Longe vão os tempos que Portugal contava com cerca de cinco dezenas de instituições financeiras, entre bancos de retalho, caixas económicas, caixas de crédito agrícola mútuo e casas comerciais, entre continente e ilhas.
Em pouco mais de 40 anos, com nacionalizações, fusões, aquisições e resoluções, o cenário do sistema financeiro nacional mudou radicalmente. Hoje, ficam-se pelas duas dezenas o número de instituições que continuam a operar no país, algumas delas apenas sucursais das casas-mãe sedeadas em algum outro país do mundo.
Muitas alterações tiveram lugar ao longo dos anos. O sector assistiu a episódios de quase tudo. Foram vários os banqueiros que caíram em desgraça, muitas famílias que se desligaram do mundo financeiro e tantas voltas e reviravoltas em negócios que estiveram quase a acontecer e que nunca se concretizaram. Contas feitas, em 2016 assinalam-se 41 anos desde as nacionalizações que mudariam para sempre a história do panorama financeiro do país. Depois de quase todos os bancos terem pertencido ao Estado português, hoje, mais de quatro décadas passadas, nunca se ouviu falar tanto de “espanholização” ou “angolanização” da banca portuguesa. As novas regras europeias, que obrigaram os bancos a reforçar rácios de capital e a proverem-se de almofadas financeiras para fazer face a cenários de stress, puseram a nu as fragilidades que muitos deles enfrentaram durante anos – e até levaram à queda de alguns. Uma situação que levou vários grupos económicos espanhóis e angolanos a aproveitar o momento para fechar bons negócios e garantir uma porta de entrada ou de reforço de posição no país.
Se algo voltará a ser como antes? É muito improvável. O mundo mudou, as regras também e os negócios ainda mais.
O tempo das poderosas famílias parece ter chegado ao fim, e cada vez mais as instituições adquirem um carácter internacional e com o capital disperso entre vários accionistas.
Mas prepare-se, que apesar de já termos vivido tempos conturbados, o ano de 2016 ainda promete ser de grande animação no sector, a começar pela mais recente novela que envolve o reforço de capital da Caixa Geral de Depósitos (CGD), e que tanta tinta tem feito correr nos jornais.
Solidez e segurança quase absoluta. Foi assim que durante anos os bancos foram descritos. E pior ainda: desde a década de 1980 que se assumiu que os bancos e os seus banqueiros estavam num patamar intocável. Isso contribuiu sobremaneira para que ao longo de quase três décadas a banca tivesse carta branca no panorama nacional. Mas as coisas mudaram radicalmente nos últimos 10 anos.
A crise financeira de 2007/2008 destapou a cortina de fumo que durante décadas foi criada em redor do sector. O tempo veio mostrar que os erros e os exageros, tal como na vida de qualquer empresa, pagam-se caro, como ficou bem espelhado com o fim do Banif, Banco Espírito Santo (BES), Banco Privado Português (BPP) e Banco Português de Negócios (BPN).
Depois de quase todos os bancos terem pertencido ao Estado português, hoje, mais de 40 anos depois, nunca se ouviu falar tanto de “espanholização” ou “angolanização” da banca nacional.
Mão pesada do Estado
A chegada do 25 de Abril de 1974 e as consequentes nacionalizações que tiveram lugar no ano seguinte vieram marcar uma viragem única no panorama financeiro nacional. Catorze bancos comerciais foram nacionalizados, bem como duas casas bancárias e a Companhia Geral do Crédito Predial Português. No seguimento dos acontecimentos do 11 de Março, a maioria das instituições bancárias e companhias seguradoras, com excepção das instituições de capital estrangeiro, foram nacionalizadas. Isto significa que as instituições particulares pertencentes a conhecidas famílias – Pinto & Sotto Mayor, Fonsecas & Burnay, Espírito Santo ou Pinto Magalhães, por exemplo – passaram para as mãos do Estado português, às quais escaparam o Banco do Brasil, o Bank of London & South America e o Crédit Franco-Portugais, por serem instituições estrangeiras. Também as 19 caixas económicas existentes e todo o sistema de caixas de crédito agrícola mútuo não foram abrangidos pelo programa de nacionalizações, enquanto a CGD se manteve, naturalmente, sob alçada estatal.
A época seria marcada por um terrível sentimento de expropriação por parte das famílias que viram os seus rentáveis negócios passar
para o domínio público sem poderem fazer nada para o impedir.
Os anos seguintes seriam o espelho da determinação de muitas delas para reaver o património e também o poder perdido. A partir de então, o sistema bancário nacional jamais voltaria a conhecer tempos de calmaria, cenário que se mantém, literalmente, até aos dias de hoje.
Regresso da iniciativa privada
Foi necessário passar praticamente uma década até que fosse autorizada a existência de iniciativa privada no sector financeiro nacional, por força de uma revisão constitucional promovida pelo Bloco Central. Em 1984 surge a Associação Portuguesa de Bancos, que se mantém até hoje, e à qual os associados podem voluntariamente aderir. No ano seguinte, são fundados o BPI e o BCP. O Banif, por seu lado, aparece em 1988, após transformação da Caixa Económica do Funchal. Na mesma altura, o grupo Mello compra a Sociedade Financeira Portuguesa (que mais tarde dá origem ao Banco Mello), e os bancos estrangeiros começam a ganhar protagonismo. Citibank, Deutsche Bank e Banco de Tóquio são apenas alguns dos que foram chegando entre os finais da década de 1980 e o início da década de 1990. O sector fervilhava, com as grandes famílias e grupos económicos de novo de olhos postos na banca. Muitas delas procuravam reaver instituições que tinham perdido para o Estado, como o Grupo Espírito Santo e outros aproveitam para reforçar ainda mais a sua presença, como o grupo Champalimaud. Muitas das reprivatizações foram feitas em diversas fases, e algumas delas foram pautadas por episódios controversos. Uma batalha que ficará para a história teve lugar entre três “Antónios”: Guterres e Sousa Franco, do lado do Governo, e o empresário Champalimaud, que procurou vender os seus activos financeiros aos espanhóis do Santander, por oposição à vontade do Executivo. Depois de uma novela que fez correr muita tinta, o empresário acaba por sair da banca por mais de mil milhões de euros, os espanhóis ficaram com o Banco Totta & Açores e o Crédito Predial Português, o BCP fica com o Pinto & Sotto Mayor e a CGD adquire a Mundial Confiança.
Regresso da iniciativa privada
Foi necessário passar praticamente uma década até que fosse autorizada a existência de iniciativa privada no sector financeiro nacional, por força de uma revisão constitucional promovida pelo Bloco Central. Em 1984 surge a Associação Portuguesa de Bancos, que se mantém até hoje, e à qual os associados podem voluntariamente aderir. No ano seguinte, são fundados o BPI e o BCP. O Banif, por seu lado, aparece em 1988, após transformação da Caixa Económica do Funchal. Na mesma altura, o grupo Mello compra a Sociedade Financeira Portuguesa (que mais tarde dá origem ao Banco Mello), e os bancos estrangeiros começam a ganhar protagonismo. Citibank, Deutsche Bank e Banco de Tóquio são apenas alguns dos que foram chegando entre os finais da década de 1980 e o início da década de 1990. O sector fervilhava, com as grandes famílias e grupos económicos de novo de olhos postos na banca. Muitas delas procuravam reaver instituições que tinham perdido para o Estado, como o Grupo Espírito Santo e outros aproveitam para reforçar ainda mais a sua presença, como o grupo Champalimaud. Muitas das reprivatizações foram feitas em diversas fases, e algumas delas foram pautadas por episódios controversos. Uma batalha que ficará para a história teve lugar entre três “Antónios”: Guterres e Sousa Franco, do lado do Governo, e o empresário Champalimaud, que procurou vender os seus activos financeiros aos espanhóis do Santander, por oposição à vontade do Executivo. Depois de uma novela que fez correr muita tinta, o empresário acaba por sair da banca por mais de mil milhões de euros, os espanhóis ficaram com o Banco Totta & Açores e o Crédito Predial Português, o BCP fica com o Pinto & Sotto Mayor e a CGD adquire a Mundial Confiança.
Esperança europeia
A década de 1990, logo após a criação da actual União Europeia, trouxe a Portugal duas vagas significativas de aparecimento de bancos. Uma primeira que aconteceu durante o ano de 1993, com o surgimento de instituições como o Finibanco, o Banco Nacional de Investimento ou o Banco Mello. Já durante o ano de 1997, Portugal assistiria ao nascimento do Banco Privado Português, do Interbanco ou do Banco Alves Ribeiro.
Em 1998 surge o Banco Central Europeu, do qual Portugal foi um dos primeiros membros. Isto trouxe inevitavelmente novas alterações a serem acomodadas pelo sector financeiro nacional, sobretudo em matérias de supervisão bancária. Recorde-se que foi também no início desta década que a União Económica e Monetária começou a dar os primeiros passos, introduzindo novas regras relativas aos poderes dos bancos centrais nacionais e do próprio acesso privilegiado às instituições financeiras. A adopção da moeda única foi efectivada em 1999, tendo Portugal pertencido ao grupo dos países que primeiro se rendeu ao euro, numa altura em que a maior parte dos bancos já estavam novamente nas mãos de particulares, e depois de uma leva de fusões e aquisições que daria origem ao cenário financeiro que vigorou durante os primeiros anos do século XXI.
Nascimento de gigantes
A reprivatização do sector foi um dos grandes motores das fusões e aquisições que se foram vivendo em Portugal no final do século XX, e que tiveram o seu expoente máximo no final da década de 1990 e no início dos anos 2000. Champalimaud, Mello, CUF e Espírito Santo destacaram-se nas movimentações, querendo recuperar património, promovendo fusões e aquisições e continuando a tentar reforçar a sua posição no sector financeiro. Foram vários os processos de fusões e aquisições que tiveram lugar na banca durante este tempo. Muitos desses negócios foram complexos e quase sempre protagonizados pelo mesmo núcleo restrito de famílias, grupos económicos ou financeiros.
Depois de a maior parte das instituições já estar nas mãos de privados, as mexidas começaram a ser, se assim se podem chamar, mais ‘horizontais’, entre os próprios grupos. Algumas das mais relevantes fusões e aquisições realizadas em Portugal foram, por exemplo, a absorção da União de Bancos Portugueses e do Banco Nacional de Investimento pelo Banco Mello e o desaparecimento do Banco Mello e do Banco Português do Atlântico, que se fundem com o BCP. Já no início dos anos 2000, é criado o Santander Totta por incorporação do Santander Portugal, Totta & Açores e Crédito Predial Português. O Efisa e o Banco Nacional Ultramarino também já não existiam, por incorporação no Banco Português de Negócios e na CGD, respectivamente. O panorama financeiro parecia, apesar de tudo, começar a apresentar alguma estabilidade e serenidade depois dos anos turbulentos que se seguiram ao 25 de Abril. O ano de 2008 viria, no entanto, alterar – hoje sabemos que de forma dramática – o statu quo da banca nacional.
Pesadelo que chegou sem aviso
O ano de 2007 marca uma viragem profunda no sector da banca mundial. Hoje, mesmo passado quase 10 anos desde a implosão da pior crise desde a Grande Depressão de 1929, ainda são sentidas replicas. Desde o Verão de 2007 até pelo menos 2009 que os banqueiros não tiveram mãos a medir com as perdas geradas pela crise do mercado hipotecário de alto risco norte-americano (conhecido como subprime). Em Fevereiro de 2008, Ricardo Salgado, então presidente do Banco Espírito Santo (BES), chegou a dizer que nunca tinha visto uma uma crise como esta. Os meses que se seguiram foram marcados por uma sangria na banca, com muitas instituições a fecharem as portas, como foi o caso do histórico banco norte-americano Lehman Brothers. Dos EUA à Europa, as feridas criadas pelo subprime foram bem profundas. Mas, para a banca nacional, ainda a respirar à superfície desta crise, o pior ainda estava por chegar. Quando em Maio de 2010 Fernando Ulrich, presidente do BPI, afirmou que Portugal não se conseguia financiar e que o país ia “bater numa parede” dentro de semanas, não estava a exagerar. Portugal, assim como alguns países do sul da Europa, viviam um clima de desconfiança por parte dos investidores que fizeram disparar o preço de financiamento da República nos mercados internacionais. Em Outubro de 2010, Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, admitia a eventual necessidade de um resgate caso a yield das obrigações do Tesouro chegasse aos 7%. Menos de um ano depois, com os títulos de dívida do Estado a 10 anos a negociarem com yields acima dos 10% e a dívida pública a suplantar largamente os 100% do PIB, o primeiro-ministro José Sócrates anunciou que tinha endereçado à Comissão Europeia um pedido de assistência financeira. A banca respira de alívio com a decisão, pois durante vários meses foi a fonte quase exclusiva de financiamento do Estado. Contudo, esse balão de oxigénio revelou-se insuficiente para que os banqueiros pudessem voltar aos tempos de glória. Os anos que se seguiram mostraram que o buraco ainda tinha margem para ser escavado. Aliás, em Outubro de 2011, a agência de notação de risco Fitch publicu um relatório em que perspectivava um panorama sombrio para a banca. Os analistas referiram que “os principais bancos portugueses continuam vulneráveis à crise de dívida”, e que “dois anos de recessão, dificuldades de acesso aos mercados e as incertezas sobre a Europa têm um efeito directo nas perspectivas de capacidade de financiamento dos bancos portugueses no curto e longo prazo”. O tempo tem-se encarregado de mostrar que os analistas da Fitch não se enganaram.
BPN
Depois de três anos de calma e sem operações de relevo no sector financeiro, o ano de 2008 chegaria com uma bomba: o Banco Português de Negócios (BPN), criado em 1993 e liderado por José Oliveira e Costa até Fevereiro desse ano, foi nacionalizado, depois de terem sido descobertos indícios de crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais, e de a instituição se debater com um elevado índice de falta de liquidez. Estas descobertas foram feitas pelo antigo ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, que assumiu a presidência do BPN em Junho desse ano. Quatro meses depois, o país assistiria à primeira nacionalização bancária desde o 25 de Abril de 1974, com a integração do BPN na CGD. Na altura, o governo liderado por José Sócrates criou três sociedades-veículo para acomodar os activos do BPN e consequentemente proceder à sua venda. Foi também o Estado quem assegurou os postos de trabalho dos milhares de funcionários do universo BPN durante vários anos.
Figuras como Cavaco Silva ou Dias Loureiro viram os seus nomes envolvidos nas investigações ao caso BPN, o que o transformaria também num episódio político relevante em Portugal. Em 2011, com o pedido de resgate internacional, chegou também a urgência de alienação dos activos da instituição. O banco BIC comprou o BPN ‘enxuto’ de activos tóxicos por 40 milhões de euros – já no governo de Passos Coelho – e foram também vendidos, por exemplo, o BPN Crédito (36 milhões), o Efisa (38 milhões), o BPN Gestão de Activos (3,2 milhões) e a Real Vida Seguros (27 milhões). Mas entre aumentos de capital, salários e limpezas de balanços, os últimos documentos do Tribunal de Contas sobre a nacionalização do BPN apontavam para um custo de 2,7 mil milhões de euros para o erário público. Um valor que ainda pode crescer para lá dos 5 mil milhões de euros. José Oliveira e Costa foi constituído arguido em vários processos relacionados com a gestão do banco, cujo fim ainda não está à vista.
>5 mil milhões de euros
Em 2011, o banco BIC comprou o BPN ‘enxuto’ de activos tóxicos por 40 milhões de euros. Mas entre aumentos de capital, salários e limpezas de balanços, os últimos documentos do Tribunal de Contas sobre a nacionalização do BPN apontavam para um custo de 2,7 mil milhões de euros para o erário público. Um valor que ainda pode crescer para valores acima dos 5 mil milhões de euros.
BPP
Criado por João Rendeiro, o Banco Privado Português (BPP) foi o senhor que se seguiu ao escândalo do BPN. O primeiro passo deste acto trágico remonta a 20 Novembro de 2008, com João Rendeiro, fundador, maior accionista e então ainda presidente do conselho de administração do BPP, a solicitar a garantia do Estado para um empréstimo de 750 milhões de euros junto do Citigroup. Dias depois, Vítor Constâncio, governador do Banco de Portugal, anuncia que o banco central iria dar parecer negativo ao pedido de garantias estatais. No final desse mês, a 28 de Novembro, Rendeiro renuncia ao cargo de presidente do conselho de administração do banco. Após vários episódios desta novela, em Abril de 2010 o Banco de Portugal decreta o fim da instituição. Com o fim do banco e após várias investigações, conclui-se que a capitalização do BPP, segundo indícios recolhidos pelas autoridades nacionais, tinha passado para as contas de João Rendeiro e de dois administradores do banco: Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital. Todos foram constituídos arguidos em diversos processos. Contudo, o caso prolonga-se, ainda, na justiça, à semelhança do que acontece com os processos do BPN, sobretudo porque foram aparecendo novos indícios que davam conta de, por exemplo, criação de títulos fictícios ou virtuais para alterar as valorizações das carteiras de clientes, operações fictícias de compra e venda de valores mobiliários ou a aquisição de credit default swaps omitidos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Já este ano, no início do mês de Maio, o caso teve novos desenvolvimentos, com o Tribunal da Relação de Lisboa a confirmar a condenação em primeira instância dos administradores do BPP, em sequência de um processo de contra-ordenação iniciado pela CMVM, e o pagamento de uma coima no montante de 1 milhão de euros por parte de João Rendeiro. Apesar de ter sido absolvido da maioria das contra-ordenações requeridas pelo regulador do mercado, Rendeiro e vários outros administradores ficaram sujeitos a coimas e proibidos de exercer actividades bancárias durante o período de cinco anos. Rendeiro e Fezas Vital já recorreram para
o Tribunal Constitucional.
BES
Nem as elevadas temperaturas que se fizeram sentir no Verão de 2014 faziam prever o estrondo com que um dos mais antigos e respeitados bancos nacionais cairia por terra. Foram precisos menos de dois meses para que o castelo de cartas tombasse. Em Maio, Ricardo Salgado anunciou que iria afastar-se da presidência do Banco Espírito Santo (BES) sem razão aparente. Na mesma altura, a CMVM publica um prospecto referente a um aumento de capital do BES que denuncia irregularidades nas contas da Espírito Santo Internacional. No início de Julho o banco reporta um prejuízo semestral de mais de 4 mil milhões de euros! As contas seriam apresentadas por Vítor Bento, entretanto escolhido para presidir à instituição que, já o Banco de Portugal sabia, tinha ocultado dívida e atravessava sérios problemas, muitos deles causados por alegadas práticas criminosas.
Durante muitos anos, a família Espírito Santo teceu uma complicada teia de empresas cujas contas se entrecruzavam e tornavam praticamente impossível descobrir o rasto a dinheiro aparecido e desaparecido. Pelo meio, o Banco Espírito Santo ia apresentando balanços sólidos, mas, soube-se mais tarde, não conformes com a realidade das contas. Juntou-se a isto uma elevada exposição ao BES Angola, que ficou a dever 3 mil milhões de euros em crédito concedido pelo BES à instituição portuguesa.
No dia 3 de Agosto de 2014, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, anunciaria aquilo que nunca se acreditou ser possível: o Banco Espírito Santo desaparecia oficialmente, ao ser alvo de uma medida de resolução – um mecanismo criado pouco tempo antes pela União Europeia e que aparece como alternativa às nacionalizações – e nascia o Novo Banco, a instituição para onde iriam todos os activos saudáveis do BES. A decisão do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças, então liderado por Maria Luís Albuquerque, ainda hoje causa dúvidas no panorama político nacional. É que embora as autoridades garantam que esta foi a forma de proteger os contribuintes de pagar a factura de mais uma nacionalização, como acontecera com o BPN, os custos com a resolução já vão nos 4,9 mil milhões de euros: parte pagos pelo Fundo de Resolução, que contraiu um empréstimo junto do Tesouro. Em termos de justiça, continuam em curso vários processos de investigação que envolvem antigos administradores do BES. Ricardo Salgado foi constituído arguido em Julho de 2015 no âmbito do caso universo Espírito Santo, e depois de uns meses em prisão domiciliária, pagou uma caução e passou a ficar sujeito a termo de identidade e residência.
Banif
Se o Banif fosse um músico, podíamos assumir que se tinha juntado ao “27 Club”, ao desaparecer em Dezembro do ano passado, alvo de uma medida de resolução, e sendo vendido ao Santander Totta por 150 milhões de euros. Mas, como o Banif era uma instituição financeira, as maldições da idade não se aplicam e os indícios de alegada má gestão voltaram à agenda mediática, apenas um ano e meio depois de o Banco de Portugal ter aplicado a primeira medida de resolução do país, ao vaporizar o BES.
O Banif, nascido na Madeira, dava sinais de que algo não estava bem já há vários anos. A morte do fundador Horácio Roque, em 2010, trouxe ao de cima várias fragilidades da instituição, cuja presidência executiva passaria, em 2012, para as mãos de Jorge Tomé, até então administrador da CGD – Luís Amado, ex-minsitro dos Negócios Estrangeiros, assumiria a presidência do conselho de administração do banco. Assim que os dois pegaram no leme da instituição, não perderam tempo a correr atrás do prejuízo, por forma a capitalizar rapidamente a instituição. Enquanto Amado procurou (sem sucesso) trazer o Estado da Guiné Equatorial para a estrutura accionista do banco, Tomé, prontamente, pediu ajuda ao Estado: o Banif recebeu 1,1 mil milhões de euros – 700 milhões foram injectados directamente e o restante foi através de instrumentos de capital contingente, ou CoCo’s. Destes últimos, ficaram por pagar 125 milhões de euros, que a administração justificou por falta de meios de pagamentos pelos problemas que a seguradora Açoreana atravessou; enquanto o valor pago pelo Santander Totta (150 milhões de euros) nem se aproxima do preço que o Estado pagou pela participação no banco. Soma-se ainda a injecção de 2,2 mil milhões de euros que o Estado terá que fazer no âmbito da medida da resolução. Ao erário pública, a instituição de Horário Roque deverá custar cerca de 2,9 mil milhões de euros. Apesar de o valor continuar abaixo do da nacionalização do BPN, as dúvidas permanecem: serão as medidas de resolução efectivamente menos lesivas para os cofres públicos?
Depois de quase todos os bancos terem pertencido ao Estado português, hoje, mais de 40 anos depois, nunca se ouviu falar tanto de “espanholização” ou “angolanização” da banca nacional.
BPI
O banco liderado por Fernando Ulrich e nascido nos idos anos 1980 tem estado sob forte fogo cruzado nos últimos meses. Tudo remonta ao final de 2014, quando o Banco Central Europeu (BCE) estabeleceu novas regras que obrigavam o BPI – e todos os bancos europeus – a reduzir a exposição a países como Angola. Isto porque a Comissão Europeia considera que a supervisão e regulação do país não é equivalente à praticada na Europa. Para BPI, essa medida é particularmente problemática para o BPI que controla o Banco de Fomento de Angola (BFA). Além disso, tem na sua estrutura accionista, com uma participação de 18,6%, a Santoro, sociedade da empresária angolana Isabel dos Santos, que a coloca numa posição chave para resolver o problema. Porquê? É que os estatutos do BPI estão blindados com um limite de direito de voto representativo de 20%, independentemente da participação em termos de capital. Desta forma, os votos do principal accionista do BPI, o CaixaBank – que tem 44% do capital – valem o mesmo que os da Santoro. Quando os catalães do CaixaBank decidiram lançar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) ao BPI, em Fevereiro do ano passado, a Santoro conseguiu fazê-la cair. Quando foi apresentada uma proposta de cisão que separasse os activos do banco em Portugal dos activos africanos – o que resolveria o problema junto do BCE –, a Santoro votou contra, e até contrapôs com a proposta de se analisar uma fusão com o BCP.
O BPI tinha até ao passado dia 10 de Abril para reduzir a exposição a Angola, sob risco de começar a pagar uma multa diária. No dia 9 de Maio deste ano, o CaixaBank avançou com nova OPA ao capital que não detém no BPI (55,9%) e nova tentativa de desblindagem dos estatutos do BPI: só que desta vez os catalães oferecem um preço 16% mais baixo (1,113 euros por acção) do que na OPA inicial. Gonzalo Gortázar, administrador delegado dos espanhóis, diz que a OPA avançará em função da aprovação pelas autoridades (incluindo BCE e Banco Nacional de Angola) e do resultado da assembleia-geral de 22 de Julho a partir da qual, sendo desbloqueados os estatutos, a posição accionista equivalerá aos direitos de voto. Situação só possível porque, em Abril, o Governo transpôs para a legislação nacional a lei europeia que elimina essa limitação – Isabel dos Santos designou o decreto-lei de “diploma BPI”.
A concretizar-se, a OPA só será concluída no quarto trimestre, afirmou o banqueiro do CaixaBank.
CGD
Criado por decreto real há 140 anos, o banco público começou a ganhar a estrutura comercial e concorrencial no sector bancário antes do 25 de Abril. No segundo governo de maioria de Cavaco Silva, a CGD é dissociada da Caixa Geral de Aposentações e passa a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos – o cerne da discussão entre a visão conservadora da estadualização e a liberal de que ao Estado só cabe regular a banca.
O século XXI trouxe fortes críticas à instrumentalização da Caixa, que passam por acumulação de imparidades após financiamentos ruinosos (de créditos para compra de acções do BCP a investimentos como o efectuado em Vale do Lobo, por exemplo) e investimento em operações deficitárias no Brasil e Espanha. O governo diz agora que quer privilegiar a operação internacional na África lusófona.
Da história mais recente da CGD fazem parte a incorporação do nacionalizado BPN e o acordo com a troika para a recapitalização do banco, que implicou a venda dos seguros Fidelidade há dois anos – 80% passaram para os chineses da Fosun. Em 2012 foi efectuado um novo aumento de capital pelo accionista Estado e o banco público ainda recebeu 900 milhões por via de capital contingente que, no lugar de ser devolvido ao Estado até 2017, fala-se agora que reverterá para o novo aumento de capital.
Em Junho, a necessidade de injectar 4 mil milhões de euros adicionais surgiu como uma bomba, levando o Partido Social Democrático a avançar para uma Comissão de Inquérito parlamentar, que o governo ripostou com uma auditoria independente aos actos de gestão da CGD praticados a partir do ano 2000. Do BPI transitará António Domingues, que assumirá a presidência do banco público assim que forem concluídas as negociações para a recapitalização da instituição.
O banqueiro já ouviu Mário Centeno dizer que a CGD tem de regressar aos lucros “num curto espaço de tempo”. As operações incluem banca de investimento, capital de risco, e actividades culturais através da Culturgest, instalada no opulento edifício sede da Caixa, mandado erguer na década de 1980 para substituir a ocupação de quase
30 edifícios.