
“Esta guerra também ceifou a vida de poetas e escritores (…) Com a atribuição dos Prémios Pulitzer às categorias de Jornalismo, Artes e Letras, assinalamos a perda de testemunhos inestimáveis na linha da frente que ilustram a sofrimento humano”, de acordo com a declaração do júri.
Entre todos os prémios nas categorias jornalísticas, a guerra na Faixa de Gaza também esteve presente noutras secções, como a que homenageia o melhor do jornalismo internacional.
Nesta categoria, o prémio foi atribuído à redação do The New York Times pela cobertura “extensa e reveladora” do “ataque letal” perpetrado por milícias do Hamas no sul de Israel, no dia 07 de outubro, bem como pelo seu trabalho sobre “as falhas dos serviços de informação israelitas e a resposta mortal do Exército de Israel em Gaza”.
O The New York Times e o The Washington Post receberam três prémios cada um na segunda-feira por diversos trabalhos, desde a guerra no Médio Oriente à violência armada ou trabalho infantil, enquanto a agência Associated Press venceu uma das categorias de fotografia por uma série de imagens da cobertura da migração para os Estados Unidos.
O Pulitzer de jornalismo de serviço público foi por sua vez concedido à ProPublica pelas suas reportagens sobre ofertas de presentes e viagens de bilionários a juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos.
Segundo o júri dos galardões, o prémio distinguiu o caráter inovador do trabalho da ProPublica, um projeto independente de jornalismo de investigação com sede em Nova Iorque, que “perfurou a espessa parede de sigilo” em torno do Supremo Tribunal, que foi forçado a adotar pela primeira vez um código de conduta.
Os Pulitzer galardoaram os melhores do jornalismo de 2023 em 15 categorias, além de oito nas artes, cabendo a cada vencedor um valor de 15 mil dólares (13,9 mil euros).
David E. Hoffman, do The Washington Post, venceu em redação editorial por uma série “atraente e bem pesquisada” sobre a forma como os regimes autoritários reprimem a dissidência na era digital e outro prémio foi para o colaborador Vladimir Kara-Murza, por textos escritos numa cela de uma prisão russa.
Os Pulitzer concederam ainda um prémio de reportagem nacional à equipa da agência Reuters por uma série que investigou os negócios automobilísticos e aeroespaciais do milionário Elon Musk.
A equipa fotográfica da Reuters ganhou o segundo Pulitzer do dia daquela agência pela sua cobertura do ataque do Hamas a Israel e da primeira semana da retaliação de Telavive na Faixa de Gaza.
Por outro lado, a menção especial aos jornalistas palestinianos foi acompanhada por um reconhecimento similar ao escritor e jornalista norte-americano Greg Tate (1957-2021), apontado como um ícone no ambiente mediático da cultura afro-americana.
“A sua linguagem, extraída da literatura, da academia, da cultura popular e do ‘hip hop’, foi tão influente como o conteúdo das suas ideias. As suas inovações estéticas e originalidade intelectual, especialmente na sua crítica pioneira de ‘hip hop’, continuaram a influenciar as gerações posteriores”, explicou a organização.
Os prémios são administrados pela Universidade de Columbia, que tem sido notícia pelas manifestações estudantis contra a guerra na Faixa de Gaza e o conselho dos Pulitzer reuniu-se fora das instalações no fim de semana passado para deliberar os vencedores.
Na quinta-feira, o conselho emitiu um comunicado saudando os estudantes jornalistas de Columbia e de outras universidades em todo o país pelo seu trabalho na cobertura das manifestações que se têm replicado em vários estabelecimentos de ensino superior do país.
com Lusa