Em Maio, termina uma etapa de 15 anos de eurodeputada onde habituou os seus pares a uma luta tenaz pelas causas que lhe correm no sangue, como os direitos humanos, o combate à corrupção e a evasão fiscal ou, como ela diz “por um mundo com regras e princípios”. Mas não vai parar de lutar.
Em entrevista à FORBES, a ainda eurodeputada faz um balanço da sua passagem pelo Parlamento Europeu. Fala da forma embaraçosa como a União Europeia lidou com os refugiados, das consequências dos resultados das próximas eleições europeias e dos mais recentes escândalos de corrupção e evasão fiscal.
E revela como vai continuar a luta pelas causas que defende quando deixar o Parlamento Europeu.
Termina em Maio o terceiro mandato no Parlamento Europeu e não se vai recandidatar. Foi uma decisão por conta própria ou do partido?
Foi uma decisão minha e comunicada há mais de um ano ao secretário-geral do Partido Socialista (PS). Eu acredito na limitação de mandatos. É importante para dar credibilidade e sanidade à política. Tenho de aplicar estes critérios a mim mesma. O normal são três mandatos e serão os que irei cumprir.
Deixa uma União Europeia mais próxima dos seus valores basilares do que aquela que encontrou em 2004?
O momento que a União Europeia está a viver causa-me muita angústia, inquietação pessoal, e se não se desse a circunstância de ser o meu terceiro mandato não sairia agora, porque não é o momento para abandonar o combate.
Neste momento, trava-se no Parlamento Europeu um combate pela Europa e pela democracia. Actualmente, há valores a serem espezinhados na União Europeia. Veja-se o que se passa em relação às migrações. É uma vergonha, e estamos a falar de princípios e valores base da União Europeia, da solidariedade, dos direitos humanos, e isso preocupa-me.
Sente-se nas ruas e nas urnas que há insatisfação das pessoas em relação à União Europeia. A União está a falhar para com os seus cidadãos?
Eu acho que não é a União Europeia que está a falhar, são as políticas que estão a falhar. Mas, em certa medida, os governos e a União Europeia estão a falhar. O que do meu ponto de vista inquinou tudo foram as políticas neoliberais assentes no princípio de que quanto menos Estado melhor, que o mercado se regula a si próprio. Estas políticas, que começaram com a senhora Thatcher e o presidente Reagan, tiveram o epítome durante a Comissão Barroso I, levaram à grande crise nos anos seguintes e conduziram ao estado do capitalismo em que estamos, em que o capitalismo se destrói a si próprio e destrói a democracia.
Hoje estamos mais resilientes?
Não. Todos pensávamos que, com a Troika, iríamos ter mais supervisão e haveria lugar a mais regulação, mas isso não aconteceu.
Foi, por exemplo, em 2012, sob as barbas da Troika, que se fez a mais escandalosa amnistia fiscal, equivalente a um esquema massivo de branqueamento de capital.
Foi sob os olhos da Troika que se aplicaram os programas de privatização a pataco, que obviamente foram uma oportunidade para a corrupção, para o desmantelamento do Estado, em sectores chave como nas infra-estruturas críticas, na indústria de Defesa, que culminou na venda de empresas a potências como a China que, obviamente, têm desígnios estratégicos.
Foram uns idiotas aqueles que, num primeiro momento da crise vieram apelar à China que viesse salvar a Europa.
Foi a fase mais difícil para a Europa?
Foi, provavelmente, o momento mais trágico da Europa, onde ninguém esteve à altura, designadamente os governos, e sobretudo a Alemanha com aquela doutrina dos PIGS [Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha], que tentava culpabilizar o Sul e pôr o Norte contra o Sul, quando se sabia que os bancos do Norte tinham tido um maior papel no subprime e tinham tido um papel vencedor com as políticas neoliberais de comércio livre que acentuaram as divergências no quadro da Zona Euro.
E isso está a reflectir-se nas manifestações de insatisfação que se vêem hoje na Europa?
Sim, isto tudo explica a situação em que está a Europa de hoje. Os coletes amarelos ilustram o divórcio entre as elites que já não representam ninguém e o povo que vê a perda de empregos como uma consequência da globalização – erradamente a meu ver, mas que compreendo porque é uma globalização não regulada.
E também aos avanços tecnológicos que deviam ser postos ao serviço da humanidade, levando as pessoas a trabalhar menos e a ter mais tempo para o lazer, mas que estão a ser postos ao serviço de uma política autodestrutiva que destrói emprego e a classe média.
E, ao destruir a classe média, destrói a democracia e a Europa.
Tem receio de que, nas próximas eleições europeias, os partidos radicais, de extrema direita, aumentem o seu peso no Parlamento Europeu?
As sondagens mostram que vai haver um crescimento das franjas radicais à direita e à esquerda, mas sobretudo à direita, e que os partidos mainstream vão levar uma grande pancada, designadamente o Partido Popular Europeu (PPE) e o Partido Socialista Europeu (PSE), da minha família política.
E estou convencida de que em boa parte é resultado de políticas e de atitudes nefastas que agravaram o descrédito e o estado dos cidadãos, levando-os a afastarem-se das formações políticas tradicionais.
O que significará isso para a União Europeia?
São tempos políticos duros os que vêm aí e há até quem se interrogue se não teremos uma situação de ingovernabilidade na própria União Europeia.
Se, por exemplo, um governo como o italiano, sob controlo do fascista Matteo Salvini, propuser um indivíduo provocador para Comissário que tenha o objectivo, não de integrar o colégio de comissários com uma postura construtiva, mas de destabilizar.
Quem diz o Salvini, diz o Viktor Orbán, se até lá não forem expulsos da União Europeia.
Fiscalidade e Evasão Fiscal
É favorável à criação do Orçamento Europeu?
Completamente. No mundo interdependente e globalizado em que vivemos, com os desafios e ameaças que temos pela frente, ou trabalhamos como europeus ou não trabalhamos.
Não há qualquer país que, por mais rico ou poderoso que seja, como a Alemanha, consiga resolver estes desafios sozinho. Desde as questões da governação da internet até às questões da ameaça do terrorismo à fiscalidade, ou se trabalha no contexto europeu e se faz a diferença a nível global, ou temos a derrota à nossa frente.
Também por esta questão, saio do Parlamento Europeu ainda mais convencida da indispensabilidade da União Europeia.
Uma vez que um orçamento europeu implica perda de soberania dos Estados-membros, acha que isso é exequível?
Mas qual soberania? Na maior parte dos casos, a soberania nacional é uma balela. Há soberania quando o Estado português vende a REN – Redes Energéticas Nacionais e a EdP – Energias de Portugal ao partido comunista chinês, que faz o rebundling daquilo que Portugal tinha feito antes que era o unbandling, para respeitar as regras do mercado interno na União Europeia?
Quando sectores chave e estratégicos como a REN, por exemplo, são dados ao partido comunista chinês, não há soberania. A haver, é chinesa, não é portuguesa. Mas refiro-me à soberania fiscal…
É outra balela. Eu não sou economista e foi à conta da crise e da necessidade de explicar a crise aos portugueses que fui estudando e acompanhando. A União Europeia tem de dar o salto federal. Temos de assumir isto.
Tal como os EUA que a certa altura tiveram de dar o salto federal. É uma criação diferente dos EUA, no tempo e no contexto, a identidade dos diversos Estados europeus é diferente, mas precisamos de o fazer, porque neste mundo globalizado e multipolar, temos de ser um gigante económico e político para poder regular. Caso contrário estamos perdidos.
E há essa vontade comum?
Não, continuamos na luta dialéctica. Hoje temos cada vez mais gente e governos, entre os quais o português, a defender a criação do Orçamento Europeu, quando há uns anos não admitiam essa necessidade.
Mas é preciso que o euro funcione como o dólar nos EUA, onde ninguém se preocupa com os défices da Califórnia, porque ao nível federal os desequilíbrios são supridos. É preciso que a moeda comum funcione em todas as suas vertentes e algumas ainda não estão completas.
Quais?
Ainda não se finalizou o mecanismo da garantia de depósitos, por exemplo.
Os vários escândalos fiscais já produziram algum efeito?
Casos como o Luxleaks foram um abrir de olhos que permitiram pôr a questão da fiscalidade na agenda europeia e começar a pedir uma harmonização fiscal.
Criou-se uma comissão de inquérito no Parlamento Europeu para analisar as implicações desse escândalo e perceber o que estava em causa, e verificou-se que manter a ficção de que a fiscalidade é nacional, é boicotar o mercado interno.
Não há um mercado interno sério nem concorrência leal se se continuar a permitir o dumping fiscal e que cada Estado crie o seu esquema de regras fiscais “por baixo da mesa”.
E em relação ao caso dos Panama Papers?
Esse escândalo mostrou-nos que, além do lado da fiscalidade, há jurisdições non-compliant, quer dentro quer fora da União Europeia, que permitem esquemas de criminalidade organizada, máfias e financiamento do terrorismo.
A quarta e quinta directivas de combate ao financiamento do terrorismo, em que eu fui negociadora e onde consegui pôr muitas dedadas que devem incomodar muita gente da indústria fiscal, vêm apertar as regras.
Mas a actual grande batalha é a proposta de Jean-Claude Junker de fazer com que as decisões europeias relativas à fiscalidade sejam tomadas por maioria qualificada e não por unanimidade, como actualmente.
E isso vai acontecer?
É inevitável. Já se viu que são sempre os mesmos Estados a boicotar. Não sei se será no próximo ano ou daqui a dois ou três anos, mas vai acontecer.
É possível acabar de uma vez com os off-shores?
Os off-shores não acabam por decreto. Isso foi uma das coisas que eu aprendi ao longo destes anos. O que acaba com os off-shores é a exigência da transparência e o pedir contas aos Governos.
Esta área tem vivido sob a obscuridade de que só apenas alguns iluminados e peritos percebem do assunto, peritos que passam dos governos para as consultoras e das consultoras para os governos e que fazem as leis com os buracos que eles depois vão explorar nas consultoras e nas empresas de advogados.
A União Europeia tem de entrar a fundo nesta área, ganhar expertise e demonstrar que são tudo esquemas para ludibriar os contribuintes.
E o quadro fiscal europeu para as empresas do digital, porque não avança?
A Comissão Europeia tem uma proposta e quer avançar. Não é uma solução para as grandes plataformas do digital, nem é uma taxa de imposto, mas sim a definição comum da matéria colectável, o que nos permitiria ter um nível base (level playing field).
Mas como os Estados-membros não estão para aí virados, porque ainda têm a ilusão de que podem manter os esquemas, a Comissão veio com uma solução interina que é a taxa do digital, que aliás é uma taxa ridícula – 3% – sobre as grandes plataformas do digital [entretanto chumbada]. França e Espanha já avançaram, mas era bom haver uma solução mais abrangente.
Política Externa
Que avaliação faz do papel da União Europeia na gestão da crise da Líbia?
Houve falta de Europa. Na Líbia, que não é o Iraque, houve um povo que se revoltou contra um ditador e depois houve uma intervenção de alguns países da União Europeia, não foi da NATO, embora dois deles pertençam à NATO, de apoio ao povo que se tinha revoltado. No final dessa campanha, Robert Gates, o secretário da Defesa norte-americana, veio cá dizer que o “bebé” agora era nosso.
E era, é aqui ao lado, mas não se fez nada. O que nós vimos foi os ingleses e os franceses a desenvolverem as suas estratégias em relação aos negócios petrolíferos e de armamento.
Cada qual fez a sua política, o seu negócio. O princípio, que era a construção de um Estado que nunca tinha funcionado na altura do Kadhafi, a desmobilização e integração das milícias, e a criação de uma unidade de comando das forças armadas da Líbia, nunca houve, porque a União Europeia não se interessou.
Como é que está a Líbia neste momento?
Uma desgraça, cheia de terroristas. Neste momento é um local de passagem de migrantes e de exploração da escravatura. As pessoas que lá estão são escravos e estão a ser traficados pelas redes mafiosas, muitas delas com ligações a redes terroristas.
E em relação à Síria, o balanço é semelhante?
Sim. Deviam-se ter criado corredores humanitários, no-fly zones…, mas é evidente que para executar isto é preciso músculo militar.
Se isto tivesse sido feito nunca teríamos deixado espaço para a Rússia entrar e fazer o seu jogo, que era obviamente manter Assad e permitir que o território sírio se tornasse num terreno de guerras diversas, designadamente as que opunham o Irão e os turcos à Arábia Saudita.
Os casos da Líbia e da Síria são os casos mais gritantes de falta de Europa. Não houve capacidade nem vontade política para dar o salto.
Não havia músculo militar.
Faz sentido que a União Europeia tenha a sua unidade de defesa?
Sim, completamente. A União Europeia tem de se assumir como uma entidade federal que tem de ter uma componente de segurança e defesa. Hoje, os governos já fazem declarações à volta do tema, coisa que era impensável há cinco anos, e aí temos de agradecer ao
Sr. Trump.
Hoje já temos as chamadas PESCO – Comissões Estruturadas Permanentes, que obrigaram alguns Estados a avançarem. E não se trata de duplicar esforços ou colocar em causa a NATO.
A Aliança Atlântica tem limites, é uma aliança militar. A União Europeia é muito mais e precisa de soluções holísticas com vertentes civis e militares. Um trabalho de “construção da nação” na Líbia não era possível de ser feito pela NATO.
Como se portou a União Europeia na gestão da crise dos refugiados?
Muito mal. Neste caso também não houve Europa. Houve até uma regressão em relação ao que é a Europa. Em 2015, quando há o grande afluxo de refugiados, a União Europeia não estava preparada.
Tinha um regulamento para a política de asilo, o regulamento de Dublin, que era claramente contraproducente, pois punha todo o ónus nos países da linha da frente (Itália e Grécia), e o problema era demasiado grande para ser gerido apenas pelos países da linha da frente. Tinha de ter uma resposta coordenada e solidária de todos os países da União Europeia.
Depois do pico, com tudo o que se passou, a suspensão de Schengen, por vários Estados-membros, aliás o primeiro foi a Alemanha, o Parlamento Europeu reviu o regulamento de Dublin e apresentou o trabalho à Comissão, que apoiou.
Mas, alguns Estados, e sabemos bem quais, fizeram o discurso da “crise de migração”, quando o que houve foi um pico, perfeitamente absorvível por uma Europa de 500 milhões.
Havia capacidade para receber tanta gente?
A Europa tinha toda a capacidade e o interesse em absorver porque tem necessidade de rejuvenescer a população. Depois de 2015, os números caíram, mas as atitudes e discursos xenófobos de Salvini e Orbán mantêm a tese de que há uma crise de refugiados, quando o que há é uma crise de valores na Europa.
Foram feitos alguns remendos, mas foi pior a emenda que o soneto. O acordo com a Turquia é ilegal e imoral em todos os princípios, e os acordos de readmissão com o Governo da Líbia (risos) são ridículos. Qual Governo? Há dois e nenhum governa.
Corrupção e Falta de Ética
Ao longo destes anos encontrou casos de corrupção, falta de ética ou má governação no Parlamento Europeu?
Sim, encontrei. Houve um caso de um sujeito da minha família política, um romeno, ex-ministro, que recebia dinheiro para colocar emendas que serviam para beneficiar empresas nos relatórios.
Quando isso se descobriu, ele foi expulso do grupo e foi julgado [Adrian Severin]. Suponho que já tenha cumprido pena na Roménia. Mas há outros casos.
Há casos gritantes de conflitos de interesse no Parlamento Europeu?
Há. Dou-lhe um exemplo. Quando eu fiz um relatório sobre a Arábia Saudita, a minha linguagem foi sujeita a muitas emendas que vinham das mesmas pessoas, o que dava a entender que estavam a fazê-lo a mando da Arábia Saudita. Entre esses deputados estava um português. Mas há muitos outros casos.
Esses casos foram identificados e resolvidos?
Alguns sim, outros não. Hoje há instâncias de observação das declarações de interesse dos deputados, que estão online, e de desconformidade, como deputados que acumulam lugares no Parlamento Europeu com lugares em conselhos de administração de empresas e que são regularmente denunciados. Não são ilegais, mas são estranhos.
E cá? A OCDE publicou recentemente um relatório nada abonatório para Portugal. Ficou surpreendida com as conclusões do relatório?
Não. Eu até achei que foi feito pela rama e é insuficiente. Relatórios do GRECO – Grupo de Estados Contra a Corrupção, por exemplo, são mais detalhados e significativos. Enfim, a OCDE nunca faz as coisas muito aprofundadamente, do meu ponto de vista. Neste caso, apesar de tudo, pôs o dedo em algumas feridas, designadamente nas questões da justiça, da falta de funcionamento da justiça e da infiltração da corrupção na justiça.
A justiça em Portugal não tem as ferramentas necessárias para combater a corrupção?
Não. E esse é um dos problemas que obviamente está na base do nosso atraso estrutural, da falta de investimento público e privado, isto é, da falta de investimento privado externo e do desperdício do investimento público.
A justiça é um dos grandes problemas, mas não só. Há falta de vontade política para combater a corrupção. Eu, por exemplo, discordei que o Estado português tivesse feito diligências para que não aparecessem no relatório casos que são do domínio público, como o do anterior primeiro-ministro.
Foi parolo e contraproducente pensar que por não estarem referidos determinados casos na versão final do relatório que ninguém ia notar. Deve-se assumir que há problemas e contribuir para explicar mais alguns problemas.
Eu sei que o Governo estava, talvez, com uma pedra no sapato por o responsável coordenador da OCDE ser um antigo governante do anterior governo – Álvaro Santos Pereira – mas a solução não era eliminar partes do relatório, mas sim pôr lá os exemplos dos casos de corrupção no governo de que esse senhor fez parte e que não estão até hoje resolvidos, como é o caso do apagão fiscal, da amnistia fiscal ou o caso da Tecnoforma.
Mas o que é que se pode fazer? Toda a gente sabe que o problema existe e persiste, mas não se faz nada…
O problema é político. Os políticos não assumem que há corrupção. E mais: é um tema desvalorizado pelos partidos do “centrão”.
Quem é que pode obrigar os partidos a assumir?
Nós, os cidadãos, expondo, indo atrás deles, exigindo contas, exigindo explicações, é isso que eu procuro fazer. Você pode ver as cartas que eu todos os dias envio à Comissão Europeia, ao Governo português, quer a este quer ao anterior.
Não me calarei e continuarei a usar as minhas capacidades e a minha voz para exigir contas e responsabilidades. Ainda ontem vi que o ministro Mário Centeno “tweetou” que tinha estado com a Sra. Lagarde e eu “tweetei” a perguntar se ele a tinha informado sobre o que é que o Governo anterior fez à “Lagarde list”, que continha as pessoas com contas no HSBC na Suíça e se algumas dessas pessoas foram levadas a tribunal e quanto é que Portugal recuperou desse dinheiro.
Esta é uma questão de que eu ando atrás desde 2009, regularmente, a importunar os ministros das Finanças com essas explicações.
Eles não me respondem, mas eu continuo a perguntar.
Em relação às entidades supervisoras da banca nacional há um grande défice de governance e conflitos de ética. Ficou esclarecida com as explicações de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, sobre os vários casos que envolveram a banca nos últimos anos?
Não. Eu até já escrevi à Comissão Europeia e ao Banco Central Europeu a dizer que esse senhor não tem condições para ficar à frente do Banco de Portugal. O Parlamento português assim não o entendeu, mas não é a minha opinião, lamento. É um caso de claro conflito de interesse e “portas giratórias”.
É extraordinário que Carlos Costa assuma que ia às reuniões da Caixa Geral de Depósitos para fazer número e que assinava de cruz. E é esta pessoa que depois chega a Governador do Banco de Portugal, que não vê certas questões como o caso da idoneidade de Ricardo Salgado, que mesmo antes da investigação do BES tinha recorrido ao RERT [Regime Excepcional de Regularização Tributária]. Só o Banco de Portugal é que não via uma patente falta de idoneidade daquele senhor.
Como vê o trabalho político no combate à corrupção?
O combate à corrupção é estratégico para o país e é necessário que os políticos vejam isso. Sobre o meu partido, acho um desastre para o país, sobretudo depois da instrumentalização a que o Partido Socialista (PS) se prestou no caso Sócrates, e aí temos um indivíduo que claramente utilizou um partido para montar uma estratégia de poder e corrupção.
O PS tinha a obrigação de estar na linha da frente do combate à corrupção e eleger isso como prioridade política, mas infelizmente não o faz.
Mas teve alguns membros que o tentaram fazer…
Sim, o João Cravinho, e cortaram-lhe as pernas. Mas há mais gente boa dentro do PS e é o PS que tem de liderar essa luta.
É a este tema que se vai dedicar agora?
Sim. Vou trabalhar com gente boa em todos os sectores, com a associação Transparência e Integridade, que está ligada à rede da transparência e integridade internacional que tem feito um trabalho importante de reunir operadores da polícia, magistratura, academia, da sociedade civil.
Eu sou associada e é com eles que tenciono assumir o papel de apoio com gente boa de outros países, como Angola, Moçambique, países que usam Portugal como lavandaria. Mas nunca irei perder de vista que este não é um problema só português, mas europeu.
Vou continuar a seguir os casos que segui, em particular o caso de Malta, o caso do Danske Bank, porque acho que depois acabamos por ver o reflexo destes casos aqui no nosso microcosmo. E, portanto, vou centrar-me nesta área que penso ser fundamental para a democracia e até para os direitos humanos.