A sabedoria popular diz que “o que tem de ser, tem muita força” e no caso da Aitana Bonmatí tinha mesmo de ser. A espanhola tornou-se, na passada segunda-feira, a melhor jogadora do mundo, ao vencer a Bola de Ouro. Os títulos que ganhou ao longo da época e o bom futebol a que habituou os adeptos são mais do que suficientes para se afirmar “tinha mesmo de ser”, mas a história da jogadora espanhola consegue tornar tudo isto inevitável.
Aitana já nasceu como símbolo de determinação e resistência – duas coisas que dão muito jeito no universo do futebol feminino. Bonmatí é o apelido da sua mãe, um nome que nunca surgia como apelido principal dos filhos, uma vez que esse era um lugar reservado para o lado do pai. Rosa e Vicent, os pais de Aitana, não aceitaram e ao conseguirem trocar a ordem dos apelidos da sua filha, conseguiram também mudar a lei que ditava o contrário.
25 anos depois, Aitana Bonmatí foi o nome que se ouviu na cerimónia de entrega da Bola de Ouro. Uma noite histórica para a jogadora e para o futebol. É que a espanhola foi a primeira futebolista de sempre, entre mulheres e homens, a conquistar este conjunto de troféus no mesmo ano: Liga dos Campeões, Mundial, melhor jogadora da Champions, melhor jogadora do campeonato do mundo, jogadora do ano da UEFA e a Bola de Ouro.
Um pouco como aconteceu com a maioria das jogadoras, Aitana começou a jogar futebol em equipas mistas. Até que aos 13 anos as regras a obrigavam a integrar uma equipa de futebol feminino. Foi nesta altura que chegou ao Barcelona, clube onde permanece até hoje. “Sempre me senti muito ligada ao Barcelona. Temos um estilo que é único no mundo. Sinto que nasci para jogar este tipo de futebol”, disse numa entrevista ao “The Guardian”.
Treinava depois das aulas, mas a distância entre a sua casa e o local de treinos não facilitou o processo: O percurso começava às 18h, sempre sozinha, e os pais só a voltavam a ter em casa entre a meia noite e a uma da manhã. No dia seguinte acordava cedo para ir para a escola. E o ciclo repetia-se ao longo da semana.
Mas nada disto impediu o seu crescimento no clube catalão. Na época 2015/16 já tinha lugar na equipa principal, enquanto se sagrava campeã pela equipa B. Ao mesmo tempo, dava nas vistas na seleção espanhola. Ainda assim, nem tudo foi bom. O percurso de Aitana também ficou marcado por momentos mais difíceis, como a expulsão nas meias-finais do Mundial de Sub-20, em 2019.
“Quando se perde, quando se passa por maus momentos, nunca se perde: aprende-se. Aconteceu-nos [ao Barcelona] na final em Budapeste, ajudou-nos muito a saber onde estava o nível, o objetivo, e alguns anos mais tarde ganhámos a Liga dos Campeões. A nível pessoal, também me ajudou muito quando não joguei na final do Campeonato do Mundo sub-20. Estas são experiências que são más na altura, mas a longo prazo ajudam-nos e aprendemos, por isso para mim esta frase é essencial e eu trago-a sempre comigo”, disse em entrevista ao “La Vanguardia”.
Até que chegou a época 2022/23. E que época.
Os títulos, por si só, já contam a história, mas há muitos outros momentos que ficam gravados na memória de todos aqueles que gostam de futebol. A sua importância nos jogos do Mundial, por exemplo, não passou despercebida a ninguém. “Estou completamente apaixonado pela forma como joga. Diria que é o Iniesta do futebol feminino”, disse Pep Guardiola sobre Aitana. Ou tudo aquilo que fez, junto com várias jogadoras espanholas, desde o momento em que a seleção venceu o Mundial 2023.
A conquista espanhola foi ofuscado pelas atitudes de Luis Rubiales, agora suspenso por três anos pela FIFA. O ex-presidente da Real Federação de Futebol Espanhola (RFEF) deu um beijo não consentido a Jenni Hermoso durante a cerimónia de entrega de medalhas, na Austrália. Muita coisa foi e vai continuar a ser dita sobre este momento, mas o que fica para a história é a luta das futebolistas que ao dizerem “se acabó” fizeram com que as próximas gerações se deparem com uma realidade muito diferente da sua. Para melhor.
“Como modelos a seguir, temos responsabilidade dentro e fora do campo. Devemos ser mais do que atletas. Continuem a dar o exemplo e a lutar por um mundo melhor, mais pacífico e mais igualitário”, disse Aitana Bonmati após receber a Bola de Ouro.