Em Portugal, não há muito espaço para ele. E quando há, dão-lhe apenas uma função, com pouco espaço para outras possibilidades: ser o acompanhante da cerveja. Falamos do tremoço, o ingrediente que está na base da Tarwi, a marca que arriscou agora dar-lhe uma nova vida.
Duas perguntas passaram pela cabeça de Catarina Gorgulho, uma das três sócias fundadoras da marca, a determinada altura. A primeira estava relacionada com o facto de viver há vários anos no Reino Unido: como é que, num país tão focado nas proteínas vegetais, ninguém conhecia o tremoço? E a segunda era sobre as suas origens: “Eu sou portuguesa e nasci a comer tremoço. Eu fugia dos tremoços porque achava que não eram saudáveis, pelo simples facto de ser o acompanhamento da cerveja. Pela associação, existe pouca informação”, conta à Forbes.
Estas questões e o interesse de Catarina pela área da saúde e bem-estar juntaram-se ao background em nutrição da amiga e influenciadora digital Alice Trewinnard e à especialidade na área de investimento em bens de consumo de Pedro Godinho Ramos, também ele a viver em Inglaterra, e nasceu a marca, com um investimento dos três no valor de 250 mil euros. “O nome Tarwi é uma forma de dizer tremoço na América do Sul, e nós pensámos que seria algo interessante porque realmente remete ao tremoço sem ser óbvio que é tremoço. É um nome que é bastante internacional, tanto eu como o Pedro estamos no Reino Unido, que é um mercado gigante, principalmente de tudo o que é proteínas vegetais, e fazia sentido a marca crescer lá. Tarwi é um nome que é fácil de dizer e escrever em todos os idiomas”, continua.
O tremoço surge como uma escolha óbvia para os portugueses em determinados momentos, mas raramente como um snack saudável para comer ao longo do dia. O que poucos sabem, e a Tarwi faz questão de realçar, é que se trata de um produto com vantagens para a saúde e para o ambiente. Além de ser uma “proteína completa”, permite uma “agricultura mais regenerativa” e “tem uma exaustão hídrica muito mais baixa”. “Foi por um lado a nutrição, por outro lado sustentabilidade e por ser obviamente algo que em Portugal, Sul da Europa, e Sul da América tinha já um reconhecimento grande. Acreditámos que era uma proteína que, sim ou sim, ganharia muito espaço internacional se tivesse o apoio e o produto que a trouxesse para este foco”, afirma Pedro.
Sem fronteiras
“A Tarwi é uma empresa inglesa, também tem uma sociedade em Portugal que, no fundo, vai alimentar a Europa, mas o nosso foco começa nos dois países”, explicam os sócios, proprietários da marca em partes iguais. O forte conhecimento do mercado inglês foi o que levou à entrada no Reino Unido, já em Portugal os motivos foram desde o facto de quererem estar presentes no seu próprio país até ao acesso à comunidade que Alice criou nas redes sociais, passando ainda pelos conhecimentos necessários para trabalhar o tremoço.
“São duas estratégias diferentes. No Reino Unido, dar a conhecer e mostrar que isto existe através de uma marca que é moderna e que está alinhada com o consumidor atual. Em Portugal, é um trabalho muito diferente: ‘Como é que eu reposiciono algo que não é sexy, que é visto como não premium, como totalmente diferente, que é moderno, cool e algo que é saudável e é muito mais versátil do que apenas um acompanhamento à cerveja?’”, diz Catarina.
Ainda que um dos mercados seja naturalmente maior, devido à dimensão do país, o número de clientes acaba por ser equilibrado, muito porque os próprios fundadores optam por fazer crescer os dois mercados em paralelo. Ainda assim, não perdem a noção de que o potencial é maior a norte. “O Reino Unido é o mercado que tem mais potencial para crescer, pela dimensão que tem, pelo interesse que eles dão a tudo o que é plant based e também pelo poder de compra do consumidor. Em Portugal temos uma comunicação muito mais forte do que no Reino Unido. A equipa está muito focada nos dois países em paralelo. Vai haver fases em que Portugal e Reino Unido estão em igualdade, mas o Reino Unido irá sempre crescer mais”, afirmam.
Reinado do tremoço
A oferta, quando se trata de snacks saudáveis, é grande, mas para os fundadores da Tarwi o ruído é ainda maior. Esse era o problema. “As pessoas olham para nós como algo que vem colmatar muitas das deficiências que o mercado tinha. As pessoas entendiam que há muita oferta, mas a oferta é muito parecida, e há tanto ruido à volta desta oferta parecida, que eu não sei como navegar”, diz Pedro.
As saquetas de tremoços foram o primeiro produto lançado pela marca. A ideia passou por manter o tremoço na sua forma natural, mas adaptá-lo ao consumidor moderno, que não tem muito tempo livre ao longo do dia. “Tem de ser apelativo, ou seja, eu quero ser visto a comer o que eu estou a comer. Foi um bocadinho assim que surgiu a ideia de fazer o tremoço em saqueta”, dizem. Este snack foi lançado em fevereiro de 2021. Mais recentemente chegou o Lummus, um húmus que usa o tremoço como base. “É um produto muito versátil, e que no Reino Unido se utiliza para tudo, pasta para barrar, acompanhamento de refeições, entradas.” O Lummus está à venda por um valor que começa nos 2,99 euros por unidade e tem quatro sabores disponíveis. Nos planos está já um novo produto para este verão.
O processo de produção não foi fácil. “Se nós já estamos a construir uma coisa do zero, então queremos um bocadinho quase por responsabilidade cívica assegurar que todas as nossas decisões são pensadas e têm um impacto positivo”, defendem. O primeiro problema foi a noção de que grande parte do tremoço que existe em Portugal não é português, vem do Chile.
“Nós começámos muito idealistas, só queríamos tremoço português, e encontrámos uma produtora que estava a criar a rede de produtores locais que só utilizavam tremoço português. O que esta senhora fazia era: ia ter com um produtor e dizia ‘tu produzes trigo, entre plantações, planta tremoço, eu compro-te isto, e para ti é mais uma fonte de rendimento’. Nós adorávamos essa parte da economia circular. Quando lançámos o primeiro, chegamos à conclusão de que era uma ideia interessante, mas que não tinha muita escala. Hoje em dia já não utilizamos tremoço apenas português, mas, sim, tremoço que ninguém quer. No fundo, é mais barato, o que é ótimo”, diz Catarina, realçando que os tremoços da Tarwi não têm químicos ou aditivos.
Influência + Confiança
A forma como a marca comunica os produtos é, segundo os fundadores, também uma inovação. A presença de Alice na equipa dá, em Portugal, “uma alavanca de visibilidade”.
“O nosso foco é uma comunicação mais centrada em pessoas e não tanto no produto. Por isso é que a nossa campanha de lançamento e o evento de lançamento do Lummus foram sempre focados em pessoas. Chamamos sempre seguidores da marca. Mesmo no Reino Unido, já fizemos vários eventos com pessoas incluídas. É como se definíssemos a estratégia em Portugal, mas também para catapultar para o mercado inglês”, explica Alice.
O objetivo passa por criar uma ligação de confiança, através da qual se pretende associar a marca ao que chamam de pessoas reais e não alguém que outros possam considerar inalcançável. É esta confiança que vai fazer com que a Tarwi não faça parte do ruído que consideram existir no mercado. A comunicação está centrada numa estratégia multicanal entre o online e o offline. A ideia passa por fazer sempre crescer os dois lados. “Há muita gente que o faz em retalho, há muita gente que o faz em moda, em alimentação é menos presente”, diz Pedro.
“O consumidor olha para a Tarwi e sente-se representado, ouvido. Este fator é muito importante. Tentamos ao máximo humanizar a marca porque assim aproxima-nos do consumidor, eles entendem-nos, e nós entendemo-los a eles. É uma marca pensada de pessoa para pessoa”, acrescenta Alice.
Hoje pode-se adquirir os produtos no website da marca e nas lojas Continente e El Corte Inglés. No Reino Unido, a Tarwi está em mais de 100 pontos de venda. A expetativa, em ambos os países, é que vai continuar a aumentar.
E o desafio no futuro está bem definido: “O maior desafio é a médio e longo prazo. No momento de lançamento temos a hype, a visibilidade, mas não queremos que seja um on e off. Acaba por ser esse o maior desafio”.
Artigo publicado na edição de abril/maio 2023 da Forbes Portugal.