No segundo dia do ano, quando muitos ainda recuperavam das festas de fim de ano, já grande parte da equipa do Cirque du Soleil estava presente no recinto do Altice Arena, em Lisboa, a partir das 7h30.
O objectivo de tamanha azáfama era a montagem de uma mega-estrutura com o máximo de rigor e segurança para tornar real a produção do OVO, a história de uma comunidade de insectos que, de repente, assiste à chegada de um forasteiro – com um ovo às costas – que se apaixona por alguém da comunidade contra a vontade do próprio grupo.
O grande desafio é encontrar a aceitação e integrar-se nesta “tribo”. E tribo é uma boa palavra para descrever a comunidade do Cirque du Soleil presente em Lisboa, composta por mais de 100 pessoas.
Fisioterapeutas, responsáveis de figurino, cozinheiros, cenografistas, engenheiros – e, claro, os artistas. Nicolas Chabot, porta-voz do Cirque du Soleil, explica à FORBES, numa visita guiada ao recinto, que todo o espectáculo é fruto dos esforços de “uma família grande e disfuncional”, brinca. Portugal, garante, é dos países mais satisfatórios em termos de reacção do público. “Na Alemanha sentimos que não há ninguém a ver o espectáculo, está tudo muito silencioso. Mas no fim aplaudem tanto que tivémos de fazer uma ‘vénia’ extra ao público. Em Espanha, são mais reactivos, há mais aplausos e risos. Em França, há artistas que quando regressam aos bastidores, dizem: ‘Parece que não está ninguém!’, mas não, estão lá 4 mil pessoas”, brinca Nicolas, de origem canadiana.
Lisboa é a penúltima cidade da digressão europeia deste OVO, continente onde permaneceram no último ano e três meses em viagem constante. A seguir seguem para a cidade de Múrcia, em Espanha, última paragem antes de umas férias grandes de cinco semanas. Entretanto, os materiais do espectáculo irão em contentores para o próximo país: o Brasil, onde irão fazer a sua estreia em Março.
Tudo no palco
A produção OVO esteve no Altice Arena entre 3 e 13 de Janeiro, em Lisboa. A equipa – e os 23 camiões com todo o material – chegaram a tempo das celebrações do Ano Novo. A montagem começou logo no segundo dia do ano. “Nós fazemos isto normalmente todas as semanas. É muito rotineiro. Toda a gente sabe o que fazer, onde tem de o fazer. É mais um caos organizado”, diz à FORBES Heather Reilly, gestora do espectáculo.
“Mas ao fim do dia estará tudo pronto. Todas a luzes estarão postas, a equipa de som fará os testes, a equipa de iluminação irá assegurar que tudo está preparado”, garante, para que no dia seguinte os artistas possam ensaiar.
O período de montagem totaliza as 12 horas no Altice Arena, mas, em arenas mais desafiantes – leia-se pequenas -, pode demorar até 2 dias.
Vestir e maquilhar
É uma grande família, esta, em constante movimento e que leva a casa às costas. O OVO trouxe consigo 2000 peças de fatos – um camião e meio só para roupas – incluindo elementos de reserva. Há uma miríade de produtos de maquilhagem para os artistas, que se pintam eles mesmos.
Trazem tudo consigo, até máquinas de lavar (seis) e de secar (duas). Vêem-se todos os dias. “Tomamos até o pequeno-almoço de pijama juntos”, brinca Mike Newnum, director técnico. É aqui também que toda a equipa se encontra para as refeições, feitas por quatro cozinheiros internos liderados por um gestor de catering.
Trupe circense
O Cirque du Soleil é a maior companhia circense do mundo. Ao todo são mais de 4000 pessoas, sendo que 1200 são só artistas. Antes de começarem no Cirque visitam a sede, em Montréal, e tiram medidas – fixadas em quatro páginas com detalhes de medição – para se fabricarem os fatos.
Têm aulas de coreografia e aulas de actuação durante quatro semanas no Canadá antes de entrarem em digressão. Uma vida exigente que é compensada com períodos de férias regulares: a cada 10 semanas em digressão, toda a equipa tem duas semanas de férias – o que faz com que possam ir a casa quatro vezes por ano.
O palco nasce
Esta é uma sala de espectáculos “enorme” para a equipa do Cirque – é um “enorme luxo ter esta arena só para nós”, congratula-se Heather – sendo que em outros espaços mal há lugar para o palco.
Após receberem as indicações necessárias dos engenheiros responsáveis pelo Altice Arena, a equipa está pronta a começar.
Os 30 técnicos que estão nesta digressão sabem o que têm de fazer e é a coordenação essencial de Mike que faz com que tudo se realize. Diferentes cores que significam diferentes responsabilidades e tarefas – carpintaria, cablagem, entre outras – estão espalhadas pelo espaço, diminuindo a margem de erro.
Treino prévio
Todos os espectáculos são gravados e os artistas podem ver o que correu melhor ou pior com os treinadores e com o director artístico do espectáculo. Numa estrutura de ferro chamada “jungle gym” montada atrás do palco, os artistas treinam as acrobacias necessárias para o espectáculo com a ajuda de arneses e com a protecção de colchões no solo. Outros artistas fazem pilates em máquinas para o efeito, dormem sestas, experimentam instrumentos.
Um grupo de artistas já maquilhados e vestidos de diversas nacionalidades prepara a actuação, conversando em diversas línguas entre eles – sendo lingua franca o inglês, “com diferentes níveis de conhecimento”, diz Nicolas, o que não é impedimento para que a comunicação flua e tudo se concretize da melhor forma.
Portugal é dos países mais satisfatórios em termos de reacção do público. “Por exemplo, na Alemanha sentimos que não há ninguém a ver o espectáculo”, diz Nicolas Chabot, porta-voz do Cirque du Soleil.
Antes de começar
Os artistas têm de estar nos bastidores impreterivelmente pelas 16h30. “Se não estiverem aqui por essa hora, vão ter problemas”, brinca Nicolas. Muitos estão lá antes dessa hora para comer, treinar, reunir, experimentar os fatos, ir ao médico ou ao massagista.
Evita-se falhar essa hora por “uma razão de respeito” face aos colegas, explica o porta-voz do Cirque. Entretanto, o palco começa a ser preparado: limpam-se as estruturas, testam-se os equipamentos que irão içar os artistas no ar (comandados por computador) e insufla-se o ovo gigante que dá o nome ao espectáculo.
O grande dia
O Cirque du Soleil popularizou uma nova ideia de espectáculo por todo o mundo, baseada em luxuriantes cenários, adereços e meios técnicos, acrobacias inacreditáveis e histórias bem contadas, numa exibição teatral que eleva o circo a um nível superior.
Ainda a estreia não tinha decorrido e já se podia verificar um significativo impacto económico na economia local – muito graças ao grande número de artistas e técnicos e à complexidade inerente ao Cirque. Só o aluguer do Altice Arena custa aproximadamente 250 mil euros por semana, aos quais se somam os 150 mil euros que custam as viagens e alojamento para toda a equipa e 100 mil euros para a campanha de marketing local.
O objectivo desta última? Encher a sala, obviamente. E conseguiram-no: foram 69 mil os espectadores que acorreram ao Altice Arena para ver OVO, numa média de 4 mil por dia.