A parceria entre a arquitetura e a moda parece um pouco improvável, mas faz todo o sentido. Não só porque já deu frutos, uma vez que a Salsa lança esta terça-feira uma coleção em conjunto com Álvaro Siza Vieira, mas também porque as duas áreas têm as suas semelhanças. “A arquitetura é uma área muito engraçada e tem muitos pontos de contacto com a moda. Nós vemos na parte da criatividade, há muito aquele rasgo inicial, a ideia, mas até aquilo aparecer dá muito trabalho a seguir. A arquitetura é exatamente igual. Apesar de serem mundos que parecem muito diferentes, falam uma linguagem muito próxima. Foi muito engraçado descobrir isso nesta colaboração”, diz Hugo Martins, CEO da Salsa Jeans, à FORBES.
A coleção foi buscar inspiração ao tradicional bestiário, um tipo de literatura ligada aos animais reais e imaginários. O grande protagonista aqui é o burro, que a marca descreve como um símbolo de “capacidade de trabalho e consistência, que reflete a própria natureza da marca e também representa o legado do arquiteto, que celebra seus 90 anos este ano”. A ligação a Portugal está bem marcada nas cores da coleção. A base neutra combinada com o azul são uma homenagem aos azulejos.
“Sentimos a necessidade de recuperar um pouco do que estava nas raízes da marca, fomos ver o que nos distinguia e perceber como é que isso poderia ser ou não relevante”, afirma Hugo. “Para ele [Siza Vieira] foi evidente por onde é que tinha de ir. Acho que o mais mágico é como a ideia que ele tem encaixa tão bem com a parte de base que tínhamos. A ideia de base para a coleção já era um território onde aquilo assentou perfeitamente”.
O processo foi mais ou menos assim: A marca tinha a ideia base, que mais tarde explicou ao arquiteto. A partir daí ele começou a lançar ideias a puxar inspiração. O que se segue é um processo interativo, em que cada lado contribui dentro dos temas que entende melhor.
“Foi muito orgânico, não dava um livro de negócios a maneira como a cápsula evoluiu. É um processo conjunto, mas muito simples. Existem sempre coisas que são pequenas regras que ele pode passar. Imagina: ‘eu faço-te um desenho, mas não podes quebrar o meu desenho’ ou ‘a minha assinatura não tem de ter destaque, não podes usar por fora’. Aí tens de respeitar a visão de quem concebeu a ideia artística e o registo da peça. Cada um tem de perceber onde é que é a sua especialidade. Tal como ele não me vai dizer para eu não coser com determinada linha”, explica Hugo.
Para o arquiteto, trabalhar peças de roupa foi uma novidade: “Esta colaboração é importante porque já desenhei para muitos projetos, mas nunca para roupa. É uma nova experiência, quando me pediram isto sabia que, no fundo, ia dar identidade a estas peças de roupa. Lembrei-me de que o bestiário é uma fonte sem fim de motivos, e, por isso, desenhei alguns para que pudessem ser incorporados nesta coleção”, conta à FORBES.
O resultado foi uma coleção composta por duas peças de jeans, um casaco em denim, t-shirts, sweatshirts, tote bag, estojo, manta, necessaire, termo, caneca e notebook. O preço destas peças começa nos 19,95 euros e vai até aos 119 euros.
E aqui sim, um pouco inesperado. É que a Salsa não é uma marca que facilmente o público associe a alguns destes produtos. A decisão de os incluir está relacionada com aquilo que já tinham conseguido observar em coleções cápsula passadas. “Sentíamos que nessas cápsulas atraiamos pessoas que não eram clientes da Salsa, que gostavam da imagem, mas que se calhar não estavam disponíveis para fazer esse primeiro compromisso com uma peça mais normal. Eu não me posso esquecer que vendo jeans a 90, 100 euros”, diz o CEO da marca.
Ao mesmo tempo, o momento assim o ditou. A instabilidade dos últimos anos, devido à pandemia causada pela covid-19, a invasão russa na Ucrânia, a crise inflacionaria, económica e de habitação, obriga as marcas a pensar em três coisas: Questionar se o que estão a fazer hoje será relevante no futuro, questionar o ‘porquê’ de tudo e tentar ter um “terreno de jogo o mais amplo possível”.
“Se estás numa altura em que o contexto é muito difícil, teres a noção que podes trabalhar em muitas dimensões é muito importante. É o pior momento em que podes decidir: ‘eu estou aqui nesta minha caixinha, vou continuar até ao fim’. Vai correr mal. Se o contexto é adverso, já estás a trabalhar para um potencial limitado, porque tens uma série de dimensões que já não estão a teu favor, o mercado já não vai ter tantas pessoas, não há tantas compras, vai haver políticas mais restritivas. É um momento em que é ainda mais importante que as equipas tenham noção que podem fazer coisas diferentes”, conclui Hugo.