Ainda que dê acesso à medalha de prata, várias pessoas acreditam que o segundo lugar numa competição desportiva não é motivo de celebração. É o primeiro dos últimos, diz-se. E talvez a origem desta teoria esteja na America’s Cup: a competição de vela onde não existe segundo lugar.
Confiante nas capacidades dos seus velejadores, a coroa britânica organizou uma corrida na Ilha de Wight em 1851. A rainha Vitória assistiu ao evento no iate real e, segundo a história, quando começaram a ver os americanos chegar em primeiro lugar, perguntou a um dos seus assistentes quem estava em segundo lugar: “Vossa majestade, não há segundo”, respondeu-lhe. A vitória americana acabou por dar nome a esta competição, e nasceu, assim, o troféu mais antigo do desporto mundial.
E a regra é só uma: o vencedor – o defender – leva tudo.
Hola, Barcelona!
Barcelona não se limitou a receber a America’s Cup, a cidade optou por fazer parte da competição. Durante a visita da Forbes Portugal à cidade isso ficou muito claro. Vai desde as bandeiras da competição e das equipas até às exposições, às lojas, à participação do público junto da sede de cada equipa no momento em que os atletas saem para a água, entre muitas outras coisas.
Impossibilitados de fotografar, para que nenhuma informação importante na competição escape, foi-nos possível visitar todas as salas do edifício da equipa Alinghi Red Bull Racing. Além do espaço comum, onde são feitas apresentações aos convidados e é possível ouvir sobre a experiência e trabalho de alguns dos membros das equipas, há três salas de grande importância: a das velas, a do mastro e a da restante estrutura do barco.
Bilionário vs. Bilionário
Quando as equipas se juntam para lutar pelo troféu numa determinada cidade, acaba por acontecer também uma reunião de bilionários. Os nomes por trás das equipas têm marcado presença na lista dos mais ricos do mundo da Forbes, de tal forma, que quase parece requisito para a modalidade: Das seis equipas em competição neste ano, quatro pertencem a bilionários.
Ernesto Bertarelli (Alinghi Red Bull Racing) é uma das pessoas mais ricas da Suíça, com uma fortuna superior aos 11 mil milhões de euros. Vencedor da America’s Cup em 2003 e 2007, herdou o gigante da biotecnologia Serono, fabricante do medicamento para a esclerose múltipla Rebif, após a morte do seu pai em 1998. Com a sua irmã Dona, expandiu a empresa para 2,4 mil milhões de dólares em receitas antes de a vender à Merck por mais de 13 mil milhões de dólares em 2007. Ernesto e Dona são copresidentes da Bertarelli Foundation, que se dedica à conservação marinha e à investigação no domínio das ciências da vida.
James Ratcliffe (INEOS Britannia) tem uma fortuna avaliada em cerca de 15 mil milhões de euros. O antigo engenheiro químico é o fundador, presidente e proprietário maioritário do Grupo Ineos. O conglomerado com sede em Londres produz tudo, desde óleos sintéticos e plásticos a solventes utilizados para fabricar insulina e antibióticos.
Patrizio Bertelli (Luna Rossa Prada Pirelli) está em 432.º na lista dos bilionários, com perto de 6 mil milhões de euros. Bertelli é o presidente e antigo co-CEO do império da moda Prada, juntamente com a sua mulher, Miuccia Prada, cujo avô fundou a empresa em 1913.
Por fim, Doug DeVos (NYYC American Magic), que surge na lista dos bilionários juntamente com a sua família, que além da equipa de vela também é dona dos Orlando Magic, da NBA. Juntos têm uma fortuna de 4,8 mil milhões de euros.
Sucesso comercial
Historicamente ligada à realeza e com o favoritismo de algumas das pessoas mais ricas do mundo, não é de estranhar que a America’s Cup tenha ficado conectada a um estilo de vida mais luxuoso e exclusivo. Ao mesmo tempo, o lado desportivo apela a características como o foco, a motivação e a braveza. Tudo isto nota-se, também, no interesse das marcas.
A relojoeira suíça TUDOR, por exemplo, é uma das que marcam presença no evento, como parceira principal da Alinghi Red Bull Racing. “Participar na America’s Cup, o evento de vela mais importante do mundo e há muito estabelecido no mundo do desporto, requer visão, inovação e audácia. Foi este espírito que levou a TUDOR a unir forças com a Alinghi Red Bull Racing, uma equipa composta pela lendária bicampeã da America’s Cup, a Alinghi, e pela grande potência desportiva, a Red Bull Racing, que irá navegar sob a bandeira da Société Nautique de Genève. A TUDOR vive deste espírito ousado desde a sua génese, há um século”, lê-se no website da marca.
Mas não é a única a ter interesse no evento. A Louis Vuitton começou a patrocinar o evento em 1983, e neste ano aparece até no nome: Louis Vuitton 37th America’s Cup. Puig, a empresa de moda e beleza com sede em Barcelona, é parceira global do evento e a parceira oficial da designação da primeira edição da Puig Women’s America’s Cup. A Prada é o copatrocinadora da equipa italiana Luna Rossa Prada Pirelli. A L’Oréal é parceira da equipa feminina francesa Orient Express Racing Team.
A competição
A America’s Cup começa com as regatas preliminares, uma espécie de aquecimento antes da disputa final. A competição estão: o defender, Emirates Team New Zealand; o challenger, INEOS Britannia; e as equipas Alinghi Red Bull Racing, NYYC American Magic, Luna Rossa Prada Pirelli e Orient Express Racing Team. Os pontos obtidos durante esta fase não contam para uma eventual eliminação ou progressão na competição.
No total, a America’s Cup consiste em cinco eventos: Barcelona Preliminary Regatta, Louis Vuitton Cup, Unicredit Youth America’s Cup, Puig Women’s America’s Cup e, finalmente, a Louis Vuitton 37th America’s Cup. Nesta fase final, o defender defronta o vencedor da Louis Vuitton Cup. Como mencionado anteriormente, não há segundo lugar. Daqui sai um vencedor e um derrotado. Cada regata vale 1 ponto, e a primeira equipa a marcar 7 pontos será o defensor da 38.ª America’s Cup. Por esta altura, também uma equipa se está a preparar para desafiar o vencedor e se tornar o challenger da próxima edição. Em conjunto, as duas equipas decidem tudo da próxima America’s Cup: Onde se realiza, quando, com que barco, com quantas equipas, entre outras coisas. O vencedor, realmente, leva tudo.
“As regras têm vindo a mudar consideravelmente”, confessa Ernesto Bertarelli durante a visita da Forbes Portugal a Barcelona. “A desvantagem disto é que tivemos edições muito boas, como em Valência, em que tivemos 12 equipas, e edições em que tivemos menos equipas. Houve edições muito competitivas, porque o barco não mudou durante 25 anos, então os barcos foram-se aproximando, e a competição tornou-se melhor, e edições em que o barco foi completamente mudado e a genialidade de um engenheiro conseguiu fazer a diferença tornando um barco muito mais rápido que o outro.”
Presente e futuro
“Vocês têm lutado muito pelos vossos direitos”, começa por dizer Matias Bühler, treinador das equipas feminina e jovem da Alinghi Red Bull Racing, quando questionado pela Forbes sobre o papel das mulheres na modalidade. E a prova de que a luta tem dado frutos é o facto de no seu país (Argentina), quando o treinador estava a começar na modalidade, as mulheres não terem acesso aos clubes de vela, e hoje terem uma competição feminina na America’s Cup.
São pequenos passos, uma vez que nada impede homens e mulheres de competirem juntos nesta modalidade, mas ainda assim a única oportunidade encontrada foi uma competição exclusivamente feminina. Mas Matias Bühler acredita que desta forma as atletas poderão mostrar as suas capacidades e, mais tarde, será a performance a falar por si. Por agora, a equipa opta por juntar a equipa principal feminina não com a masculina, mas, sim, com a jovem.
“Eu não vejo mais desafios para as mulheres do que para os jovens. Aqui na equipa temos uma agenda para as mulheres e os jovens, olhamos para eles como uma unidade. Eles terão diferentes regatas, mas nós temos um programa. Nós somos naturalmente diferentes, e eu acho que uma das minhas tarefas é juntar as peças e tirar benefícios das diferenças”, diz o treinador.
(Artigo publicado na edição de outubro/novembro 2024 da Forbes Portugal)