A lista de problemas sociais e económicos que o mundo enfrenta todos os dias é demasiado grande para caber aqui, mas um dos principais e dos quais todos somos culpados é o desperdício alimentar.
Segundo dados da Agência Europeia do Ambiente, um terço da comida produzida em todo o mundo acaba no lixo, uma estatística vergonhosa, pois num planeta onde existe tanta gente com carências alimentares, trata-se de uma quantidade que daria para alimentar cerca de 3 milhões de pessoas.
Dentro dessa parcela, estão 1 milhão de toneladas de alimentos que, de acordo com estimativas do Projecto de Estudo e Reflexão do Desperdício Alimentar (PERDA), são desperdiçadas anualmente pelos portugueses.
O Zero Desperdício, outro projecto português que se concentra neste tema, afirma que das 4600 calorias que cada pessoa produz todos os dias, apenas 2000 são consumidas, o que significa que 20% do nosso lixo é comida. Os números são de tal forma assustadores que em todo o mundo foram tomadas medidas para reduzi-los.
Em Portugal, 2016 foi considerado o ano do combate ao desperdício alimentar e, por curiosidade, nesse mesmo ano uma pequena empresa de Viseu terminava a fase experimental de um negócio que evita a estragação de milhares de toneladas de fruta.
O que fazer com as maçãs de “segunda”? Esta foi a questão que Eva Raiman Cabral Menezes, engenheira electrotécnica ligada à pesquisa e desenvolvimento, fez em 1998.
Quem o conta é o filho, Henrique Cabral Menezes, salientando um problema que é bem conhecido dos produtores que todos os dias vêem a chamada fruta feia ser rejeitada pelos mercados – uma casca pouco uniforme ou um calibre inferior é o que basta para que uma colheita de maçã não seja elegível para exposição numa prateleira da secção de frutas de um hipermercado, mas também não faz sentido que vá para ao lixo, pois, apesar do aspecto menos perfeito está boa para consumo.
Na altura, a família Cabral Menezes, detentora da Sociedade Agrícola Quinta de Vilar, que produz maçãs na Quinta de Vilar, em conjunto com a Universidade de Biotecnologia no Porto e uma universidade francesa, desenvolveram um processo de secagem da maçã.
Contudo, a ideia não teve pernas para avançar. Apesar de a pergunta de Eva ter todo o sentido, foi feita na altura errada. “Sempre achei que era um produto com imenso potencial, mas não havia mercado”, conta Henrique à FORBES. Por esse motivo, a ideia ficou parada até que, em 2013, começaram as primeiras experiências de comercialização de fruta desidratada da Frueat, a empresa detentora da marca Fruut.
Negócio de família
Com sede em Viseu, Henrique garante que a localização da fábrica da Frueat no interior é uma vantagem. Além de estar numa das duas grandes zonas de maçã em Portugal – a par com a região do Oeste –, considera que “a proximidade à matéria-prima é fundamental”.
Como o produto comercializado pesa apenas 8% do peso inicial da matéria-prima, os custos para transportar o equivalente a uma tonelada de fruta desidratada em fruta fresca seriam muito elevados. Dessa forma, percebe-se que a proximidade aos locais de consumo não é o mais importante e que o facto de a fábrica estar dentro da quinta faz todo o sentido para o negócio.
Após uma fase inicial, quase de validação do negócio, a unidade fabril está agora num processo de expansão que irá permitir a duplicação da produção e da parte da logística. Actualmente, a equipa, constituída por 27 pessoas, trabalha a quatro turnos, sendo que “a fábrica começa a trabalhar domingo às 21h e termina no sábado, ao final da tarde”, conta Henrique, explicando também que o tempo disponível entre sábado e domingo é para limpeza e manutenção das máquinas.
Todos os meses, a Frueat produz cerca de 16 toneladas de fruta desidratada que, segundo as últimas contas, traduziu-se numa facturação de 1,7 milhões de euros em 2017. No total, a empresa estima já ter salvo do lixo cerca de 20 milhões de peças de fruta.
No entanto, apesar de aproveitarem a fruta que ninguém mais quer, a Frueat também gera algum desperdício, entre cascas e caroços resultantes do processo de limpeza e transformação da fruta. Porém, tal como na natureza, na empresa de Henrique, nada se perde, tudo se transforma.
Desde o início da a actividade, a fábrica já aproveitou mais de 90 mil quilos de restos que são transformados em alimentação para animais ou em fertilizantes para o solo. Quanto à parte boa da outrora “fruta feia”, o destino passa pelas embalagens da marca Fruut ou das marcas brancas das quais a empresa é fornecedora.
Filipe conta à FORBES que cerca de 25% da produção vai para marcas brancas de retalhistas como a da espanhola Mercadona, que identifica na embalagem onde a fruta é produzida, e para os portugueses Pingo Doce e Continente. Nestes casos não há referência à Fruut, mas, segundo Henrique, “a fruta também não é igual, pois não é descascada e tem uma qualidade inferior à da marca original.”
Filipe descreve as negociações com os retalhistas como “normais, entre parceiros que pretendem desenvolver um negócio” e conta que para chegarem a estas parcerias recorreram a uma abordagem directa. Além dos três anteriores, é possível encontrar Fruut também em locais como o Jumbo, Aldi, El Corte Inglés, entre outros.
Estas embalagens de 20, 40 ou 60 gramas estão também disponíveis em máquinas de venda automática e nas lojas das gasolineiras da Galp e da BP.
Novos produtos em teste
Henrique garante que o principal mercado continua a ser o português, mas a maior evolução foi no mercado espanhol. No ano passado, entre 40% a 45% da produção foi para exportação. Números que podem vir a aumentar este ano, sendo que nos últimos meses “a exportação já foi superior ao que se vende em Portugal”, diz.
Outro factor que pode levar a esse aumento é o facto de o accionista estar focado em apostar no mercado inglês. Henrique já trabalhou em Londres e, segundo a sua percepção, a fruta desidratada é um snack que poderá casar muito bem com o estilo cosmopolita da capital britânica.
Contrariamente ao que se poderia pensar, a Fruut não concorre com a fruta. “Não há nada melhor do que comer fruta fresca”, afirma Henrique. O objectivo da marca passa por concorrer com os snacks que não são saudáveis, como as pipocas, barras de cereais ou batatas fritas, e é exactamente na secção dos snacks dos supermercados que se pode encontrar as embalagens de fruta desidratada Fruut.
O objectivo é claro desde o início, “direccionar o consumo para um tipo de fruta que não tinha consumo”, explica. A fruta fresca continua a ser ideal como sobremesa depois do almoço ou do jantar, mas a Fruut pretende substituir o snack não saudável que se come a meio da manhã ou da tarde.
Durante a visita da FORBES à fábrica da Frueat, encontrámos alguns sacos de batata doce desidratada, um sinal de que a empresa está a estudar o lançamento de novos produtos mas, para já, o objectivo é “desenvolver a gama de produtos”, afirma o administrador.
Um pouco à imagem do recente projecto desenvolvido com a marca de cereais Nacional, em que incluíram pedaços de maçã desidratada nos cereais. Com o Nacional + Fruut, as duas empresas conseguiram vencer o prémio de inovação da Associação Portuguesa de Nutricionistas.
A próxima aposta serão as bolachas de maçã desidratada, um produto que já está em desenvolvimento avançado e que levará a marca para um novo corredor do supermercado e para um nicho de mercado com elevada procura, o das bolachas saudáveis.
Ou seja, mais do que oferecer mais tipos de fruta, a ideia passa por desenvolver as disponíveis através de parcerias que permitam a criação de produtos inovadores e alternativos aos existentes. Mas, sejam quais forem, terão de assentar nas premissas iniciais que deram origem à Frueat: serem saudáveis, 100% naturais, e contribuírem para o combate ao desperdício alimentar.