Enquanto caminha pela fábrica, Nuno Radamanto dispara “olás”, lança “bons dias”, estende a mão para cumprimentar funcionários e distribui palmadas nas costas. Isto sem perder o fio da conversa connosco. Esta unidade da ICEL – Indústria de Cutelarias da Estremadura, na Benedita (no município de Alcobaça), emprega 187 pessoas, das quais uma base alargada labora aqui há 20, 30 e até 40 anos.
“Conheço todos e muitos conhecem-me de miúdo”, diz Nuno, de 39 anos, neto do fundador da ICEL e que, após ter entrado na empresa em 2011 no departamento de exportação para a Ásia, Médio Oriente e África, assumiu o comando da ICEL em Fevereiro de 2013.
Um dos traços da sua gestão foi uma liderança de proximidade: “Foi algo que senti que as pessoas apreciaram” face ao estilo de governar da anterior geração, admite.
Nuno é a 3.ª geração de uma família que conseguiu em 74 anos construir um negócio frutuoso que se tem mantido como empresa familiar, não obstante a dimensão adquirida e as reformulações accionistas sofridas: foi fundada em 1945 por cinco familiares (um dos quais o avô de Nuno, Joaquim Jorge); cedo ficou reduzida a quatro quotas (25% cada); e antes do fim dos anos 1960, o avô de Nuno adquire duas das outras três participações para assumir 75% da sociedade, ficando os restantes 25% com o seu irmão, João Jorge.
É essa a estrutura que perdura. O director-geral da ICEL sublinha que houve sempre uma preocupação de manter à parte as questões familiares do negócio (“umas vezes conseguindo-se mais, outras menos”, reconhece), procurando “profissionalizar-se o mais possível tudo”, afirma, já que na 2.ª geração da família – que conduziu a empresa durante quase 40 anos – o leme da ICEL foi entregue a um conselho de administração.
Essa decisão fez, por exemplo, que o plano de investimento e a estratégia de internacionalização do negócio nunca fossem relegados para segundo plano.
Apesar dos agentes do mercado saberem os materiais que todos usam (como o aço, que no caso da ICEL vem da Alemanha, França e Espanha), ainda há segredos na indústria.
Um é o tratamento térmico da lâmina que dá dureza à peça e permite chegar a um bom objecto cortante. Outro é a afiação final das facas, executada à mão, segundo ângulos e técnicas próprias. Mas isso não quer dizer que tudo seja feito como antigamente.
A ICEL tem procurado investir na actualização da maquinaria, nos processos primários de corte, amolação, polimento e lixagem ao longo do tempo: “O incremento da robótica é um esforço reforçado nestes últimos seis anos”, diz Nuno, que no seu mandato comprou duas máquinas de corte por laser (uma de 900 mil euros e outra de 1,2 milhões de euros), as quais dão flexibilidade à produção e poupança de 12 a 15% no aço usado.
Intuição familiar
Embora sem habilitações académicas em Economia ou Gestão (fez apenas uma formação na Associação Portuguesa de Empresas Familiares para ficar desperto para as questões que surgem quando o meio empresarial é familiar), Nuno considera que a sua passagem pela aviação (foi piloto da Portugália dos 24 aos 31 anos, até ir para a ICEL) lhe deu à-vontade nos contactos externos e disciplina. “O resto é intuitivo”, refere, salientando que desde cedo foi ganhando conhecimento do negócio.
Um dos méritos de Nuno foi ter invertido um ciclo de oito anos de quedas sucessivas no negócio, por falta de dinâmica comercial nos últimos tempos da 2.ª geração à frente da empresa. Logo no primeiro exercício da nova administração, 2013, a empresa entra num crescimento ininterrupto.
De 2013 a 2018, a companhia subiu mais de 35% em volume de negócios e cresceu 400% em resultados líquidos. Para este ano, Nuno espera alcançar a marca dos 10 milhões de euros de facturação, isto depois de em 2018 este indicador ter excedido os 9 milhões de euros, um crescimento face a 2017 de 6,5%, superior aos 3% de aumento do número de peças fabricadas. “Não nos preocupa o número de peças produzidas. Queremos é colocar valor”, sublinha o gestor.
“Não nos preocupa o número de peças produzidas. Queremos é colocar valor”, sublinha o gestor.
E para isso conta com o poder da exportação: em 2018, por cada 100 euros facturados, 80 teve como destino países como Espanha, EUA e Holanda – embora as vendas para Espanha cheguem a países da América do Sul, como Argentina e Chile, pois o parceiro espanhol da ICEL distribui para essas latitudes.
Na Grécia e Líbano, a ICEL é mesmo líder de mercado. Se no passado os mercados externos fizeram parte da história e foram inclusive a chave de sucesso da empresa, o futuro não será diferente.
Para este ano, uma das apostas é o mercado da América Central e do Sul, com destaque para o Brasil, onde a ICEL quer montar uma empresa comercial, em São Paulo (mas não fábrica).
Será a primeira filial fora de Portugal. Para “dentro de casa”, o líder da ICEL tem como objectivo lançar este ano uma linha de “combate” para hotelaria e restauração, com potencial de ser uma revolução, por serem facas que usam um aço normalmente presente em facas de outro patamar e custam apenas 30% a 40% mais; e ainda dar os primeiros passos de uma divisão que será uma espécie de “Rolls-Royce da ICEL”, para tocar no mercado de alta qualidade e design que terá por trás os artífices de maior experiência da empresa. “É um mercado de facas de 300 e 500 euros, até de 1000 euros”, diz o gestor que quer, em colaboração com outras empresas de cutelaria da zona, fazer nascer uma escola profissional para o sector.
Com uma autonomia financeira a rondar os 90%, a ICEL tem-se mantido independente de fundos de investimento, apesar do assédio a que tem sido alvo: “Podemos ter um crescimento exponencial dentro de 5 anos e aí haverá uma altura em que teremos de fazer grandes investimentos. Nessa altura, a opção será a banca”, refere Nuno.
Porém, e a circunstância de ser uma empresa familiar, levará a que a ICEL se confronte com movimentações accionistas a médio prazo. O sócio Joaquim Jorge tem 13 filhos e João Jorge tem seis:
“Se a concentração se fará por uma venda a um fundo de investimento que compra partes de accionistas ou se essa compra acontecerá entre accionistas, não sei”, diz Nuno que, para a empresa não perder dinâmica com a sua eternização no poder, não quer ficar como presidente-executivo mais de 12 a 16 anos.