É improvável que seja montada novamente e promete ser uma exposição que irá impressionar o mundo da arte neste outono em Paris: a Coleção Morozov, Ícones da Arte Moderna, está patente na Fondation Louis Vuitton.
Adiada a inauguração por três vezes devido às restrições da COVID-19, esta extraordinária mostra dedicada a ícones franceses e russos da arte moderna e dos seus colecionadores russos é possível graças a uma confluência de fatores importantes a partir do amor pela arte, mas também a injeções significativas de dinheiro, poder e política.
A mostra, apresentada pela primeira vez fora da Rússia e com expectativa de ser uma das exposições mais emblemáticas do ano, inclui cerca de 300 obras-primas impressionistas, pós-impressionistas e expressionistas reunidas no início do século 20 pelos abastados irmãos russos Mikhaïl Abramovitch Morozov (1870-1903) e Ivan Abramovitch Morozov (1871-1921), pioneiros na coleção da arte ocidental, antes de serem afastados pela Revolução Russa.
Obras icónicas de valor incalculável
Organizada em parceria com o Museu Hermitage de São Petersburgo, o Museu Estatal de Belas Artes Pushkin de Moscovo e a Galeria Estatal Tretyakov, a Coleção Morozov é a segunda da série “Ícones de Arte Moderna” da Fondation Louis Vuitton dedicada aos principais colecionadores russos e segue o certame de Sergei Shchukin 2016, que atraiu um recorde de 1,3 milhões de visitantes.
Esta emblemática exposição pode, de acordo com a Vanity Fair, estabelecer “recordes no mundo cultural: a determinação de desafiar a pandemia, tensões diplomáticas, logística extremamente complicada para transportar para Paris estas pinturas que estão entre as mais belas do seu tempo e têm um valor incalculável hoje”.
Amor pela arte, dinheiro e política
Instalada em todas as galerias da sede da Fondation Louis Vuitton, edifício de tirar o fôlego que foi projetado por Frank Gehry, a coleção Morozov reúne uma seleção de obras raramente vistas de artistas franceses de renome (incluindo Édouard Manet, Claude Monet, Camille Pissarro, Henri de Toulouse-Lautrec, Pierre-Auguste Renoir, Alfred Sisley, Paul Cézanne, Paul Gaugin, Vincent Van Gogh, Pierre Bonnard, Maurice Denis, Aristide Maillol, Henri Matisse, Albert Marquet, Maurice de Vlaminck, André Derain, Auguste Rodin e Camille Claudel), ao lado de mestres russos (incluindo Ilya Repin, Mikhail Vrubel, Konstantin Korovin, Aleksandr Golovin, Valentin Serov, Mikhail Larionov, Natalia Goncharova, Kazimir Malevich, Ilya Mashkov, Pyotr Konchalovsky, Piotre Outkine e Martiros Saryan).
A exposição inclui a sala de música da mansão de Ivan Morozov em Moscovo, pela primeira vez replicada fora do Museu Hermitage, numa instalação especial de sete painéis encomendados, em 1907, a Maurice Denis sobre o tema “A História de Psique” e quatro esculturas de Aristide Maillol, “fornecendo uma rara janela para a vida do colecionador proeminente”, explicam os organizadores.
A Coleção Morozov, considerada uma das melhores do mundo, foi possível reunir com a ajuda dos mais importantes negociantes de arte da época e graças à imensa fortuna de Morozov — e do gosto dos irmãos Morozov pelo avant-garde.
Indiscutivelmente, a exposição também é uma homenagem ao poder financeiro do grupo francês LVMH, que tornou possível que um player privado superasse os desafios de montar uma mostra de arte tão excecional.
Quase perdido para a guerra e revolução
“Após a Primeira Guerra Mundial e a Revolução de Outubro, a Coleção Morozov sofreu o mesmo destino que a de Sergei Shchukin”, explica Bernard Arnauld, presidente da Fundação Louis Vuitton, no prefácio do catálogo da exposição. “A partir de 1918, as obras foram apreendidas, nacionalizadas e depois desmanteladas pelo regime bolchevique”.
No entanto, a partir da década de 1930, “encontraram o seu caminho para as coleções do Museu Hermitage, do Museu Pushkin de Belas Artes e da Galeria Tretyakov.”
Praticamente perdeu-se-lhes o rasto (ou quase se perdeu). Durante quase um século, essas obras-primas foram transportadas entre Moscovo e São Petersburgo até serem reunidas para esta estreia mundial.
A criação da coleção
Mikhail e Ivan Morozov nasceram, em 1870 e 1871, numa família moscovita de fabricantes de têxteis e empreendedores.
Segundo Anne Baldassari, curadora da exposição, eles devem a sua acuidade artística à mãe que, desde cedo, lhes deu aulas de desenho de artistas russos.
Quando tinha apenas 20 anos, Mikhail adquiriu em Paris as primeiras pinturas de Van Gogh e Gauguin, quando ainda não eram famosos. Quando morreu de ataque cardíaco aos 33 anos, já havia colecionado 39 obras notáveis de mestres, incluindo Monet, Toulouse-Lautrec, Renoir e Degas.
Ivan, que assumiu os negócios da família – deixando para trás a sua vocação de pintor – acrescentou à coleção mais impressionistas franceses, pós-impressionistas, Nabis (jovens artistas franceses que se voltaram para a arte abstrata no final do século 19) e Fauvistas (os não seguidores do cânone impressionista).
Ao mesmo tempo, aproximou-se de artistas russos da sua geração, que o aconselharam nas suas aquisições e contribuíram com as suas próprias obras-primas para a coleção.
Na introdução ao catálogo da Coleção Morozov, o curador Baldassari explica que para Ivan Morozov houve “um choque emocional e estético que transformou permanentemente sua visão, tornando-o um modernista militante” quando visitou o Salon d’Automne de Paris, em 1907, e viu o trabalho de Cézanne, que “fez as vendas caírem-lhe dos olhos”.
“Ele tornou-se um cezannista convicto, adquirindo 18 telas excelentes que pendurou num estúdio ‘secreto’ ao lado dos seus apartamentos particulares. A partir daquele dia decisivo, as suas compras aumentaram constantemente e a sua qualidade tornou-se incontestável.”
Entre 1904 e 1914, comprou 240 obras de artistas franceses enquanto sua coleção de arte russa, iniciada em 1891, somava 430 peças.
Os fãs de Picasso ficarão também felizes ao ver as três peças incluídas na mostra que, de acordo com Baldassari, são “obras-primas e marcos da obra principal de Picasso em momentos evolutivos chave da sua carreira”.
Uma história tortuosa
Mas, como escreve a France 24: “Tudo desabou com a revolução comunista de 1917, na Rússia. Ivan foi reduzido ao cargo de ‘curador assistente’ da sua própria coleção quando a sua casa se tornou um museu estatal.”
Em 1918, a fábrica Morozov, cujo valor imobiliário foi estimado em 26 milhões de rublos (algo como 308 mil euros), foi apropriada pelo Estado e, mais tarde naquele ano, a coleção de obras de arte foi nacionalizada por decreto oficial.
No verão de 1919, Ivan e a sua família cruzaram secretamente a fronteira com a Finlândia e emigraram para a Suíça.
Quando os nazis invadiram a Rússia em 1941, as pinturas foram enviadas para serem escondidas nos montes Urais, onde ficaram razoavelmente bem preservadas por temperaturas que costumavam cair para os 40 graus negativos.
Foi apenas na década de 1950 que o governo soviético decidiu redistribuí-las entre os museus Hermitage, Tretyakov e Pushkin.
Embora separada, a coleção composta por 460 obras de arte russa e 240 francesas foi mantida intacta.
The Morozov Collection: Icons Of Modern Art será exibida na Louis Vuitton Foundation até 22 de fevereiro de 2022. Reservas aconselhadas. Bilhetes de €5 a €16.