O Parlamento Europeu aprovou esta quinta-feira o regulamento europeu sobre criptoativos (MiCA – Regulamento de Mercados de Criptoativos europeu, MiCA, do inglês Markets in Crypto-Assets). A UE torna-se a primeira grande jurisdição do mundo a introduzir um regulamento abrangente e compreensivo sobre criptoativos.
O texto tem como objetivo garantir que as transferências de criptoativos, como qualquer outra operação financeira, possam sempre ser rastreadas e as transações suspeitas bloqueadas.
A chamada “regra de viagem”, já utilizada no mundo das finanças tradicional, cobrirá no futuro transferências de criptoativos. Informações sobre a origem do ativo e o seu beneficiário terão que “viajar” com a transação e serem armazenadas em ambos os lados da transferência: em quem envia e em quem recebe.
A lei também cobrirá transações acima de €1000 de chamadas carteiras auto-hospedadas (um endereço de carteira de criptoativo de um utilizador privado) quando interagem com carteiras hospedadas geridas por prestadores de serviços de criptoativos. As regras não se aplicam a transferências de pessoa para pessoa realizadas sem um prestador de serviços ou entre prestadores que atuam em seu próprio nome.
Regras uniformes de mercado da UE para criptoativos
O plenário também deu sua aprovação final com 517 votos a favor, 38 contra e 18 abstenções, para novas regras comuns sobre a supervisão, proteção do consumidor e salvaguardas ambientais de criptoativos, incluindo criptomoedas (MiCA). A proposta de lei acordada informalmente com o Conselho em junho de 2022 inclui salvaguardas contra a manipulação do mercado e crime financeiro.
A MiCA cobrirá criptoativos que não são regulados pela legislação existente de serviços financeiros. As disposições-chave para aqueles que emitem e negociam criptoativos (incluindo tokens de referência de ativos e tokens de dinheiro eletrónico), cobrem transparência, divulgação, autorização e supervisão de transações. Os consumidores serão mais bem informados sobre os riscos, custos e encargos relacionados às suas operações. Além disso, o novo quadro legal apoiará a integridade do mercado e a estabilidade financeira regulando ofertas públicas de criptoativos.
Nesse sentido, o diploma abre espaço para que as empresas tradicionais de finanças (TradFi) também ganhem mais confiança para se envolverem com as companhias de ativos digitais, podendo escolher os parceiros licenciados que entendem mais fidedignos para cooperar e desenvolver as suas soluções cripto.
Finalmente, o texto acordado inclui medidas contra a manipulação do mercado e para prevenir a lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e outras atividades criminosas.
Para combater os riscos de lavagem de dinheiro, a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) deverá criar um registo público para prestadores de serviços de criptoativos não conformes que operam na União Europeia sem autorização.
Para reduzir a grande pegada de carbono das criptomoedas, os principais prestadores de serviços terão que divulgar seu consumo de energia.
O texto não inclui, contudo, regras a respeito de outros tópicos ligados ao universo cripto, designadamente finanças descentralizadas e NFTs (tokens não fungíveis). Esse facto leva a que algumas figuras, incluindo a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, a clamar já por uma revisão da legislação.
Reações em Portugal
Hugo Volz Oliveira é Secretário e membro fundador do Instituto New Economy, uma associação sem fins lucrativos que agrega líderes de indústria, profissionais e cidadãos interessados em promover a participação de Portugal na nova economia digital.
À FORBES, Hugo Volz Oliveira entende que, “apesar de não ser uma regulação perfeita, o regulamento dos Mercados de Criptoactivos tem sido bem recebido pela indústria europeia e reconhecido internacionalmente como um enquadramento pioneiro e que pode ajudar a consolidar a cripto economia na Europa, ajudando a que o Velho Continente lidere os próximos passos na transformação digital trazida pela blockchain e no desenvolvimento da nova geração da internet – já que claramente não aproveitou a era dot com”.
“É um bom primeiro passo nesse caminho, e sem dúvida que contribuirá para tornar mais segura a participação dos cidadãos europeus na cripto economia”, refere Hugo Oliveira.
Para este responsável, “uma lei por si só não será capaz de desenvolver o ecossistema, no entanto este é um bom primeiro passo nesse caminho, e sem dúvida que contribuirá para tornar mais segura a participação dos cidadãos europeus na cripto economia, já que este regulamento obriga os CASPs (as bolsas e plataformas de custódia) a segregar fundos dos clientes e a obedecer a outros requisitos bem construídos se quiserem servir o mercado comum da UE”.
Os próximos passos
“Agora, o busílis da regulação passa pelos próximos passos”, enfatiza o responsável do Instituto New Economy, que destaca dois aspetos que irão merecer a atenção do mercado cripto: o trabalho que a EBA e ESMA, “duas autoridades supervisoras da indústria financeira, irão desenvolver em termos de standards para implementar o MiCA ao longo dos próximos 12 a 18 meses”; e as “pressões do Banco Central Europeu para que a Comissão Europeia desenhe uma nova versão do MiCA, que aperte o cerco à indústria de um modo que – por agora – parece ser altamente restritivo e parecido com o ataque que está a ocorrer nos Estados Unidos”, aponta este responsável”.
“Felizmente, o MiCA (e a TFR – Transfer of Funds Regulation) serviu para unir a indústria dos criptoativos na Europa, colocando as várias associações nacionais em diálogo próximo. Pelo que acreditamos que seremos capazes de resistir às pressões dos incumbentes e garantir que a Europa continua a beneficiar das inovações trazidas por esta tecnologia emergente”, conclui Hugo Oliveira.
Stefan Berger, eurodeputado que esteve envolvido na discussão desta legislação, entende que “a indústria europeia de criptoativos passa a ter a clareza regulatória que não existe em países como os EUA. O setor que foi prejudicado pelo colapso do FTX pode recuperar a confiança”, frisa.
Os textos terão agora de ser formalmente aprovados pelo Conselho Europeu, antes da publicação no Jornal Oficial da UE. A sua entrada em vigor acontecerá 20 dias depois.