Viveu a juventude rodeado de livros de ficção científica, sobretudo os de Isaac Azimov, e queria impactar o mundo com o seu software. Tinha a ambição de mudar a sociedade com o desenvolvimento da Inteligência Artificial que, sabia então, viria a decolar e a tornar-se num desígnio da evolução mundial. Ricardo Mendes, CEO da Tekever, é um dos cinco fundadores da empresa portuguesa que está a levar os drones nacionais – e não só – aos quatro cantos do mundo. Tem a ambição de ser líder mundial em UAS (sistemas aéreos não tripulados), vulgarmente conhecidos como drones, e acredita que estes vieram para ficar. Para já, é líder europeu neste tipo de aeronaves e quer partir à conquista dos Estados Unidos, onde vai investir forte nos próximos anos. “A dimensão do mercado dos drones é de cerca de 100 mil milhões de euros e cresce a mais de 15% ao ano. A Tekever pretende crescer muito acima deste valor: vamos, pelo menos, duplicar as nossas receitas este ano e para o ano também”, explica o responsável. Disponibiliza drones para a defesa da Ucrânia, trabalha para o Governo inglês e é um dos principais fornecedores de serviços de vigilância da Agência de Segurança Marítima Europeia. O céu é o limite e a Tekever quer lá chegar bem perto.
Inteligência Artificial: uma área do futuro
Natural do Porto, Ricardo Mendes era já um apaixonado por Inteligência Artificial (IA) quando ingressou no curso de Engenharia Informática, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Na segunda metade dos anos 90 este era ainda um tema de nicho, mas depressa percebeu que era a área do futuro e seguiu esta especialização no final do segundo ano. Unido a mais quatro colegas de Engenharia Informática, embora nem todos do ramo de IA, decidiram, em conjunto, criar um projeto próprio que os envolvesse a todos na vontade comum de fazer a diferença na sociedade através do poder do software. “Aquilo que nos unia era a noção de que conseguiríamos, através de coisas imateriais, uma comunicação direta do cérebro de quem está a programar e algo que vai funcionar, e isto era transformador para o mundo”, diz.
A Tekever surgiu, em 2001, a partir da ideia de que todas as coisas iriam estar ligadas, fossem computadores, carros ou frigoríficos. “Na altura era um conceito que achávamos que se viria a chamar Evernet – mas que, na verdade, se veio a chamar Internet –, por isso o nome Tekever vem daí: Tecnologies for the Evernet”, explica Ricardo Mendes. O foco inicial da empresa não eram os drones, que hoje já representam quase 90% do volume de negócios da companhia. Aliás, os cinco fundadores estavam longe de pensar então que iriam estar a fabricar os seus próprios dispositivos, já que o conceito do projeto era o desenvolvimento de soluções e serviços para a Internet. Tinham já uma ideia muito clara de como o mundo ia funcionar em termos de tecnologias e de como as empresas se iriam relacionar com os seus clientes através de telemóveis. “Nessa altura isto ainda era fazer futurologia”, explica.
O arranque do negócio
Arrancaram sozinhos, sem investidores, apenas com capital próprio, que era essencialmente a sua capacidade de trabalho. “Na época não havia venture capital, não havia seed capital, por isso o que fizemos foi ter uma visão muito clara de que eramos muito bons em termos de tecnologias e procuramos clientes que nos pudessem pagar para desenvolver projetos que partilhassem essa visão”, explica o CEO. Nos primeiros anos, a empresa desenvolvia projetos de software para instituições nacionais e internacionais, como a EDP ou o Banco Santander. Alguns dos primeiros projetos de equipamentos móveis da EDP foram desenvolvidos pela Tekever – ainda hoje trabalha com esta companhia -, tal como os primeiros projetos de mobile banking. Não havia então grande capacidade de investimento para desenvolver produtos próprios, e também não procuraram especializar-se em áreas, mas sim no tipo de processos de ligação ao cliente através de canais móveis. “Os primeiros tempos foram à procura de oportunidades de melhorar processos que traziam grande benefícios aos nossos clientes. Fazendo isso conseguimos assim gerar capacidade de investimento para apostar noutras áreas que faziam sentido”, explica. Esta área de negócio, designada hoje de Tekever Digital, representa apenas 5% do total das receitas do grupo, que Ricardo Mendes se escusa a revelar, e tem clientes dos mais variados setores.
A entrada no mundo dos drones
Numa busca constante de novas oportunidades, foram surgindo assim áreas inovadoras que se encaixavam no perfil da companhia. Foi assim que entraram na área dos sistemas autónomos aéreos, robótica aérea e na área de Espaço. “Começamos a investir mais a sério em 2008 para entrar nesses mercados, que, do ponto de vista de tecnologia, não são assim tão diferentes. Ou seja, numa perspetiva de engenharia, estamos a falar na mesma de um sistema computacional, com capacidade de processamento, com capacidade de armazenamento, com capacidade de trabalhar em rede, que tem de ter software a bordo inteligente o suficiente para conseguir executar as missões sozinho e tem de ser capaz de se ligar a outros equipamentos”, explica Ricardo Mendes.
Como tinham tudo o que precisavam dentro de portas, a empresa entrou numa nova fase. Perceberam que todas as empresas que produziam drones pertenciam ao mundo aeronáutico e eram dominadas pelos processos mecânicos, e por isso olhavam para o drone como um avião mais pequeno. A Tekever fez o inverso: olhou para os drones como um computador com asas. “Não havia nenhuma empresa que trabalhasse com esta perspetiva. Achamos que o que iria fazer a diferença não seria os processos mecânicos, mas sim os processos relacionados com o software, a eletrónica e a informação. No fundo, o desafio era um desafio de informação”, explica o co-fundador. A Tekever acreditou que estava bem posicionada para conquistar este mercado e lançou-se nesta área. Hoje lidera o mercado europeu, mas não chega: tem a ambição de chegar a líder mundial nos próximos anos.
Vigilância do Canal da Mancha
Disponibiliza atualmente três linhas de UAS: os AR3, mais pequenos, para missões até 16 horas, os AR4, e os AR5, os maiores, especializados na vigilância marítima. “O tipo de missões que fazemos são exigentes e que estão em contante evolução, logo é impossível encontrar um produto fechado no mercado, para todos os tipos de missões”, diz. Por isso disponibiliza um conjunto de produtos, que partilham a maioria dos sistemas e que podem ser adaptados às necessidades específicas das missões. A Tekever faz, por exemplo, a vigilância do Canal da Mancha para o governo inglês: para perceber se existe pesca ilegal, contrabando, imigração ilegal, ou afogamentos. Trata-se de um serviço completo, em que os equipamentos, customizados para cada tipo de missão, são da Tekever e as pessoas também. Neste caso, e como as atividades ilegais estão sempre em evolução, os padrões são sempre diferentes, também a exigência e velocidade de adaptação tem de ser grande. “O cliente procura uma solução. Nunca se parte do zero, parte-se de um produto existente, mas tem de se ter produtos altamente configuráveis e customizáveis, capazes de ser a base para o desenvolvimento”, explica Ricardo Mendes.
A empresa tem ainda uma terceira área de atuação, a área de Espaço, em que cria tecnologias que permitam fazer redes de satélites que comuniquem entre si. Um dos produtos chama-se ISL – Inter Sattelite Link, que é, no fundo, um wi-fi entre satélites, em que os satélites se reconfiguram em terro real. “Somos um dos fabricantes mundiais desta tecnologia e estamos a fazer várias missões para a Agência Espacial Europeia”, explica. Desenvolve ainda outras tecnologias para esta área, que também é utilizada nos drones: radares de abertura sintética, ou seja, equipamentos que nos permitem tirar imagens a partir de um drone ou satélite mesmo que haja nuvens ou seja de noite, ou mesmo que haja folhagem de árvores pelo meio. “A nossa área de Espaço está a crescer muito, a abertura do escritório em França vai dar ajudar nisso. Acabamos de fechar o primeiro contrato – o primeiro de muitos, espero – com a agência espacial francesa”, revela.
Produção portuguesa com presença internacional
Em Portugal, a Tekever tem cinco localizações: Lisboa, Porto, Caldas da Rainha, Ponte de Sor e Atouguia da Baleia. Em Lisboa tem a sua sede, a parte corporativa, onde trabalham muitos dos engenheiros de software, tendo já perto de 100 pessoas. Nas Caldas das Rainha, onde emprega perto de 200 colaboradores, tem o centro de engenharia, ou seja, o coração do desenvolvimento dos drones. A produção dos equipamentos está em Ponte de Sor, onde estão cerca de 100 pessoas na construção das estruturas de aeronáutica. A abertura destas instalações representa uma vantagem competitiva, uma vez que ali foi possível construir a fábrica dentro do aeródromo. “Isto porque nós fazemos coisas que voam e é fundamental fazer os testes de voo. Os aviões não saem para os clientes sem terem sido voados antes e terem sido feitas várias baterias de testes a cada um destes equipamentos”, explica. No Porto tem um escritório, onde está a parte de desenvolvimento de produto da área de Espaço, e tem ainda um aeródromo, na Atouguia da Baleia, perto de Peniche, onde é feita formação e testes de equipamentos. Fora de Portugal, tem instalações no Reino Unido, em Southhampton – onde já tem 100 pessoas, e pretende crescer bastante -, no País de Gales, e em Toulose, na França.
Equipa deverá chegar aos 700 brevemente
A equipa tem crescido a uma velocidade acelerada: só este ano já registou um crescimento de cerca 60%. No total são perto de 500 trabalhadores, que deverão chegar a mais de 700 brevemente. Questionado sobre a dificuldade em contratar engenheiros para estas áreas, Ricardo Mendes admite estar em concorrência com empresas como a Meta, a Microsoft, a Google, mas acredita que há vários fatores que tornam a Tekever atrativa. A internacionalização, os desafios do trabalho e aposta constante no desenvolvimento das pessoas são alguns deles. Por outro lado, a companhia seleciona as localizações em função da disponibilidade do talento especializado, situando-se mais próximo das universidades, o que facilita a contratação.
Além disso, um dos pontos de retenção de talento é a oferta de ações da empresa a alguns colaboradores – são já cerca de 30. A Tekever tem como acionistas maioritários um grupo de elementos da gestão de topo, além destes colaboradores, e tem ainda investidores financeiros, uma vez que fez recentemente uma ronda de investimento.