Opinião

Além da AI: A ascensão silenciosa do Social Commerce que ameaça a Google

Filipe Sousa

A Google tem dominado a era da internet durante mais de duas décadas. Qualquer intenção, seja de produtos, notícias ou simples receitas, passa(va) pelo motor de busca.

Possivelmente, o leitor já estará a pensar “pois, mas eu atualmente peço receitas ao ChatGPT”. Se não o faz, provavelmente deveria experimentar tirar uma foto ao frigorífico e perguntar o que pode fazer para o jantar nos dias em que estiver menos criativo.

O que é que esta simples mudança de parceiro na cozinha indicia? O óbvio: a hegemonia da Google nas pesquisas começou a ser contestada. No mínimo, o zero-click search e o processo de transformação do tráfego e publicidade parecem imparáveis com os utilizadores a deixarem de ter de carregar em links para encontrar as respostas que procuram.

No entanto, este artigo não é sobre essa tão mediática e esmiuçada frente de batalha da Google. É sobre outra nova enorme ameaça que a Google tem no seu horizonte: a ascensão do Social Commerce.

A nova jornada do consumidor: do scroll à compra. Sem Google

A tradicional jornada de compra com origem em redes sociais é pacífica para a Google: o consumidor vê algo numa rede social, pesquisa no Google, visita o site da marca e compra.

O problema é que esta jornada parece estar a caminho de ser substituída, sendo encurtada e completamente internalizada pelas redes sociais, deixando a Google (e o próprio site) fora de jogo, incluindo com a internalização da distribuição, tal como fez a Amazon, criando um ecossistema completamente fechado in-app.

China: o líder e impulsionador da mudança

É importante reforçar que esta ameaça não é derivada de nenhuma transformação tecnológica recente, ao contrário da AI. O conceito teórico de “walled garden” (ecossistema fechado) é antigo e já teve um use case global de sucesso no Ocidente (Amazon), mas a China levou-o para outro nível.

A incorporação dentro de Social Media não é uma novidade, uma vez que a Douyin (versão local do TikTok) tem uma escala muitas vezes superior ao TikTok e tornou-se um dos maiores players de e-commerce na China há quase 5 anos, sendo concorrente direto de gigantes como o Alibaba ou o Pinduoduo (ou, como é mais conhecida internacionalmente, a Temu – mais um gigante chinês que trabalha com ecossistema fechado). Era uma questão de tempo até a China trazer o Social Commerce para o mundo ocidental. E chegou através do TikTok.

TikTok Shop: o início do Social Commerce no Ocidente

O TikTok Shop já está operacional em vários mercados-chave como os EUA (onde rapidamente também se tornou líder em Social Commerce). Expandiu operações dentro da Europa em Março com a ativação em França, Itália e Alemanha, além de UK e Espanha. Ainda não há planos de expansão para Portugal.

A plataforma integra discovery, vídeo, loja e checkout num só fluxo, tudo dentro da própria app. Permite vendas até dentro de lives. E o “Fulfilled by TikTok (TBT)” garante a gestão direta da distribuição.

O TikTok tornou-se assim não apenas um forte concorrente da Meta, mas também da Google e da Amazon.

Instagram: reforço no motor de busca, mas o checkout nativo foi um fracasso

A Meta iniciou uma corrida atrás do prejuízo, tendo apostado em seguir o caminho do TikTok. O Instagram tem melhorado a sua barra de pesquisa com foco em produtos e localizações, aproximando-se de um “motor de busca”. Além disso, investiu muito no Instagram Checkout, mas anunciaram em Jun/25 um passo atrás nesta estratégia: irão descontinuar em Ago/25 com graves dificuldades e custos na gestão operacional.

Este passo atrás deixa o TikTok praticamente a solo na missão de provar que o Social Commerce (pelo menos o conceito chinês) também pode funcionar no mundo ocidental.

O que está em jogo: dados, atenção e conversão

A principal ameaça aqui não é apenas a perda de tráfego, mas a perda de contexto e dados first-party. Plataformas como Meta e TikTok estão e irão aumentar a captura de dados de intenção, descoberta e compra, sem intermediários. Isso permite uma publicidade mais eficaz, com ROI superior, e consequentemente no futuro poderá tornar menos atrativo o modelo de anúncios por palavras-chave da Google.

Como tem reagido a Google às ameaças?

O negócio das redes sociais, ao contrário da AI Generativa, não nasceu “ontem” e a Google tem um histórico brutal de mais de 2 décadas de tentativas nas redes sociais, acumulando invariavelmente mais fracassos que sucessos:

Orkut, Google Buzz, Google+, Schemer, Photovine, Shoelace, Google Spaces, Google Currents ou Google Wave foram alguns dos projetos relacionados.

O desafio das redes sociais é complexo: não é apenas sobre ter shopping ou toda a cadeia de valor fornecida pelo TikTok (e o Instagram não conseguiu encontrar uma forma viável de implementar), mas também sobre a capacidade de reter a atenção das pessoas.

A aposta nos Shorts pelo YouTube (que integra o grupo da Google) têm tido sucesso, reforçando o YouTube enquanto plataforma de partilha de vídeos, no entanto continua sem conseguir replicar o tipo de engagement social nem o volume de vendas in-app do Instagram ou TikTok, reforçando a ideia que dificilmente se tornará “a” rede social principal das pessoas.

De recordar que a Google fracassou também a tentar replicar o ecossistema fechado com o Google Shopping Actions (que surgiu como resposta à ameaça da Amazon) onde enfrentou alguns dos desafios que também fizeram a Meta recuar.

O que se pode esperar?

Se assumirmos que o mercado chinês será ilustrativo do que acontecerá no mundo ocidental (e essa é uma grande dúvida), então confirmar-se-iam as más notícias para a Google: durante muitos anos, a Baidu (“Google” chinesa) teve um domínio quase tão absoluto no search na China como a Google no Ocidente, tendo descido a sua quota de search de 75-80% há 10 anos (próximo dos valores da Google) para atuais 50-55%. E porquê? Precisamente porque a pesquisa “democratizou-se” e começou a acontecer dentro deste tipo de apps.

E é exatamente aqui que está a verdadeira pergunta: mesmo ignorando o efeito da AI, estaremos perante o fim gradual do monopólio de search da Google?

Não são dois casos iguais, até porque a Google foi mais bem-sucedida a expandir o seu ecossistema (hoje é mais do que um motor de busca) e as dificuldades da Meta podem indiciar que as dificuldades do mercado ocidental serão maiores, no entanto a ameaça específica à quota de search é evidente. E a AI não promete vir desacelerar essa fragmentação.

Filipe Sousa
Head of Growth na Zumub

 

Artigos Relacionados