Apaixonada desde criança pela área da criminologia, quis o destino que a sua carreira tomasse outro rumo. Alexandra Andrade, 44 anos, country mananger da Adecco em Portugal, confessa que a literatura criminal, de autores como Agatha Christie ou Artur Conan Doyle sempre a fascinou e que gostaria de ter seguido a profissão de inspetora da Polícia Judiciária. O que a deliciava era perceber o que leva uma pessoa a tomar determinadas decisões na vida, que vão marcar para sempre o seu futuro, e de que forma poderia ajudar a sociedade. Confessa que ser útil a fazia sentir-se empoderada, mas acabou por lidar com pessoas de outra forma, através da área de Recursos Humanos, onde acaba também por pôr também em prática os ensinamentos da criminologia, ao estar atenta a todos os pormenores da comunicação corporal das suas equipas. “A investigação criminal fez-me estar atenta aos pequenos detalhes do comportamento humano, de sentir quando a pessoa está stressada, quando a pessoa está feliz ou não, quando quer falar e não consegue porque tem medo. Nesse aspeto ajudou bastante”, diz.
Desenvolveu, ao longo da sua carreira, um estilo de liderança empática, uma liderança positiva com segurança psicológica, orientada para o apoio, para a entreajuda, onde o risco e o erro são aceites. Atualmente está a conduzir os destinos da Adecco Portugal, empresa de soluções de Recrutamento e Recursos Humanos, que fatura cerca de 175 milhões de euros no nosso mercado, e está a crescer a bom ritmo.
Os primeiros anos profissionais
Alexandra Andrade nasceu no Barreiro no seio de uma família trabalhadora e humilde, com uma costela alentejana e outra nortenha, sendo a mais nova de três irmãs. Os pais trabalharam com afinco para cuidar das três filhas e para que estas pudessem estudar e ter oportunidades que os próprios não tiveram. Frequentou a escola pública, mas teve acesso a uma boa educação familiar, baseada na entreajuda. “A minha mãe tinha sete irmãos, em que os irmãos mais velhos cuidavam dos mais novos, e o meu pai ficou órfão muito jovem e também cuidou das suas irmãs. Portanto, é uma família de origem muito trabalhadora e muito orientada para entreajuda entre as pessoas”, recorda.
Fascinada pela investigação, lia tudo sobre o tema, fazia as suas próprias análises e sonhava acordada com as histórias dos romances policiais que a acompanhavam desde criança.
Quando acabou o ensino secundário foi estudar para Lisboa, para seguir o curso de Sociologia, que frequentou na Universidade Moderna. Mas o sonho da criminologia não a largava e acabou, mais tarde, por frequentar uma especialização em Criminologia, na Escola Superior Egas Moniz, no Campus Universitário do Monte da Caparica, em Almada. Recorda que era, na altura, a mais jovem e a única recém-licenciada e que os colegas eram da Polícia Judiciária (PJ), da PS ou do SIS, e que a acolheram muito bem. Foi ali que aprendeu os meandros da investigação criminal. “O meu sonho era ser inspetora da PJ, mas para andar no terreno e não fechada num gabinete. Gostava muito dos crimes de colarinho branco e das infrações económico-financeiras”, recorda Alexandra Andrade.
Fascinada pela investigação, lia tudo sobre o tema, fazia as suas próprias análises e sonhava acordada com as histórias dos romances policiais que a acompanhavam desde criança. “Sonhava em ajudar a combater uma parte da criminalidade. Por isso, quando terminei o curso de Sociologia fui estagiar para o Ministério da Justiça, para a área de delinquência juvenil, que foi o tema que desenvolvi na minha tese”, recorda. Porém, foi aqui o princípio da inversão de rumo para quem tinha uma imagem sonhadora do assunto: “foi um duro golpe de realidade perceber que não havia mecanismos suficientes de ajuda a estes jovens, que por falta de oportunidades acabavam mesmo por se tornar delinquentes”.
Quando acabou a especialização em Criminologia o caminho começa a dividir-se: ou seguia o curso de inspetora da Judiciária ou aceitava uma proposta para uma multinacional de Recursos Humanos, com uma componente mais comercial, que também lhe agradava muito. “O meu coração ficou muito dividido. Por um lado, os meus pais tinham um pequeno negócio, e eu queria esta componente mais negocial, por outro, gostava de seguir a minha paixão”, diz. Porém, alguns colegas do curso, já ligados às forças policiais, explicaram-lhe que seria difícil iniciar a carreira e ir para o terreno, sobretudo para as mulheres, que ficam mais pelo trabalho de gabinete. Como já se sentira impotente no estágio do Ministério da Justiça, acabou por perceber que talvez não fosse feliz nesta área e que o melhor seria aceitar a proposta da Randstad. No início foi só um estágio não remunerado, mas sentia-se muito feliz por ter sido selecionada – apesar de ressalvar que não foi a primeira opção -, pois mostra que apesar de não ter o curso mais recrutado, o de Psicologia, nem ter frequentado uma das universidades mais conceituadas, ainda assim tinha oportunidades de carreira.
Aprender com os mais experientes
Na Randstad foi muito feliz, e esqueceu-se completamente da criminologia, confessa. Continuou a ler como hobbie, mas não se sentia nada frustrada, porque tinha uma função que gostava, pois ajudava pessoas a encontrar o seu sonho. “Quando ligava a um cliente a dizer: encontrei um trabalho para si, era um balão de oxigénio, sentia que o que fazia podia ajudar a vida de alguém. Estive lá quatro anos”, diz.
Daqui seguiu para a Michael Page, uma empresa também na área do recrutamento e seleção, esta mais especializada. Sentia-se orgulhosa pelo convite, pois o seu nome surgiu por menção dos próprios clientes, o que mostrava que o seu empenho era compensado. Porém, por estar numa área muito especializada, acabou por se sentir um pouco presa e aceitou o desafio do Grupo Espírito Santo para a MSearch, uma empresa na área de recrutamento e seleção que ajudou a contruir do zero. Tinha então 28 anos. “Foi iniciar uma marca de raiz, criar um business plan, uma imagem, e eu sentia-me um pouco a brincar às empresas, pois era bastante jovem, e tinha apenas cinco anos de experiência profissional”, graceja. Tinha pouca experiência, mas tinha uma característica muito valorizada: “tinha muita vontade, e uma personalidade muito orientada para a minha palavra, o que digo que vou fazer faço e não descanso enquanto não fizer”.
“Eu não era da área financeira, era bastante jovem, e fazia um esforço para que as minhas conversas fossem de política, de futebol, porque era um ambiente muito tradicional. Mas, no fundo, senti que me ouviam, e que me respeitavam”, diz Alexandra Andrade.
Esta foi uma experiência marcante, que lhe trouxe conhecimentos de liderança: rodeou-se de pessoas que já conhecia da Randstad e da Michael Page e criou uma equipa bastante jovem, muito orientada para o sucesso da marca. Encontrou aqui um desafio acrescido: era a única mulher no comité da direção, composto essencialmente por homens da banca. “Eu não era da área financeira, era bastante jovem, e fazia um esforço para que as minhas conversas fossem de política, de futebol, porque era um ambiente muito tradicional. Mas, no fundo, senti que me ouviam, e que me respeitavam. Aprendi muito com esse grupo de pessoas, mais seniores, e tentava não os desapontar. Por esse motivo, esforçava-me duas vezes mais, para dignificar a aposta que fizeram em mim”, recorda. Porém, confessa que nesta fase tinha uma liderança mais orientada para resultados, e “a minha mente ainda era um pouco rígida porque não sabia fazê-lo de outra forma”.
Rumar a Espanha de armas e bagagens
O seu maior projeto de vida surgiu em 2015: a aventura de ser mãe. Nesta fase de maior trabalho pessoal, foi quando ficou também com maior responsabilidade profissional: além da MSearch surgiram duas novas empresas do grupo para gerir. Ainda a deliciar-se com o seu rebento, decidiu aceitar um novo desafio: o convite da Adecco para iniciar uma nova área de negócio em Portugal, a Spring Professional. Talvez não fizesse muito sentido a mudança, já que já tinha sete anos de experiência na construção de uma marca de raiz, mas queria ter uma experiência internacional, e nesta empresa isso seria possível. E foi: “Criei a Spring Professional, e ao fim de nove meses, o presidente da região, diz-me que precisavam de alguém para ajudar reestruturar a Spring Professional em Espanha, que era cinco ou seis vezes maior do que em Portugal”, conta.
Embora tivesse um bebé – e um cão – falou na proposta em casa, o marido gostou da ideia, e embarcaram à aventura, rumo a Madrid. Apesar da barreira inicial do idioma – Alexandra mal falava espanhol, e os colegas pouco falavam inglês – foi um projeto que correu muito bem, e no qual sente que cresceu imenso. Criou uma equipa interessante, onde sempre se sentiu acolhida, mesmo no comité da direção, onde era a mais jovem. “Conectei-me emocionalmente com a empresa e senti muito apoio. Eu que, muitas vezes sentia medo de ser despedida, de não cumprir objetivos, percebi que ali estava segura, que confiavam em mim”, diz Alexandra.
Desenvolveu em Espanha o seu foco na liderança empática, construída pela positiva, orientada para o apoio e entreajuda, onde o erro é aceite, em que todos sentem que são um motor da empresa e que têm o acesso democratizado ao poder.
Foi aqui que começou a desenvolver um estilo de liderança positiva e muito centrada nas pessoas, “com segurança psicológica, um conceito que acho extremamente importante porque como não tive segurança psicológica durante quase toda a minha vida, percebi que quando temos bem-estar, devolvemos de uma forma única, contribuindo para o sucesso da empresa”.
Desenvolveu em Espanha o seu foco na liderança empática – ter feito o curso de coaching para top managers em 2016, também ajudou a definir este perfil -, construída pela positiva, orientada para o apoio e entreajuda, onde o erro é aceite, em que todos sentem que são um motor da empresa e que têm o acesso democratizado ao poder. “Nós não somos um ser pessoal e um ser profissional, adaptamos a nossa forma de estar num contexto ou noutro, mas somos a mesma pessoa. As pessoas da minha equipa inspiravam-se uns aos outros, todos tinham voz, sempre em contexto de aprendizagem constante e consegui assim reduzir o turnover e aumentar a produtividade, pois estávamos todos orientados para o mesmo objetivo”, recorda. Assim, tal como fizeram consigo, faz com a sua equipa: “deram-me oportunidades sem ter experiência para ser chefia, só confiando no meu potencial, por isso eu vou deixar de ser castradora. Sempre que vem alguém com potencial, e que queira desenvolver mais, eu não vou dizer que não”.
O regresso a Portugal
Cinco anos depois de estar em Madrid surgiu um novo desafio profissional: gerir a área de recrutamento e seleção especializada em Espanha e Itália, mas como Itália é um mercado maior teria de se mudar para lá. Ali a vida não lhe correu tão bem, porque o seu filho, criado em Espanha, não se adaptou ao colégio nem ao país, e como não estava bem a nível familiar, acabou por abraçar o desafio de regressar a Portugal, assumindo, em abril de 2022, a função de country manager da Adecco em Portugal.
Apaixonada por África, Alexandra vibra com a alegria e o sorriso contagiante da população, que vive com poucas condições.
Inicialmente teve receio de não ter em Portugal, uma estrutura com 350 pessoas, as mesmas ferramentas que tinha em Espanha e Itália. Itália, que fatura cerca de 3,5 mil milhões de euros, tem uma equipa de 3.500 colaboradores e Espanha, com um volume de negócios de 1,1 mil milhões de euros, tem mil e tal pessoas, pelo que o mercado nacional poderia ser mais complicado. Arregaçou as mangas e disse: “Não temos as ferramentas, mas sabemos fazer o negócio como ninguém e com menos investimento. Vamos copiar as boas práticas, mas vamos fazer melhor, pois queremos ser best in class em tudo”. O negócio fatura em Portugal cerca de 175 milhões de euros e cresce a dois dígitos, com investimentos na área das soluções, na inovação, e em tudo o que são novas tecnologias e metodologias de atração de candidatos.
Como não acredita em lideranças femininas ou masculinas, mas num equilíbrio de géneros, faz um match perfeito com o seu colega da área financeira, um francês de 34 anos, com quem aprende imenso. “É bom existir o feminino e o masculino, ambos são diferentes e essas diferenças são extremamente importantes. É necessário maximizar essas diferenças, tanto no homem como na mulher, e tirar o melhor de cada um”, explica.
Apaixonada por África, Alexandra vibra com a alegria e o sorriso contagiante da população, que vive com poucas condições. “Cabo Verde é um sítio que me enche sempre o coração quando preciso carregar baterias”, revela. A sua viagem de sonho, essa é ao Tibete, que já está planeada e deverá acontecer brevemente.
(Texto publicado na edição de abril/maio da Forbes Portugal)