O panorama mundial, em 2021, vai contar com um novo protagonista cujas decisões poderão ter repercussões económicas e políticas além-fronteiras. Será o arranque, a 20 de janeiro, da nova administração de Joe Biden nos Estados Unidos depois de ter derrotado Donald Trump nas eleições de 3 de novembro.
Além do início da nova presidência norte-americana, continua a expetativa de se perceber qual vai ser o papel da China no panorama económico, sem esquecer outros protagonistas como o Brasil ou o Japão.
Questionado sobre o impacto da nomeação de Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris, o professor catedrático João Duque começa por salientar que “não sei se Biden será um grande promotor da economia mundial”. Mas o também economista acredita que “se forçar a alteração do uso de recursos naturais e das fontes energéticas já terá uma excelente contribuição. Penso que ele vai atuar nessa área”.
Já o Head of Investments da gestora de ativos Sixty Degrees, Nuno Sousa Pereira, admite que o programa de governo da nova Administração “inclui várias viragens da política económica central americana”. Nuno Sousa Pereira antecipa que a economia será mais alinhada com as preocupações ecológicas e alterações climáticas, com o corte radical de algumas parcerias público-privadas, com o aumento dos benefícios sociais e com um aumento generalizado de impostos. Mas alerta que, se num primeiro momento, algumas destas políticas podem parecer atrativas, “mantemos as nossas reservas no sentido, em que, poderão implicar um esforço financeiro elevado por parte dos diversos agentes económicos que poderão diminuir o papel do dólar na economia mundial, enquanto moeda reserva”. “Isto será ainda mais importante numa altura que a China poderá ultrapassar os EUA, enquanto maior potência económica do mundo, e onde tudo fará para que a sua moeda passe a ter tenha um papel mais relevante nas transações internacionais”, conclui Nuno Sousa Pereira.
O resultado das eleições nos Estados Unidos tem vindo a ser bem aceite pelos mercados financeiros internacionais. A convicção é do presidente do Montepio Crédito, Pedro Gouveia Alves, que lembra ainda que “da teoria económica resulta que a promoção do comércio internacional beneficia todos os agentes económicos. Até ao início desta crise sanitária, a economia mundial vinha experimentando um período contínuo de crescimento”. Pedro Gouveia Alves salienta que um discurso mais moderado, aberto ao estabelecimento de cooperação e de aprofundamento das relações internacionais, “é propício à construção de um clima de estabilidade e de redução da incerteza”. Pelo que, os mercados esperam que a Administração Biden “recentre o importante papel dos Estados Unidos no mundo, no desenvolvimento económico centrado em tecnologias limpas, amigas do ambiente, na ciência e na promoção do conhecimento”, detalha ainda o presidente do Montepio Crédito.
O incontornável mercado de consumo chinês
A China é cada vez mais um país incontornável no panorama mundial. Nuno Sousa Pereira, Head of Investments da Sixty Degrees, salienta que “potencialmente, a China representa o novo grande mercado de consumo deste século”. No entanto, o gestor destaca que este consumo é feito de um modo muito centralizado e controlado, “onde as empresas incumbentes no mundo ocidental, quando têm acesso ao consumidor chinês, enfrentam uma elevada concorrência de empresas locais, financiadas pelo Estado chinês e com elevado acesso a tecnologia”. A guerra comercial com os EUA, muito impulsionada por Donald Trump, poderá, nas palavras de Nuno Sousa Pereira, conhecer uma pausa. “Mas é inevitável que estas duas potências se continuem a agredir económica e comercialmente, lutando por uma posição hegemónica no xadrez mundial”, alerta ainda o gestor da Sixty Degrees.
Também o presidente do Montepio Crédito, Pedro Gouveia Alves realça o papel incontornável da China na economia mundial. “Industrializou-se, está a criar a sua classe média e, por sua via, o seu mercado interno de consumo”, diz o presidente do Montepio Crédito que acredita ainda que o país “irá reforçar o seu papel, não só ao nível da produção de bens transacionáveis, mas também no aperfeiçoamento do conhecimento e da investigação, o que não ocorria há umas décadas”. Pedro Gouveia Alves defende ainda que “a administração norte-americana terá de fazer uma reflexão sobre o seu papel enquanto país que continua a liderar o consumo”. O gestor acrescenta ainda que “provavelmente, o seu desafio passará por se focar na promoção do conhecimento, da ciência, da inovação tecnológica que caracteriza aquele país na geração de valor, e cujas marcas tecnológicas líderes mundiais são disso um bom exemplo”.
Países emergentes sem margem de manobra
Sobre outros potenciais influenciadores no xadrez mundial, Nuno Sousa Pereira refere que outros países têm um alcance limitado na sua ação individual. “Os países emergentes, que enfrentam uma crise sanitária mais alargada devido aos efeitos do coronavírus, perderam muitas das suas receitas em “hard currency”, nomeadamente volume de matérias-primas e turismo”, explica o Head of Investments da gestora de ativos Sixty Degrees. E acredita que, durante 2021, tentarão manter as suas indústrias extrativas a funcionar e lidar com os problemas internos.
No caso do Brasil, detalha que um desses problemas é “o crédito malparado que poderá crescer fruto da pandemia, além da dinâmica do preço do petróleo e de outras matérias-primas que lhes proporciona o acesso a divisas”. O gestor da Sixty Degrees explica ainda que a política interna tem levado à saída de grandes fortunas do Brasil, deixando o país menos capitalizado.
Já no que se refere ao Japão, Nuno Sousa Pereira sublinha que, “sendo um mercado muito voltado para si próprio e com elevadas barreiras à entrada, poderá ser importante numa aliança Indo Pacífica, na qual os EUA têm vindo a trabalhar, com o objetivo de conter as aspirações territoriais chinesas”.
Olhando para os países europeus, a mesma fonte lembra que enfrentam desafios muito próprios. Nuno Sousa Pereira destaca o “crescente descontentamento popular face à governação até agora maioritária da União, com a definição da relação comercial com o Reino Unido e com o espetro de um problema sistémico no sector financeiro devido ao volume de empréstimos com problemas ainda não resolvido na totalidade, desde 2008/2009, e agravado pela corrente crise”.