A nobreza do plástico

Do lixo que vagueia pelos oceanos e pela costa dos continentes, 80% é plástico e é responsável por danos anuais superiores a 11 mil milhões de euros. Todos os anos entram no mar entre 10 a 20 milhões de toneladas de plástico. Os números assustadores foram emanados pelas Nações Unidas num relatório de 2014. Reutilizar…
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Depositado no contentor amarelo, não mais pensamos nele. Mas muito desse plástico está a regressar aos nossos dias pela mão da empresa de Sandra Castro, através de mobiliário urbano.
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Do lixo que vagueia pelos oceanos e pela costa dos continentes, 80% é plástico e é responsável por danos anuais superiores a 11 mil milhões de euros.

Todos os anos entram no mar entre 10 a 20 milhões de toneladas de plástico. Os números assustadores foram emanados pelas Nações Unidas num relatório de 2014. Reutilizar impõe-se, defendem ambientalistas e técnicos – e uma das formas possíveis é a madeira plástica.

Com o sol e as correntes, entre outros fenómenos, o plástico fracciona-se e a vida marinha toma-o por alimento. Ironia, a incúria humana é-nos devolvida através do prato.

O cenário, negro como o petróleo de que deriva aquele material, vai sendo combatido pela reciclagem e revalorização. Neste caso, não é necessário sofrer de miopia para descansar sob um chapéu de sol ou passar sobre um deck feito de madeira plástica e tomar por madeira biológica o que, na realidade, já foram restos de pacotes de batatas e copos de iogurte.

Para a Extruplás, esta reciclagem é o seu ganha-pão. Só no ano passado, a transformação de lixo em materiais de plástico gerou para os cofres desta empresa portuguesa, com instalações no Seixal e na Maia, mais de 3,5 milhões de euros.

A partir de 2007, ano em que o grupo Parques de Ecologia Industrial (PEI) adquiriu a Extruplás, a empresa entrou num ritmo de reciclagem de resíduos plásticos com crescimentos a três dígitos nos dois anos seguintes. Até 2014 evoluiu sempre ao nível dos dois dígitos, com 2010 e 2014 numa evolução superior a 50%.

Com o crescimento da escala, a empresa já conseguiu equilibrar o preço da sua madeira de plástico e, segundo dados de Sandra Castro, directora-geral da empresa, já pratica um preço idêntico ou até inferior ao do pinho. “Temos vindo a fazer um grande esforço para competir directamente com a madeira. Com o passar dos anos e a melhoria de custos consegue-se um preço mais competitivo”, diz.

A isto somam-se outros ganhos: a redução dos detritos lançados na natureza e que formam aquilo que os ambientalistas designam de sétimo continente, pela dimensão do vórtice de plástico no Pacífico.

Economia circular

Pilhas de plástico amontoado é o que nos reserva a chegada às instalações da empresa no Seixal, na margem sul do Tejo. Os fardos de lixo formam uma imagem que um dia de chuva forte tornou ainda mais grotesca.

Uma hora após chegarmos e sermos guiados pela fábrica por Sandra, percebemos como aquela montanha de resíduos origina a madeira plástica. Como denuncia o sugestivo nome, após passar pela carpintaria, como se de madeira biológica se tratasse, originará mobiliário urbano.

A Extruplás nasceu no início do século na Trofa, pela mão de um empresário ligado à área dos plásticos e com a visão de produzir madeira plástica em Portugal, à imagem do que vira no estrangeiro.

Em 2006, o grupo PEI teve conhecimento das dificuldades financeiras da Extruplás e interessou-se por este complemento ao seu portefólio de reciclagem. “Achávamos o conceito interessante, mas algo tinha falhado”, relembra Sandra.

A análise à causa das dificuldades, com vendas e facturação reduzidas, pendeu para falhas na estratégia de venda. Contudo, a equipa de Sandra percebeu que o problema estava a montante: faltava um fluxo constante de plásticos mistos, a sua matéria-prima.

Acrescia que a única máquina disponível era insuficiente para respeitar as encomendas. A jusante, “estava tudo por fazer no comercial”, diz Sandra.

A Extruplás é o arquétipo do modelo de negócio perfeito: a matéria-prima vinda da Sociedade Ponto Verde (SPV) – gestora nacional de resíduos -, traz uma compensação financeira dada aos recicladores de plástico misto para transporte e tratamento do resíduo.

Ganha o ambiente, porque se evita o aterro (destino dos plásticos mistos até perto de 2007) e cumprem-se as metas ambientais europeias. Enquanto a generalidade dos recicladores vende o produto da reciclagem a um fabricante (de sacos de lixo doméstico, por exemplo), a Extruplás dá um fim industrial ao material.

Esse mobiliário urbano trará, por seu lado, dividendos da venda – e assim se alcança o jackpot. “O que eles fazem é aproveitamento de um resíduo que por norma vai para aterro”, explica Bruno Silva, da Universidade do Minho.

O director de projecto do Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros (PIEP), departamento que com a Extruplás está a desenvolver travessas de plástico para linhas de ferro, enfatiza o valor da economia circular (em contraponto com a linear), valorizando o resíduo com nova aplicação após a reciclagem.

O material é tão discreto que facilmente passa despercebido a quem, por exemplo, passeou no “Bosque Encantado” do Jardim Zoológico – que absorveu 20 toneladas destes plásticos –, nas praias da Costa da Caparica e Cascais ou visitou o eco-resort Zmar.

“O objectivo desta parceria é continuar a demonstrar que através da reciclagem é possível proporcionar momentos únicos de diversão a todos os visitantes do Jardim Zoológico ao mesmo tempo que se trabalha a sensibilização ambiental”, diz o director-geral da SPV à FORBES.

Só na infra-estrutura turística da Zambujeira do Mar já foram instalados equipamentos que consumiram 400 toneladas de plásticos mistos. Francesca Mello Breyner, responsável do Zmar, assegura que continuará a investir nesta solução, que o fundador do espaço escolheu pelo valor acrescentado ambiental.

“Com este avanço é possível transformar todas estas embalagens, antes desaproveitadas, em madeira plástica, que pode ser depois trabalhada, para a produção de mobiliário urbano”, destaca Luís Martins, director-geral da SPV.

Corrida ao plástico

Assim que adquiriu a Extruplás, o grupo PEI investiu em maquinaria – a primeira máquina que adquiriu, usada, custou cerca de 400 mil euros – e procurou a certificação pela SPV, aproveitando a ligação já existente, por via das suas outras empresas de reciclagem.

“Até há dois ou três anos, a empresa teria passado muito mal sem aquele parceiro”, assume Sandra, que considera a relação com a SPV como “o pontapé de partida” que também deu alento para investir, face ao fluxo ininterrupto de plásticos mistos.

Actualmente, cerca de 60% do volume da matéria-prima produzida em Portugal vai parar às instalações da empresa.

O restante segue para Espanha, onde está o grande concorrente da Extruplás nos leilões de plásticos mistos, uma empresa que junta plásticos mistos ao processo de fabrico de pilaretes de cimento. Sandra assume que já procurou participar nos leilões espanhóis, mas o proteccionismo levou-a a desistir. “Fizeram um leilão por sete anos e o mercado fechou lá. Cá em Portugal temos leilões de três em três meses. É triste, mas é verdade”, desabafa.

Para não ficar “refém” do seu único fornecedor, o foco da empresa virou-se para a Alemanha, onde a auditoria ambiental já permitiu a pré-qualificação para abrir a porta dos leilões à empresa portuguesa – um bom indicador para a segurança do negócio, hoje dependente da SPV em 90% dos plásticos mistos utilizados no mobiliário urbano (os restantes 10% provêm sobretudo de outras empresas do grupo PEI).

Com o plástico misto germânico, e tal como já aconteceu pontualmente, a empresa poderá passar a importar estes resíduos para seu aproveitamento em Portugal.

Com a matéria-prima assegurada, a empresa está em fase de renovação do portefólio através da inserção de novas tecnologias. Foi nesse sentido que se investiu numa nova máquina que permitirá fazer a dimensão da travessa de linha férrea – cerca de 2,5 metros de comprimento –, em estudo com a Universidade do Minho, de modo a arranjar um substituto para a madeira e betão das travessas das linhas de ferro.

A solução terá de passar pelo crivo da Infraestruturas de Portugal (gestora das linhas férreas nacionais), e poderá vir a substituir as travessas de madeira cuja manutenção exige químicos ambientalmente agressivos, ou as de betão, pesadas para pontes e viadutos.

Bruno explica à FORBES que neste projecto de 36 meses, beneficiário dos fundos do Portugal 2020, a universidade está encarregue da engenharia, testes e optimização do material. Os plásticos mistos representarão 80% a 90% da peça. Sandra ressalva que há matéria-prima e a máquina já foi adquirida, pelo que falta conhecer as misturas necessárias, que carga adicionar e fazer ensaios.

O resíduo de plástico aburguesou-se

Todos os meses a Extruplás recebe, em média, 1500 toneladas de plásticos mistos. Apenas cerca de 10% é rejeitado, mas “pouco refugo vai para aterro”, revela Sandra.

No fabrico de cada peça na Extruplás, é usado mais 30% que o peso final da peça, sendo que não existem desperdícios, por força da reutilização do plástico.

Mesmo quando um dos produtos da empresa é danificado, por vandalismo ou pelas chamas (como aquando do incêndio no Zmar), poderá ser de novo triturado e reutilizado. Francesa de Mello Breyner, responsável do Zmar, explica que os equipamentos da Extruplás arderam “com bastante facilidade”, enquanto Sandra ressalva que o plástico não fez de propagador de chamas, em oposição à madeira.

O único resíduo final, assegura a gestora, surge no processo de triagem feito na primeira fase do processo, onde já foram encontradas bonecas e sapatos, por exemplo.

Mas mesmo esses têm um aproveitamento, geralmente dentro do grupo PEI: a Transucatas recebe os metais; a madeira vai para a Ambissado; o vidro é encaminhado para uma empresa externa; outros resíduos servem para a SGR (empresa do grupo que trata entulhos de construção) converter numa fonte de energia utilizada nos fornos das cimenteiras e outras indústrias.

A interligação com estas empresas do grupo foi uma das razões para expandir o negócio da Maia para o Seixal. A geografia e os custos de transporte não foram despiciendos, já que o contrato com a SPV implica a chegada à empresa de matéria-prima de todo o país, ilhas incluídas.

Além das travessas de comboios, outro exemplo do trabalho entre a Universidade do Minho e a Extruplás foi o desenvolvimento de barreiras acústicas para as estradas. Pelas características mecânicas, acústicas e estéticas, os plásticos mistos estão em condições de competir com os materiais utilizados actualmente, lê-se na apresentação do projecto Ecoacustic, que juntou empresa e Academia.

Esses painéis são uma das soluções para a expansão do negócio, considera a gestora, desvendando a possibilidade de evoluir para uma alternativa à calçada à portuguesa e outros materiais utilizados nos passeios.

A empresa antevê um horizonte ainda mais alargado com as candidaturas ao programa de incentivos públicos Portugal 2020, com relevância na área da inovação e na internacionalização – Espanha, França e Panamá são os primeiros marcados no mapa mundo.

Para tal, desenvolverá estudos de mercado para encontrar novos nichos. É nesse capítulo que se insere a próxima máquina, para a extrusão em contínuo, ou co-extrusão, que Bruno explica através da analogia com uma sanduíche: os plásticos mistos ficam no interior e o acabamento é feito em material nobre, o que tanto pode dar uma janela como mobiliário para zonas com cachet na cidade.

Sandra fala em peças de maiores dimensões e secções com uma capa que dará um acabamento aprimorado ao material, ao invés do aspecto rústico actual. O rude plástico misto quer ser mais que campestre, anseia por chegar à cidade e tornar-se nobre.

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