Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada são duas escritoras que dispensam apresentações. Publicaram o primeiro livro da série Uma Aventura em 1982 e, desde então, foram lidas por várias gerações de crianças e jovens, fazendo delas nomes familiares para grande parte dos portugueses.
Para o público da Forbes Women’s Summit, que aconteceu na passada segunda-feira, em Lisboa, ficou clara a ligação de ambas à arte de contar histórias. No início do painel Ask the Writers, Ana Maria afirmou: “Apetece escrever uma história que se passe aqui. Não necessariamente uma aventura, mas uma história de fadas talvez”.
E contaram várias, como esta que soltou gargalhadas pela plateia: “Aqui há uns anos houve um assalto noturno a uma escola de chelas e uma das coisas que roubaram foram os livros da coleção uma aventura. Foi uma honra”, confessou Ana Maria. Até que as atenções se viraram para a história que todos queria ouvir. A delas.
Conheceram-se enquanto professoras na mesma escola, Ana Maria Magalhães era professora de História de Portugal e Isabel Alçada – que mais tarde chegaria a ministra da educação – trabalhava como professora de Português e História. Confrontadas com o facto de os seus alunos lerem pouco, decidiram pôr mãos à obra. “Nós também trabalhamos na alimentação, mas é a alimentação cognitiva”, afirmou Isabel fazendo referência ao painel anterior. “Logo que começámos a dar aulas, verificámos que os nossos alunos não tinham hábitos de leitura, alguns até ainda liam bastante mal. Pensámos: O que é que podemos fazer para que eles leiam, gostem de ler, se sintam à vontade com isto que é tão importante na vida das pessoas e tão estimulante do desenvolvimento que é pegar num livro, mergulhar no livro, deixar-se envolver e acabar de ler o livro e dizer ‘sou leitor’? Quem é leitor tem muito mais facilidade não só na escola, como em tudo aquilo que é a nossa vida contemporânea. Quem gosta de ler tem uma facilidade em adquirir informação, em processar informação, inclusivamente comunicar oralmente com as outras pessoas”.
As histórias, que eram escritas apenas para entregar em fotocópias nas suas aulas, foram um sucesso entre os alunos e outros professores, que começavam a pedir os materiais para as suas próprias aulas. “Isso encorajou-nos”, confessam. Começaram a escrever o primeiro livro ainda sem saberem se alguma vez o iriam publicar – ou sequer se o iriam acabar -, mas quando o terminaram decidiram procurar uma editora. Receberam três nãos, mas na quarta editora, a Caminho, conseguiram um sim.
A primeira a receber a notícia foi Ana Maria: “Passado um mês telefonaram para minha casa a dizer que iam publicar e eu ia desmaiando de felicidade, qualquer pessoa que escreve um livro o que sonha é vê-lo em letra de forma. Depois quando foi publicado eu ia com a minha filha ver o livro nas montras e parecia mentira. Acho que o que sente um escritor é o mesmo que um atleta quando sobe ao pódio e lhe põem uma medalha. Finalmente um sonho”.
Uma das partes engraçadas desta histórias, e que as autoras só souberam mais tarde, é que inicialmente o editor lhes disse “este livro interessa se for para uma coleção, por isso só publicamos se escreverem dois” convencido de que não seriam capazes de escrever mais. “Fomos logo comprar uma resma de papel”, disse Isabel. Hoje, a série Uma Aventura conta com 68 livros. O mais recente foi publicado este ano e chama-se Uma Aventura na Curva do Rio.
“Depois ao longo da vida tivemos muitas coisas boas”, continua Isabel. “Colaborámos muito na montagem da biblioteca da nossa escola, contribuímos para a rede das bibliotecas escolares de todo o país, também trabalhámos muito para que houvesse um plano nacional de leitura, também lançamos um programa que se chama Voluntários de Leitura. E a certa altura convidaram-me para ministra da educação, e eu não costumo falar disso, mas eu posso-vos dizer que uma das razões que me levou a acreditar que era capaz foi o meu marido dizer-me que acreditava em mim e sabia que eu era capaz. Naquele momento tive a sensação que ele acreditava mais em mim do que eu própria, isso dá uma força enorme às pessoas. Isto é uma sociedade em que nós nos temos que unir e eu sou muito feminista. Neste momento, ao ver estas pessoas todas, se calhar já nem preciso ser feminista, já está. Porque vocês estão aqui a representar o que de melhor as mulheres fazem e são. Mas ainda há muitas que têm problemas e dificuldades, tanto no trabalho como em casa, ainda há muitas condicionantes e nós precisamos de ajudar aqueles que têm maior fraqueza”.
Uma aventura nas redes sociais
Um dos temas mais badalados nas redes sociais nos últimos tempos, foi a chegada de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada ao Instagram e ao TikTok. Numa onda de nostalgia, vários utilizadores voltaram atenções para as publicações das autoras sobre a série que marcou a sua infância. E a culpada de tudo foi a neta de Ana Maria.
“Nós não fazíamos a menor ideia do que era aquilo, não tínhamos nem TikTok nem Instagram. Eu não tinha Instagram porque eu não gosto de andar à deriva. Agora claro que tenho que é para ver o que a Matilde, que é a neta da Ana, põe do nosso trabalho. E tem sido fantástico. A quantidade de pessoas que nos comunicam através deste meio, quando dizem que as novas tecnologias têm riscos, claro que têm, mas também têm vantagens. É como tudo, se forem bem utilizadas, bem direcionadas, são um instrumento preciosíssimo”, defende Isabel Alçada.
Uma das grandes vantagens da presença nas plataformas digitais, é a proximidade com os leitores. Algo que as autoras sempre procuraram para as suas histórias: proximidade aos locais que inspiram o livro e às opiniões e pedidos dos leitores.
“Fizemos sempre questão de ir aos locais onde se passa a história. Fomos ao Porto, Amazónia, Cabo Verde, ao deserto, Timor. Tudo isso acabou por resultar em grandes aventuras que depois dão realismo às histórias. Tivemos sempre atentas ao que as crianças dizem porque comunicam muito connosco. Antes pelo correio e agora mais pela internet. Eu não tinha a noção que tínhamos tantos amigos em Portugal e no estrangeiro, só agora com as redes sociais é que percebi. Durante muitos anos fomos sempre recebidas com muito carinho, mas agora percebemos realmente o impacto que teve o nosso trabalho em pessoas que nos contactam. Isso é uma alegria imensa”, concluiu Ana Maria Magalhães.