Na conferência InNova Talks, organizada pelo Jornal Económico e pela Forbes Portugal, António Nogueira Leite, professor na Nova SBE, abordou o tema da descarbonização como uma das maiores prioridades globais para os próximos anos. Sob o título “Para onde caminha o Planeta: a urgência de começar 2025”, Nogueira Leite expôs um panorama abrangente, destacando, com clarividência, os desafios e as decisões cruciais que as economias precisam tomar para mitigar as mudanças climáticas.
Compatibilizar crescimento com sustentabilidade
“Se olharmos para o passado, percebemos que a descarbonização é possível, embora difícil,” afirmou Nogueira Leite, sublinhando que a Europa tem liderado este processo. Segundo ele, a evolução tecnológica desempenha um papel essencial ao possibilitar que crescimento económico e descarbonização coexistam.
Porém, esse progresso não ocorre uniformemente em todos os setores. “Na produção de energia, nos automóveis e nos métodos de construção, estamos mais avançados. Contudo, setores como aviação, produção de cimento, plásticos, aço e transporte marítimo ainda enfrentam desafios significativos,” explicou.
Barreiras e geopolítica
Os objetivos estabelecidos para muitas empresas permanecem aquém das necessidades reais de descarbonização. “Nos transportes e na indústria, por exemplo, existem barreiras tecnológicas e regulatórias que precisamos superar rapidamente,” alertou. Além disso, a geopolítica adiciona complexidade: “A transição energética depende do acesso a um conjunto específico de metais, e as tensões atuais, especialmente envolvendo a China, criam entropia num processo já de si complicado.”
Dificuldades económicas na Europa
Um dos pontos críticos destacados por Nogueira Leite foi o impacto das dificuldades económicas de alguns dos principais países da União Europeia no avanço da agenda de descarbonização. “Na Europa, enfrentamos um cenário económico delicado. Alemanha, França, Itália e Espanha, pilares da economia da zona euro, estão a enfrentar grandes desafios. No caso da França, o défice orçamental ronda os 6%, o que limita significativamente a sua capacidade de financiar as mudanças necessárias,” alertou.
A situação da Alemanha também é preocupante. “A maior economia europeia não está a crescer. Este abrandamento económico, combinado com limitações fiscais e uma necessidade crescente de investimentos em defesa, cria um enorme constrangimento,” explicou. Estes desafios financeiros dificultam não apenas a transição energética como também o cumprimento de metas ambientais mais ambiciosas.
ESG: de prioridade a problema?
Nogueira Leite abordou ainda a evolução dos critérios ESG (ambiental, social e governança), revelando uma tendência preocupante. “Nos últimos anos, assistimos a uma diminuição do apoio dos investidores às iniciativas de ESG, especialmente nos Estados Unidos. Esta tendência começou em 2022 e é acompanhada por movimentos anti-ESG que ganham força,” destacou. Este retrocesso, segundo ele, prejudica os esforços para implementar políticas ambientais eficazes.
“Se olharmos para um relatório recente da PWC, na vertente ESG, o apoio dos investidores para este tipo de medidas de ESG tem vindo a cair. E isto está a acontecer de uma forma geral. É uma tendência que tem a ver com a convulsão que vivemos e que torna mais premente a resolução de outros problemas, designadamente da segurança”, refere.
Circularidade e PRR europeu
A transição para uma economia mais circular é outro ponto essencial. “O grau de circularidade ainda é baixo. Estamos a falar de reutilizar materiais para novos fins, algo que depende tanto das pessoas quanto das tecnologias,” enfatizou. Nogueira Leite mencionou o PRR europeu como um exemplo de incentivo, mas expressou dúvidas sobre a eficácia deste programa, dadas as crises paralelas que afetam a região.
Portugal: o desafio da responsabilidade
Para Portugal, Nogueira Leite sublinhou a importância de “menos política e mais rigor” na definição de estratégias de sustentabilidade. Apontou falhas na implementação de mecanismos como a responsabilidade alargada do produtor, criticando a falta de dados concretos para apoiar decisões que envolvem grandes empresas.
“Para Portugal, é importante que haja um pouco menos de política e mais de rigor na definição deste caminho. Devo dizer que me faz confusão o facto de não termos sido capazes de definir condições de base para a evolução da responsabilidade alargada do produtor, que é algo em relação ao qual temos de ser absolutamente intransigentes, com decisões que têm sido mais assentes mais em achismos do que propriamente em estudos da realidade concreta em que se aceite que grandes produtores e empresas, com muitos meios, não tenham contabilidade analítica que permita segregar as atividades que tem nesta matéria. Temos todos de crescer nesta matéria e que se obriguem as entidades públicas e privadas a não recorrerem a desculpas do passado. Temos de ir melhorando. Em Portugal há muto trabalho de casa para ser feito”, afirmou o académico.
“É imperativo que grandes produtores sejam obrigados a adotar contabilidade analítica, segregando atividades e medindo responsabilidades ambientais com precisão,” afirmou.
A luta civilizacional
Concluindo, o professor alertou que esta é uma “luta civilizacional” que exigirá pragmatismo e transparência. “Se colocarmos mais ideologia no processo, criaremos forças contrárias que farão de tudo para se opor. Precisamos de preservar o ambiente sem sacrificar a qualidade de vida. Os constrangimentos são enormes, e sem uma agenda clara, enfrentaremos consequências severas.”
Nogueira Leite insistiu nas dificuldades orçamentais dos países da Europa, em especial, e dos investimentos para a defesa que estão a ser canalizados, devido à invasão da Ucrânia por parte da Rússia, fatores que dificultam também um maior empenho na prossecução dos objetivos de lutar contra as alterações climáticas.
A mensagem de António Nogueira Leite é clara: o tempo para agir é agora. A transição energética e ambiental exige colaboração, inovação e um compromisso inequívoco para garantir um futuro sustentável.
“Este é o grande problema deste segundo quarto de século: ou nos preparamos ou teremos e os nossos descendentes, uma vida muito menos apetecível do que, atuando em tempo, poderíamos ter e proporcionar-lhes”, concluiu.