“O inferno congela”, titulava a FORBES em 2014 quando a marca das motos do “Exterminador Implacável” e de “Vingadores: Era de Ultron” anunciou que iria ter um modelo eléctrico, a opção menos “Bad Boy” que se poderia imaginar no centenário símbolo de Milwaukee.
Logo que o construtor revelou as primeiras imagens do Projecto LiveWire, o tráfego dos sites noticiosos acelerou e a cotação em Bolsa disparou.
Agora que se ouvem os motores do projecto a aquecer – em sentido figurado, porque esta Harley substituiu o ronronar de tigre siberiano com asma pelo silêncio –, será interessante seguir o rumo dos títulos, que rondam metade do valor a que a Harley-Davidson cotava então.
Só no ano passado, as acções da empresa desvalorizaram 33%, encolhendo a capitalização bolsista para baixo dos 6 mil milhões de dólares pela primeira vez em oito anos.
Só no ano passado, as acções da empresa desvalorizaram 33%, encolhendo a capitalização bolsista para baixo dos 6 mil milhões de dólares
Da mesma maneira que a cada renovação de gama da Apple os analistas se questionam se o tsunami de entusiasmo persistirá, no Wisconsin ouve-se há anos a discussão sobre a renovação de uma marca que está para o imaginário da estrada americana como o Marlboro Man para o estilo cinematográfico Western, sendo sintomático o que ocorreu com alguns dos homens fotografados para a icónica imagem.
A entrada da Harley-Davidson no caminho das scooters, com um concept eléctrico revelado a lado da LiveWire de produção no salão de tecnologia CES 2019 no início de Janeiro, poderia tornar-se no ponto máximo de arrefecimento do inferno, não fosse dar-se o caso de estar também em exposição uma moto para fora de estrada, o Concept 1.1.
Planos que se incluem no orçamento do fabricante norte-americano, em torno dos 140 milhões de euros, para desenvolvimento de veículos eléctricos e suas baterias, a partir do novo centro de inovação na Califórnia.
Renovação de um símbolo
Com o passar dos anos também a mediana de idades do cliente da Harley tem evoluído, rondando o meio século, com a também marcante nota da escassa igualdade de género.
Algo que a imagem trazida pela moto eléctrica poderá inverter, levando gente nova aos concessionários, tanto em idade como no género.
Nessa missão, pôr a “Viúva Negra” (personagem de Scarlett Johansson) aos comandos da LiveWire no mais recente filme de “Vingadores” pode ter ajudado.
Os potenciais entraves estarão tanto na autonomia – metade do modelo S da Zero Motorcycles, que atinge 359 km – como no preço. Os 34,5 mil euros em Portugal (pré-encomendas já este mês), duplicam o preço da Zero S.
A Europa e a Ásia são precisamente os mercados com maior crescimento da marca, ainda que os EUA continuem a ser o principal continente no rácio de vendas.
Há, contudo, que contar com o “prémio” da marca Harley que, se conseguir repetir a imagem de vanguardismo que a Tesla trouxe entre os seculares automóveis, poderá renovar a sua base de clientes a partir da LiveWire, algo essencial para chegar aos 200 anos de existência, considerando que ainda faltam oito décadas e meia, e os actuais indefectíveis, que compram 280 mil motos por ano, não acompanharão essa longevidade.
Entre uma população mais nova, a possibilidade de conduzir sem prejudicar o planeta – conceito que menospreza a pegada ecológica da mineração de componentes das baterias como o lítio, ou a reciclagem – será, muito provavelmente, ainda mais cativante do que fazer orelhas moucas perante o negacionista das alterações climáticas, Donald Trump, que em Julho do ano passado “tweetou” contra a Harley por esta admitir construir as suas motos noutro país.
Recorde-se que, na altura, a empresa afirmou que poderia fabricar motos fora dos EUA para contornar as tarifas impostas pelas lutas comerciais de Trump e que lhe cortarão até 100 milhões de euros nas receitas. Por essa razão, o Presidente lançou ameaças, referindo que “a aura desaparecerá e eles serão taxados como nunca antes!”.
A Europa e a Ásia são precisamente os mercados com maior crescimento da marca, ainda que os EUA continuem a ser o principal continente no rácio de vendas.
Passaram cinco anos desde que o Projecto LiveWire foi desvendado e as unidades iniciais começaram a rolar em testes pelos EUA, tempo em que a indústria de baterias foi evoluindo, como o demonstra a BMW, que já vai na segunda geração e nos 160 km de autonomia na C Evolution, scooter estreada em 2014.
A Harley promete 177 km de autonomia, confiando na electrónica da Panasonic – em cujo stand do salão CES 2019 expôs a LiveWire – e, numa solução que mereceria grande destaque em 2014, mas hoje é uma oferta lógica: uma app que permite encontrar o posto de carregamento mais próximo, monitorizar o processo de recarga das baterias, armar o alarme e relembrar a localização da moto.