Enquanto algumas pessoas já olham para determinadas coisas como “do passado”, há duas gerações que insistem em não deixar morrer algumas dessas experiências. O formato digital, o prático e instantâneo vieram para ficar na área da fotografia, e as máquinas e os smartphones adaptaram-se a isso mesmo. Até que os millennials e a geração Z decidiram que estava na altura de parar e aproveitar o momento.
“Acima de tudo, procuram algo que seja mais físico, que os obriga a abrandar um bocadinho. O que acaba por acontecer muitas vezes é que as pessoas não fotografam tudo, são mais seletivas e há uma memória por trás da fotografia. Grande parte das pessoas não vêm por serem fotógrafos ou por quererem capturar fotografias muito bonitas, é mais para capturar memórias. No fundo, estamos a registar ali um pedaço de tempo. Enquanto no telemóvel, como é tudo tão rápido e acessível, acaba por se perder esse foco da memória em si”, diz Américo Amor, proprietário da LX ao Milímetro, à Forbes.
O interesse por fotografia analógica surgiu-lhe da mesma forma que surge para a maioria dos jovens. Américo encontrou uma máquina do avô e teve curiosidade. “Fui procurar um bocadinho, gostei, comecei a colecionar muito, a apanhar muitas máquinas de pessoas que praticamente as mandavam para o lixo. Fiz uma coleção gigante, e há dois anos fartei-me e disse que ia começar a vender as máquinas, ia ficar com duas ou três”, conta.
A ideia acabou por levá-lo a um novo negócio, Licenciado em Engenharia Mecânica, Américo deixou um trabalho na área para se dedicar à LX ao Milímetro a tempo inteiro. Apesar de ser sobre o analógico, o projeto começou no digital, através de uma conta no Instagram que criou em conjunto com a namorada, Joana Fernandes.
“Comecei a ver que havia procura, tinha muitos amigos da minha geração à procura deste novo formato de fotografia, depois as coisas foram evoluindo. Há cinco meses decidimos abrir uma loja física para dar continuidade a este projeto que está cada vez a crescer mais”, explica.
A loja em Lisboa, segundo Américo, veio colmatar uma lacuna no mercado na capital. “O Porto já começa a ter muita vida, tem lá casas mesmo muito boas. Aqui em Lisboa não há”, diz. Mas a comunidade de pessoas que gostam de fotografar em analógico já existia, e por isso Américo decidiu criar um espaço onde essas pessoas podem ir para ver ou comprar máquinas, tirar dúvidas ou partilhar experiências.
Além disso, dar aos lisboetas um local físico onde podem revelar e digitalizar os seus rolos, sem terem de lidar com tempos de espera bastante longos. “Isso foi o grande objetivo de abrirmos a loja e não trabalharmos só no formato online, foi a parte da revelação e da digitalização dos rolos e do filme fotográfico. Neste momento aqui não fazemos a impressão, mas há quem procure, se bem que a maior parte desta geração quer é os ficheiros jpeg”, conta. Os preços destes serviços começam nos 11 euros, considerando o pack com as dimensões-base.
Manual de fotografia analógica
Dar os primeiros passos no mundo da fotografia analógica pode ser um desafio, mas o segredo está em não desistir no primeiro obstáculo. No fundo, passa tudo pela tentativa e erro. A máquina mais indicada para isso? As point and shoot. “É tudo automático, não tem nada que enganar”, explica Américo. “É arranjar uma máquina e começar a fotografar sem medos, apesar de ser caro, porque quanto mais fotografarmos, mais experiência vamos ganhando, menos medos vamos tendo.”
O passo seguinte são as máquinas manuais, numa altura em que já se tem vontade de experimentar um pouco mais. “Apesar de já exigirem um bocadinho de saber, não é difícil. Ou seja, a única preocupação que temos de ter é ler a luz”, diz, realçando que hoje em dia já existem aplicações nos smartphones que fazem essa leitura.
Américo começou por encontrar as máquinas que vende na sua loja em feiras, mas hoje já conta com dois fornecedores e uma pessoa que faz o restauro das máquinas que têm alguma avaria. “Comprar as máquinas já foi mais barato, agora, como há uma grande procura… Mas isso faz parte, é o mercado a falar por si. Tudo o que é velho hoje em dia já começa a ter valor”, diz.
Para o público, as máquinas custam entre 60 e 100 euros, quando se trata das point and shoot, e a gama superior (SLR) custa em média 150 euros. Os valores podem disparar por dois motivos: ou porque são objetos colecionáveis ou porque são um modelo em específico bastante procurado que levou ao aumento dos valores no mercado.
Selecionada a máquina, segue-se a escolha do rolo, o que nem sempre é fácil, uma vez que a grande procura dificultou a vida aos fornecedores. Com a procura superior à oferta, muitas lojas, como a LX, optaram por vender também rolos expirados, que custam entre 6 e 8 euros.
“Neste momento só há dois rolos a serem produzidos no mercado, os de 35 milímetros, que é o mais comum e mais barato, e temos um médio formato, que é o de 120, uma gama profissional e mais cara. Vai depender um bocadinho do que procuramos, eu aconselho sempre a experimentar o máximo de rolos possível. Os rolos Kodak têm tendência a ter cores mais quentes, os da Fuji têm tendência a ter cores mais verdes e mais frias, depois também temos rolos expirados que têm cores não tão naturais”, acrescenta.
As mesmas fotografias, outros negócios
Marta Sobral tem muito claros os motivos que a levaram à fotografia analógica. “Fotografo em filme há alguns anos, e inicialmente fascinou-me o número de cliques diminuir e a qualidade destes aumentar. Sobretudo porque tens tendência a pensar duas ou três vezes antes de clicares no botão de disparo. Imaginas a fotografia, interages com o cenário e exploras os resultados. Quando estás a fotografar em filme não podes visualizar a imagem de imediato. Este fator surpresa é fascinante e interrompe aquele hábito que temos de ver imediatamente o resultado”, diz à Forbes.
A criadora de conteúdo digital e fundadora da marca Tarda também olha para este recurso como uma ferramenta de trabalho. Apesar de não ter notado que as fotografias analógicas tenham influenciado o seu crescimento nas redes sociais, recorre a elas no seu negócio. “Inicialmente, todas as fotografias publicadas na Tarda eram analógicas. Traziam uma certa magia ao projeto e evidenciavam a beleza das peças. Ao longo dos anos, fomos misturando um bocadinho do digital, e hoje fazemos uma mistura saudável dos dois tipos de fotografia”, diz.
Algo que Marta também confirma é o aumento da popularidade deste hobby. O digital e o sucesso que estas imagens têm nas redes sociais foram o grande motivo para que isso acontecer, apesar de atualmente as coisas estarem um pouco mais calmas.
“O que vemos diariamente no digital acaba por influenciar de forma positiva e/ou negativa o que fazemos, o que compramos e, neste caso, como fotografamos. O analógico voltou em força há cerca de três ou quatro anos, mas entretanto os valores dos rolos dispararam, e acabou por diminuir o número de pessoas a recorrer a este tipo de fotografia”, acrescenta.
Ainda assim, o negócio não parece ter abrandado. Nem mesmo com a inflação em força. “Em dezembro do ano passado fizemos o melhor mês em termos de vendas de máquinas. Estamos a falar de 70 máquinas. Agora ressentiu-se um bocadinho, baixou, mas acho que tem mais que ver com a época do ano. Grande parte da procura acaba por surgir na altura do bom tempo, verão, quando as pessoas vão viajar”, diz Américo.
Artigo publicado na edição de abril/maio 2023 da Forbes Portugal.