“Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso”, escreveu José Luís Peixoto. Como mulher e pessoa com deficiência podia perder-me nos dias a pensar que não tenho um lugar no mundo. No entanto, percebi que a primeira estrada que eu precisava de percorrer era a do mundo que existe dentro do meu cérebro, alma e coração. Conhecer-me implica aceitar-me e vice-versa. É a partir dessa viagem pela minha própria identidade que cresce a minha autodeterminação, independentemente das minhas limitações físicas, assim como a convicção de que pertenço a este mundo imenso.
Fui planeada se não nunca teria cá vindo parar. Não sou um erro, um acaso, uma peça fora do puzzle, um azar ou um castigo, portanto, sim, eu tenho um lugar. Mesmo que me tenha sido associado por séculos uma dupla vulnerabilidade, ser do sexo feminino e ter uma deficiência motora, a melhor forma de estar na vida é fazer disso poder, canal e mensagem. Muito ainda há a fazer para que a sociedade seja plena em igualdade de oportunidades, acessibilidades e seja verdadeiramente inclusiva, mas eu sou das que acredita que a rodar (também) se vai ao longe.
Caibo numa série de efemérides que dão conta de que ainda é preciso continuar a falar-se – pelo menos uma vez no ano – das pessoas com deficiência, da osteógenese imperfeita, das doenças raras e por aí fora, para que a mudança continue a caminhar e não seja apenas teoria nas acções de sensibilização…
Ninguém me dá presentes ou privilégios nestes dias, mas abre-se mais espaço para que eu – e outros como eu – tenha voz para reclamar os meus direitos. Eles não são um luxo ou um favor que me fazem, são antes uma ponte para que eu possa chegar à outra margem. E a partir dela também eu poder exercer os meus deveres. É meu dever, por exemplo, não me esquecer de que, antes de eu lutar pelo que quer que seja, alguém já lutou no passado para que eu pudesse ser uma mulher com voz na sociedade.
Usar bem essa voz hoje, neste Dia Internacional da Mulher em pleno 2022, é uma obrigação! Fazê-lo em Portugal, onde a (ainda) minha falta de total autonomia não se confunde com a minha liberdade, é uma benção. Mas o meu lugar não é o de me fechar numa caixa de gratidão por isso. O meu lugar é desfazer a caixa e esticar o cartão, alargar a mesa, estender a passadeira e construir a rampa. O meu lugar é ser boa governanta daquilo que alguém já conquistou para mim e distribuir isto aos outros. O meu lugar é fazer com que a minha representatividade como mulher e pessoa com deficiência seja um reflexo de possibilidades para lá das minhas habilidades.
A memória ajuda-me a manter viva a esperança. A gratidão exercita-me a fé. Todos os obstáculos que fui encontrando no meu rodar mantém-me no caminho estreito que significa que é para continuar a ir, mesmo que não saiba o que vou encontrar a seguir à próxima curva. Ainda assim, quanto mais pessoas contribuírem para que a diversidade tenha o direito a existir e movimentar-se mais bonito será o nosso mundo imenso”.
Autora: Mafalda Ribeiro