Quase dez minutos após descermos no elevador do último piso do edifício que foi a sede da EDP e agora se veste de laranja, Alberto Ramos chega. Desculpa-se por nos ter feito esperar, mas usou as escadas.
“É uma maneira de encontrar as pessoas”, explica, sorridente, este portuense, após a conversa de duas horas que tinha acabado de ter com a FORBES sobre a banca e especificamente o banco que lidera desde Setembro de 2017, o Bankinter Portugal.
Se na transição profissional do Banco Espírito Santo (BES), onde existia muito formalismo e peso das hierarquias, para o Barclays, em 2006, estranhou a informalidade entre hierarquias – “num primeiro momento chocou-me, mas percebi rapidamente que isso nada tem a ver com respeito e com o trabalho que cada um tem de fazer dentro da organização”, diz à FORBES –, hoje, no banco que comprou a operação do Barclays em Abril de 2016 e, mantendo igual matriz, garante gostar e cultivar essa informalidade. “Fico muito satisfeito quando as pessoas se dirigem directamente, me abordam, seja para questões profissionais ou pessoais. Não há razão para ser de forma diferente”, defende.
Um cenário muito distinto do de há 24 anos, quando o BES o foi recrutar à faculdade. Alberto, ainda com 23 anos, disse ao pai, bancário de toda a vida, que iria chegar a director do banco antes dos 30.
Era o seu primeiro dia de trabalho e o pai sorriu. Alberto atingiu o objectivo aos 27 anos e, desde aí que deixou de alvitrar projecções de carreira. Em Setembro de 2017, com 23 anos de banca, assumia a direcção da divisão portuguesa do Bankinter. “Gosto muito de atingir os objectivos, de os ultrapassar, de metas ambiciosas, de trabalhar em equipa – não há outra forma de atingir resultados extraordinários. Procuro entusiasmar-me com o que faço e vir todos os dias animado para o trabalho”, remata. Assim, não nos surpreende que diga que já chegou a ficar fechado no banco porque a segurança julgava que mais ninguém estava a trabalhar no edifício.
O banco das PME
Banco de matriz empresarial, o Bankinter tem em Portugal uma situação inversa, onde 70% dos clientes são particulares. Algo que advém do negócio herdado do Barclays, que desinvestiu no negócio com empresas. “Esta quota vai, tendencialmente, ao longo do tempo, equilibrar, mas o equilíbrio nunca será feito a uma velocidade elevada porque o negócio dos particulares também está a crescer exponencialmente”, antevê.
O início da operação, após 1 de Abril de 2016, fez-se com construção da oferta, ferramentas e processos para crescer entre as empresas. Este ano, conta, “está a ser um ano notável no apoio às empresas”.
Alberto promete inovação em Portugal e diz que se ela não surgiu de imediato foi pela necessidade de conclusão da transição informática do Barclays para o Bankinter. Este ano deu-se gás à convergência digital com Espanha, explica, o que também permite enviar inovação de cá para lá, como acontece com uma plataforma de negócio internacional, desenvolvida de raiz em Portugal, e que vai agora ser utilizada em Espanha.
Desenvolvida com a colaboração de “alguns dos clientes mais exigentes” com negócio além-fronteiras, permite o trading por meio digital. O apoio a empresas, preferencialmente PME, está no ADN da instituição, defende o director-geral.
Este ano, assegura Alberto Ramos, “está a ser um ano notável no apoio às empresas”.
Em fase piloto com a Accenture está um produto designado PartNet. Disponível em Espanha há vários anos, consiste num balcão virtual nas grandes empresas, onde os funcionários se podem fazer clientes e gerir as contas, havendo uma partilha da rentabilidade dessa operação com a própria empresa. “Acreditamos muito que o futuro da banca se vai fazer por formas de relacionamento com os clientes como estas”, diz.
Na relação com os particulares salienta a intenção de continuar a apostar na concessão de crédito, particularmente para a aquisição de casa. “Faremos o que é necessário para continuarmos a atrair mercado de crédito habitação, nomeadamente os clientes que entendemos que fazem mais sentido para a nossa proposta de valor”, diz.
E nem o facto de o mercado imobiliário estar a crescer há vários anos assusta o banqueiro. Alberto não teme um regresso da tempestade de há uma década, apesar dos alertas do governador do Banco de Portugal para a escalada dos preços dos imóveis (principal colateral dos créditos habitação) e do financiamento aos particulares, em alta constante. Ainda estamos longe dos níveis máximos históricos, nota o gestor – apesar de já se igualar o patamar de 2008. Sobre a valorização imobiliária, nota que isso se deve à procura dos vistos gold, estatuto fiscal dos não residentes e investidores nacionais e internacionais, e circunscrito a certas localizações – o que tenderá a normalizar no espaço de dois anos, com a oferta e a procura a encontrarem-se.
“O comportamento da banca tem sido hoje diferente do que era no passado. Não quer dizer que não mereça reparos e não possa ser melhorado”, admite, destacando a recomendação do Banco de Portugal para novas regras no crédito – já antes o seu banco limitava o financiamento aos 90% do valor do imóvel e não fazia contratos além dos 40 anos, explica.
Pedrigree espanhol
Nas suas viagens entre Lisboa, onde está durante a semana de trabalho, e o Porto, onde tem residência, Alberto aproveita para ir visitando agências e conversar com os funcionários. Não considera necessário fazer ele mesmo de “cliente mistério”, ainda que, ao fim de 24 anos de banca, parte significativa em áreas comerciais, sinta que tem um “faro relativamente apurado” para perceber algo que esteja mal.
Notando a importância de estar próximo das pessoas de todos os níveis hierárquicos, e ouvi-las, o que tem incentivado junto da restante comissão executiva, admite que das visitas ao terreno já trouxe ideias distintas das que levava, designadamente na tomada de uma decisão.
Consigo, o banco está a promover, mensalmente, um dia na sede para grupos de 15 funcionários das agências – o que começa com uma reunião com o próprio director-geral. “Tem sido fonte bastante relevante de mudança e criação de processos mais ágeis e eficientes”, assegura. “Não quer dizer que no final do dia não tomemos decisões diferentes, porque as perspectivas são diferentes, mas estes ângulos acabam por enriquecer o processo de decisão”.
No final de 2017, a operação lusa valia 7,2% dos proveitos totais. Alberto deseja chegar aos 10%, o que significa um crescimento na ordem dos 50%. “É um desafio muito exigente, mas gostamos de desafios exigentes. E é também uma afirmação nossa dentro do grupo”, realça. Se no Barclays a operação lusa tinha “relevância absolutamente mínima”, agora, diz, “não queremos desperdiçar a oportunidade de sermos relevantes dentro do grupo”. E se a banca nacional acaba comandada por Espanha? A questão até já mereceu alertas do Presidente da República, apontamos.
“Enquanto houver projectos e empresários com qualidade, seja em Espanha seja em Portugal, o Bankinter tentará financiá-los”, assegura. A gestão em Portugal é feita “em forte articulação” com Madrid, diz, mas a equipa portuguesa tem “conhecimento do mercado local, com opinião muito específica”.
No final de 2017, a operação lusa valia 7,2% dos proveitos totais. Alberto deseja chegar aos 10%. “É um desafio muito exigente, mas gostamos de desafios exigentes”.
Em Madrid até se privilegia os trabalhadores portugueses quando lá são necessários reforços, conta-nos, o que leva a que haja 25 portugueses lá e apenas cinco espanhóis no lado de cá. Alberto defende a sua dama: “sinto-me completamente capaz para continuar a tomar as melhores decisões para o banco e também para a economia portuguesa”.
Alberto foi um dos que transitou do Barclays, tal como o então presidente, Carlos Brandão, que logo assumiu a liderança do Bankinter Portugal, saindo no ano passado. Seguiu-se Alberto Ramos. “Quero acreditar ter sido porque [a administração] pensou que sou capaz de desempenhar bem a função”, elabora.
“Não vejo outra razão. Sem falsas modéstias, seguramente terá sido essa a razão”, assegura. “Sei que o banco fez uma avaliação de vários candidatos externos e internos e entendeu que eu era a pessoa mais adequada para desempenhar a função e convidou-me. Eu fiquei muito satisfeito e aceitei”, conclui.
Ao seu lado, no conselho directivo, tem oito pessoas, a maioria proveniente do Barclays. “Todos os dias procuro ser um bocadinho melhor, cada vez mais ouvir as outras opiniões e no final tomar uma decisão”, explica, ressalvando não ser apologista de decisões por votação. A decisão é sua, tal como a responsabilidade do resultado final, assegura.
“A reestruturação não está concluída”
Os bancos estão melhor preparados, mas há trabalho a concluir antes da próxima crise, defende Alberto Ramos. Esta, contudo, parece-lhe ainda longe.
Como se deve comportar a banca após escândalos e injecções milionárias de capital público?
Com uma atitude de responsabilidade, empenho, qualidade de serviço, trabalho no dia-a-dia para que o cliente percepcione que alguns erros cometidos no passado não estão a ser de novo cometidos.
Como sente que está a vossa imagem pública?
Depois de um período de crise complicada, com factores fundamentais para a banca, credibilidade e confiança, bastante afectados, sinto que se está a evoluir bastante bem. A competitividade no sector está de novo a aumentar, os bancos estão melhor estruturados e preparados do ponto de vista de capital, mais competitivos.
Estou a falar do ponto de vista genérico e global do que sinto. Isso traz maior competitividade ao sector – sentimos isso mais do que nunca.
Parece demasiado optimista face ao abalo ainda recente nas pessoas e na economia. É positivo para a economia ter uma banca forte, sólida, mais competitiva, como estamos a assistir neste momento. Não tem todos os problemas resolvidos, mas há claramente uma evolução positiva nos últimos anos.
E como lhe parece o futuro da sustentabilidade da banca?
O que perspectivo é que vamos continuar neste caminho, seguindo, aliás, o que o banco pensa que pode acontecer ao nível da economia em Portugal, termos mais alguns anos de crescimento sustentado acima dos 2% do PIB.
Mas a economia é cíclica. E quando travar?
É um desafio que a banca tem de olhar de frente e assumir. A reestruturação que tem vindo a acontecer não está concluída. Continuamos a assistir em muitos bancos a um excesso de capacidade do serviço aos clientes, versus as necessidades actuais. Esse trajecto tem vindo a ser feito com encerramento de agências, utilização cada vez maior de canais digitais, e isso ajudará a preparar os bancos para um contexto macro-económico que eventualmente será menos positivo no futuro.
Num momento de tentativa de regeneração da imagem da banca, sente-se pressionado enquanto membro de uma nova geração de banqueiros?
Não sinto carga absolutamente nenhuma. Só a responsabilidade que sempre senti desde que sou profissional da banca. Obviamente que os tempos actuais são momentos diferentes do que viviam há 10 ou 20 anos. A velocidade da mudança é significativamente superior. Em termos de imagem, se trabalhávamos numa lógica de evolução, hoje é de revolução. Os ciclos são cada vez mais curtos e a necessidade de estarmos adaptados e sermos capazes de mudar e aprender é absolutamente fundamental. Esta nova geração tem de trazer, e procuro fazer isso no dia-a-dia, disponibilidade muito grande para aprender, evoluir, para se adaptar a contextos que estão sistematicamente a mudar e vão mudar de forma cada vez mais acelerada nos próximos anos. À partida já perderam a batalha dos juros negativos nos contratos de crédito à habitação. A nossa posição foi pública e é coincidente com a da Associação Portuguesa de Bancos. Quando o assunto se discutiu transmitimos a nossa opinião, mas depois de ser tomada a decisão acatámos e estamos a cumprir. Já estamos a praticar a devolução dos juros negativos aos clientes.
Terá reflexos nos vossos resultados?
Não. O número de clientes que temos é relativamente reduzido, o impacto que tem na nossa conta de exploração é relativamente marginal.
Como se promove o aforro com taxas de juro tão baixas?
Apresentando outro tipo de soluções. Na área da gestão de activos temos produtos inclusive para os clientes mais conservadores. Fundos, seguros de capitalização, uma oferta muito competente e competitiva. Hoje existem ferramentas para que os clientes, independentemente de o seu apetite por risco ser maior ou menor, possam ter outro tipo de aplicações com retorno superior.
O Barclays, antes de sair de Portugal, fez uma queixa de cartelização. O caso envolveu 15 bancos e ainda está em investigação. O que acha deste caso?
O processo ainda está a decorrer, não vou fazer juízo de valor nem comentários do que vai ser o desfecho. Mas deixe-me dizer que esse processo nasce em torno de um tema que tem a ver com crédito à habitação. E se há produto onde existiu enorme competitividade entre todos os bancos foi exactamente no crédito à habitação. Eu até diria que se cometeram alguns exageros porque as condições que se praticaram para o cliente foram demasiado agressivas.