Para um agricultor é importante saber que por estarem 10 graus centígrados e ter chovido 10 milímetros existe a probabilidade de ter míldio na vinha. Ou, noutra perspectiva, que a sua cultura está a precisar de mais uma hora de rega, por exemplo.
O Wisecrop, desenvolvido pela Wiseconnect, consegue traduzir esta informação num indicador rápido, claro e preciso através de um tablet ou de um smartphone.
Este sistema integrado de apoio à decisão do agricultor foi criado por cinco engenheiros electrotécnicos, ainda em ambiente académico na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Baseado numa rede de monitorização sem fios (a partir de dispositivos instalados no terreno) e numa plataforma on-line, o Wisecrop permite ao produtor ficar a saber, por exemplo, se deve regar e em que quantidade, se deve aplicar um tratamento fitossanitário e quando, qual o melhor programa nutricional para cada campanha, qual o momento mais indicado para podar, colher, ou outras actividades. “Conseguimos poupanças de energia até 150 euros por semana numa exploração pequena (de três hectares), além de que uma rega eficiente também faz com que o grau brix aumente, permitindo elevar o preço de venda do fruto, que é mais doce e vendido mais cedo”, avança Tiago Sá, um dos cinco sócios-fundadores da empresa.
Com programas de nutrição e de rega adequados, os ganhos de produtividade podem atingir os 30%. Com dois anos de vida, a start-up do Porto disponibiliza um sistema integrado de apoio à decisão agrícola bastante completo. Por outras palavras, o Wisecrop traz a exploração até ao agricultor, esteja este onde estiver.
Através de uma rede de sensores sem fios e de uma plataforma on-line, o agricultor tem acesso a modelos avançados de previsão capazes de detectar doenças, pragas, clima anormal, stress hídrico e má nutrição da planta. Os sistemas de rega e outros dispositivos podem ser controlados remotamente. “Não desprezando a qualidade de cada ferramenta individual que, por si só, traz valor acrescentado ao agricultor, é na integração global das soluções disponíveis num único interface apelativo e fácil de utilizar que o Wisecrop se apresenta como solução diferenciadora”, frisa Tiago.
Isto é, disponibiliza ao agricultor serviços variados como por exemplo a realização de análises em laboratórios e os serviços de imagem área através de drones ou satélite. Actualmente, o sistema está instalado em nove tipos de cultura (vinha, olival, maçã, pêra, kiwi, mirtilo, framboesa, castanha e ervas aromáticas) distribuídas por diferentes regiões, desde os Trás-os-Montes à Estremadura, passando pelo Douro e Oeste, numa extensão total de 10 mil hectares.
Confiança dos investidores
Se no início eram só os cinco sócios-fundadores, hoje a equipa da Wiconnect soma mais cinco colaboradores (engenheiros informáticos e agrónomos). A chamada “Camada da Inteligência” do sistema, responsável por fornecer todas as informações agronómicas, conta ainda com o saber de uma rede de conselheiros.
Com uma dezena de colaboradores, o número promete engordar ainda mais nos próximos anos. “Os rapazes da Wisecrop têm trabalhado imenso”, refere Jorge Gonçalves, antigo vice-reitor da Universidade do Porto e responsável por ter convidado a Wiseconnect para sediar-se na UPTEC. “A ideia que retive da primeira vez que me cruzei com os empreendedores da WiseCrop foi a de um grupo com imensa vontade para construir o projecto e muito confiantes no seu projecto”, diz.
Para Gonçalves, os jovens empreendedores “têm resistido às contrariedades e vencido imensas dificuldades e continuam aí, sempre com o optimismo e confiança. Sempre atentos ao modo de adaptar o que sabem ao que os clientes precisam.”
O facto de os jovens do Porto, com idades entre os 27 e os 34 anos, terem aliado agricultura e inovação captou a atenção da 2bpartner, no final de 2014. A capital de risco nacional liderada por Manuel Mota e Rosa Romero investiu 350 mil euros na empresa, onde tem uma posição minoritária, e a sua saída, prevista para daqui a dois anos, está dependente do valor das rondas de investimento que se venham a realizar.
“A 2bpartner centra o seu processo de scouting out em projectos inovadores e disruptivos, com tecnologia patenteável e um forte potencial de crescimento, especialmente a nível internacional. Outro factor que deve distinguir os projectos é a equipa subjacente que deve primar por uma elevada capacidade de focalização sobre o projecto e domínio do mesmo. A Wiseconnect apresentou um fit com os nossos drivers de procura”, refere Ana Rangel, senior business manager da 2bpartner à FORBES.
Um ano depois do investimento da capital de risco, a empresa de Tiago foi uma das cinco start-ups portuguesas seleccionadas pela Associação Nacional de Jovens Empresários para representar Portugal no TechMatch Global, um encontro mundial de investidores e empreendedores que se realizou em Bratislava em meados de Outubro de 2015. “Estou certo de que andarão por aí durante muito mais tempo. Têm fibra”, vaticina Gonçalves para o futuro da Wiseconnect.
Trabalhar sem ilusões
Ao fim de quase dois anos de vida, e neste que será o seu primeiro ano de actividade, a Wiseconnect deverá atingir uma facturação de 300 mil euros. A partir daqui, crescer passa a ser o verbo preferido dos cinco sócios-fundadores: Tiago, Sandro Vale, Miguel Rodas, Flávio Ferreira e Ricardo Neves. “O plano de negócios prevê um crescimento anual médio de cerca de duas vezes/ano nos próximos cinco anos”, afirma Tiago.
Do tempo vivido entre a universidade e a criação e desenvolvimento do negócio, Tiago guarda “boas lições”. “Muitas vezes somos abordados por empresas de renome, que só sonharíamos em contactar num futuro longínquo, e ficamos iludidos com o potencial desse parceiro ou cliente. Este tipo de coisas cria desestabilizações no desenvolvimento do produto e na execução do plano traçado, que mais tarde se revelam contra produtivas. Assim, de uma forma geral, o meu conselho para todos os jovens empreendedores é que não se deixem influenciar em demasia por contactos que exijam a reformulação do plano de trabalho ou do conceito do produto. Adequar o projecto ao feedback do mercado é sempre positivo, mas há que avaliar bem o custo/benefício de cada alteração”.
Ir para o mercado o mais rapidamente possível é outro conselho que dá para quem vem atrás. É que “as coisas evoluem demasiado depressa para nos darmos ao luxo de ficar fechados no escritório a preparar aquilo que acreditamos ser a solução mais perfeita do mundo. Nunca o é. Acredito que parte daquilo que nos fez chegar onde estamos foi termos ido para o terreno desde muito cedo. O feedback dos utilizadores finais é a melhor folha de requisitos que alguma vez podemos ter”, sustenta.
Aos que pensam especificamente na agricultura e na sua modernização, Tiago aconselha a não terem medo de inovar e a serem disruptivos. “Não se assustem pela inércia aparente deste sector. As mentalidades estão a mudar a olhos vistos e tenho a certeza que em muito pouco tempo a agricultura será dos sectores tecnologicamente mais avançados”.