A marca Catarina Gouveia

Atualmente já começa a parecer um pouco impossível, mas houve um tempo em que as redes sociais eram exclusivamente uma nova forma de entretenimento ou um hobby. Pessoas totalmente anónimas ou com audiência em outros canais de comunicação, recorriam a plataformas como o Youtube, os blogs ou o Instagram para partilhar vídeos, textos ou fotografias…
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Quando Catarina Gouveia chegou às redes sociais, estava longe de pensar que esta se tornaria uma fonte de rendimento. Hoje, a sua presença no digital vale perto de um milhão de euros.
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Atualmente já começa a parecer um pouco impossível, mas houve um tempo em que as redes sociais eram exclusivamente uma nova forma de entretenimento ou um hobby. Pessoas totalmente anónimas ou com audiência em outros canais de comunicação, recorriam a plataformas como o Youtube, os blogs ou o Instagram para partilhar vídeos, textos ou fotografias dos seus momentos do dia-a-dia. O objetivo era apenas e só esse: partilhar.

Quando as marcas começaram a notar o alcance que alguns destes utilizadores estavam a ter, a publicidade acabou por ganhar um novo canal de difusão e os criadores de conteúdo criaram, de forma totalmente despretensiosa, a sua própria marca. Catarina Gouveia fazia parte deste primeiro grupo de pessoas que colocou a palavra “influência” no currículo.

“Nós estávamos nas redes sociais exatamente como éramos e isso deu-nos a capacidade de nos construirmos como marca, em que a marca aqui se associa à natureza da pessoa, à sua personalidade, aos seus valores e ideais, com esta janela tão transparente que as redes sociais trouxeram a cada um de nós. A partir daí foi o que todos nós acompanhámos, a evolução das redes sociais e comecei eu própria a crescer como comunidade”, diz Catarina Gouveia à Forbes.

Tornou-se um rosto conhecido do público no papel de atriz, depois de ter sido selecionada para a sexta temporada da série Morangos com Açúcar e ter colocado em standby um mestrado em Psicologia. Seguindo o acordo que fez com os pais, iria regressar a Coimbra assim que terminasse este projeto para concluir o mestrado, mas os trabalhos como atriz não pararam de surgir. As novelas Destinos Cruzados e Terra Brava ou o filme Perdidos são alguns dos projetos por onde passou, ao mesmo tempo que alimentava as redes sociais por gosto.

“De uma forma muito despretensiosa construí uma comunidade e comecei a trabalhar com marcas, comecei a ter ali duas vidas profissionais muito paralelas. Eu, Catarina, a atriz que se dedicava aos projetos aos quais estava muito envolvida na televisão, mas também sempre de mãos dadas com aquilo que eu estava a construir no digital, neste registo muito descontraído, sem imaginar que um dia isto se tornaria a minha principal esfera profissional”, diz.

Só que, a determinado momento, as duas áreas deixaram de andar de mãos dadas. Primeiro, e em vários momentos, viu-se obrigada a colocar o digital em segundo plano, tendo em conta a exigência horária que gravar um projeto em televisão obriga. E depois o projeto que Catarina construiu no digital tornou-se de tal forma grande, que a opção de apostar todas as energias nas redes sociais acabou por surgir.

A decisão acabou por se revelar acertada. Catarina conta agora com mais de 649 mil seguidores no Instagram e gere um projeto no digital que, em 2024, lhe valeu uma faturação de quase um milhão de euros.

A evolução da profissão

O lado comercial das redes sociais começou de uma forma muito simples: se o público estava a recorrer a estes criadores em busca de recomendações, e depois optava por comprar o que era recomendado por confiar nas suas sugestões, então as marcas tinham de colocar os seus produtos nas mãos desses criadores. Uma simples fotografia era capaz de fazer o trabalho de forma eficaz. Entretanto, os critérios das marcas foram mudando.

“Se há uns 10 anos a marca pretendia apenas a presença do produto, não tinha envolvidos tantos briefings e tão detalhados, era muito mais descontraída a comunicação, hoje trabalhamos com briefings mais rigorosos, com detalhes muito bem explícitos, com outras especificidades”, explica Catarina.

O problema é que do outro lado está uma outra marca. “Quando um briefing é demasiado complexo e detalhista aquilo que acontece é que se retira o peso da marca à qual se está a associar, neste caso por exemplo à Catarina, porque a Catarina deixa de ter espaço para a marca Catarina para ter de cumprir e corresponder a determinados critérios. Acho que há aspetos positivos e outros não tão positivos”, defende. A exigência também aumentou em relação ao produto final. Uma foto com um dos filtros iniciais do Instagram seria impensável nos dias de hoje. A expetativa passa mesmo por um resultado igual aos spots publicitários que passam na televisão. E que são feitos por equipas enormes.

“É muito complexo às vezes dar a entender à marca que nós não conseguimos chegar à qualidade de um conteúdo publicitário e que é complexo só fazer a partir de uma pessoa, podemos ter uma equipa, mas mesmo assim uma pessoa é desafiante”, explica.

Mas se a perspetiva das marcas foi mudando, a dos criadores também. A atenção necessária em relação ao que se comunica e à forma como se comunica aumentou. Catarina, por exemplo, privilegia contratos a longo prazo e tenta não fazer muitas publicações pontuais. Também tem em atenção a coerência, ou seja, se comunica uma marca no início do ano, não vai comunicar uma concorrente mais à frente nesse mesmo ano.

“Eu realmente trabalho muito e sinto-me orgulhosa daquilo que alcanço e da forma como as marcas depositam a confiança em mim para se representarem e para se comunicarem. Trabalho para ter bons resultados, trabalho com consistência e sempre com muita credibilidade e confiança na relação que estabeleci com o meu público. Eu só tenho motivos para estar orgulhosa e não ao contrário”, afirma.

Gestão do dia-a-dia

Escolher o que publicar nas redes sociais ou fazer a gestão entre o conteúdo comercial e o conteúdo mais orgânico são apenas alguns dos passos que fazem parte do trabalho como criadora de conteúdo tendo em conta a forma como todo este universo evoluiu. “Tento sempre que as minhas partilhas não sejam em vão, nem puro entretenimento. Eu própria procuro e acho que cada um de nós tem esse dever quase individual de se questionar de que forma é que está nas redes sociais: para puro entretenimento, é assim que gosta de investir o seu tempo? Ou quer estar nas redes sociais para acrescentar valor, para se diferenciar com qualidade?”, questiona, realçando que a responsabilidade está da parte dos criadores, mas também de quem consome o conteúdo, que pode escolher o que quer ver nas redes sociais.

Mas publicar conteúdo não é a única função destes profissionais. Há vários pontos do processo que têm de aprender a gerir de forma a conseguirem fazer desta área a sua profissão. Começando pela gestão da relação com o público, que nem sempre é a mais fácil. “Procuro focar nesta relação de qualidade que eu tenho com as pessoas que me seguem, acredito que é uma relação já duradoura, tenho aqui alguma comunidade que eu reconheço que se fidelizou a mim já há algum tempo”, conta Catarina. Só que não é apenas esta comunidade que todos os dias a visita no seu perfil.

“Sinto que o ódio que eu posso receber são pessoas que não me conhecem, não me acompanham com a consistência que este público me acompanha. Vem de um lugar desconhecido, de um lugar precipitado, de um lugar que não está fidelizado comigo e portanto não percebe que há constância, há credibilidade nesta marca que fui construindo mesmo de forma despretensiosa e tento que isso não me afete quando parto deste princípio”, conta, realçando que quando se trata de uma critica construtiva e não de ódio gratuito, faz questão, e acredita ser mesmo o seu dever, de parar para refletir sobre o que lhe foi dito e mudar o que tiver a mudar.

É talvez por saberem que os comentários de ódio são, hoje em dia, uma constante nas redes sociais, que os criadores de conteúdo acabam por escolher não falar de determinados temas nas suas plataformas. Mas Catarina escolhe não ter temas proibidos, ainda que opte sempre por garantir estar confortável com aquilo que está a publicar. “Sinto-me confortável a abordar temas que eu me sinto segura a falar sobre eles, que sei que a informação que eu passo é uma informação segura, válida. Daí ter partido para a iniciativa de escrever o livro depois do meu parto, com o propósito de empoderar mulheres com informação que realmente é baseada em evidência”, conta.

Para lá do ecrã

Além deste projeto nas redes sociais, Catarina Gouveia dedica-se a outras áreas. No ramo imobiliário, tem investimentos no Verde Lago Resort, um projeto que será entregue no próximo ano, e na Casa Esperança, uma casa em ruína que está a reconstruir em Penalva do Castelo. “Não me envolvo em mais investimentos imobiliários sem serem estes”, afirma. No universo da moda, fundou a sua própria marca: Pura.

“A Pura veio de uma necessidade enquanto consumidora de encontrar peças que fossem verdadeiramente de qualidade, que fosse uma peça durável no tempo, o que não passa só pela qualidade do seu tecido e acabamento, mas também pela sofisticação e elegância do seu corte. Também era quase já um padrão meu de consumir e depois modificar, via sempre uma necessidade de dar um ajuste meu, personalizar a peça. Então pensei: se cada vez que eu consumo, modifico, crio eu a minha própria marca”, diz.

Com estas características em mente, começou por lançar uma coleção com peças pretas e brancas, “que nunca saem de moda”, mas depois as próprias consumidoras começaram a levar a outras necessidades: “No segundo ano decidi apresentar uma nova cor, porque percebi que eram vestidos com alguma elegância e sofisticação ao ponto de serem introduzidos em ambientes como os batizados e casamentos, mas que o preto e o branco não se adequavam tanto e, portanto, fiz esta seleção de um verde caqui”.

A Pura, agora no seu terceiro ano, tem vindo a crescer ao longo dos anos. Começou com uma faturação de 140 mil euros, em 2024 o valor subiu para os 160 mil anos e o objetivo para 2025 passa por chegar aos 200 mil euros em faturação. A maioria dos clientes estão no mercado nacional (80%) e os restantes são no mercado europeu. Ainda que, esta última coleção, apresentada recentemente, já tenha chegado a outros territórios, como os Estados Unidos e Angola. “Tem sido muito gratificante ver a marca a crescer. Lentamente, mas cresce”, afirma Catarina.

Como é de esperar em qualquer negócio, este crescimento não surge sem uma boa dose de desafios pelo caminho. A Pura não foi exceção. Catarina Gouveia destaca a etiqueta “made in Portugal” entre o maior dos desafios. Não por tê-la, até porque foi essa a sua escolha, mas para que a compreendam.

“O que é 100% made in Portugal, em Portugal não tem o peso e valor tem internacionalmente. Quem vem de fora, vem a Portugal e procura o que é 100% português, porque aquilo que se faz em Portugal é de um valor inigualável. O meu desafio foi com o público português que está muito familiarizado com os valores de fast fashion, desconstruir o valor associado a uma peça: de que forma é que é feita, como é feita, de onde é que vêm as matérias-primas. Quando escolhemos apostar numa peça assim é escolher uma peça que vai perdurar no nosso guarda-roupa durante anos e anos, que não se vai desgastar nas primeiras lavagens”, defende Catarina.

Com os olhos no futuro, a influenciadora espera conseguir internacionalizar a marca nos próximos anos. Para começar, aposta nas parcerias hoteleiras para conseguir escalar a marca. Desta forma, alia pontos de venda físicos ao seu website, dando a oportunidade aos consumidores de verem as peças ao vivo e experimentarem antes de compararem.

(Artigo publicado na edição de junho/julho 2025 da Forbes Portugal)

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