Frederico Carpinteiro estava numa reunião quando recebeu a notícia de que o seu nome figurava na lista europeia 30 Under 30 da Forbes. O e-mail que a revista costuma enviar aos escolhidos a confirmar a entrada nesta lista de génios tinha-lhe escapado. Por isso, descobriu que tinha entrado quando os amigos, investidores, professores, trabalhadores, e a sua namorada, lhe começaram a bombardear o telemóvel logo numa altura em que não conseguia usá-lo. “Estava na reunião e comecei a receber notificações, mas não podia mesmo sair”, recorda Frederico Carpinteiro à FORBES, durante a entrevista que concedeu a partir do Porto, onde vive e trabalha. “Eu sabia que estava no processo, mas não esperei que fosse um dos selecionados. Toda a gente ficou muito feliz”, lembra.
O lado cientista já vinha de trás. Desde sempre que o empreendedor se interessou pelas áreas da saúde e da ciência. “Nunca gostei nem nunca tive jeito para as letras e para as artes”, assume o empreendedor. Essa vocação precoce levou-o, muitos anos mais tarde, a fundar a Adapttech, uma empresa especializada no fabrico de próteses personalizadas para cada paciente. Com um scanner 3D, é medido o membro restante para ser criada uma prótese que se encaixe na perfeição no paciente, evitando o abandono das próteses por quem as usa, frustrados pela impossibilidade de usarem-nas confortavelmente.
É incrível, diz Frederico, que, mesmo aos olhos da ciência atual, existam próteses biónicas capazes de substituir um membro perdido por alguém. Haver a capacidade de criar algo que replique dentro do possível as funcionalidades do membro perdido é algo que ainda o fascina. A ele e, talvez, ao resto da Humanidade. O fundador da Adapttech não tinha, antes de fundar a empresa, qualquer ligação com alguém que tivesse sofrido uma amputação. Mas, no que toca a outras limitações físicas, já tinha lidado com as do avô, entretanto desaparecido, e com as da avó, doente de Parkinson. “Vejo o impacto que as soluções encontradas por algumas empresas podem ter na vida das pessoas. Sem dúvida que foi uma motivação”, remata.
Queria ser muitas coisas diferentes, desde veterinário a engenheiro civil. “Mas a única coisa que tinham em comum era querer ser o dono do negócio, ser a pessoa a tomar a frente. Havia já o bichinho por ter algo e por definir o caminho de algo”, revela Frederico Carpinteiro. Quando teve de escolher estava muito dividido entre as áreas de Informática e Saúde. Apesar de ter média, “tinha a certeza que não queria ir para Medicina. Um curso completamente de saúde seria algo que eu não gostaria de fazer”, constata.
O caminho das pedras
Frederico Carpinteiro optou pela Bioengenharia na Universidade do Porto. O curso serviu-lhe como base abrangente que o preparou para o futuro como empresário. Com um currículo que incluía disciplinas como Matemática, Física, Biologia, o gestor pôde “experimentar um bocadinho de tudo, ver o que gostava e depois escolher”, recorda. Acabou por se especializar em engenharia biomédica, isto é, eletrónica e informática aplicadas à medicina.
Frederico conheceu o sócio Mario Espinoza no BioStar, um grupo de investigação da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Na altura a fazer doutoramento em Engenharia Biomédica, Mario coincidiu com Frederico numa cadeira. Ficaram no mesmo grupo para a concretização de um trabalho. Depois de conversações, o parceiro – na altura a desenvolver palmilhas para pés diabéticos – embarcou no projeto.
Entretanto, Frederico foi-se fazendo à vida. Em 2014, enquanto faziam o primeiro protótipo, candidatou-se ao Passaporte para o Empreendedorismo, uma iniciativa do IAPMEI, conseguindo uma bolsa de 12 meses. “Fui guardando o dinheiro dessa bolsa para investir nas primeiras coisas que precisávamos de comprar para a empresa”, lembra ainda. Depois de um ano de trabalho duro na incubadora Uptec, em setembro de 2014 formalizaram a Adapttech.
Em dezembro, começaram a falar com alguns investidores, o que lhes deu um dos primeiros banhos de realidade do sistema empreendedor. “Percebemos muito rapidamente que não estávamos minimamente preparados. Só percebíamos da tecnologia, não percebíamos nada da parte de negócio. Não tínhamos informação, não conseguíamos responder a perguntas”, lembra Frederico. Depois de passarem por um programa da COTEC e da Porto Business School, que lhes deu a formação que faltava em business, foram aceites num programa de aceleração da Carnegie Mellon.
À boleia desse programa, cirandaram pelos EUA sete semanas. Alugaram um carro e fizeram mais de cinco mil quilómetros em sete estados. “Pegávamos no Google, procurávamos ‘centros de próteses’ e íamos porta a porta pedir para falar com o diretor dessas empresas”, explica.
Se tivessem sorte, saíam de lá com uma valiosa carta de interesse. O balanço
desta lata foi excelente, reconhece: voltaram com três cartas de interesse “a dizer que se nós desenvolvêssemos o sistema que estávamos a propor, eles viriam trabalhar connosco”. No regresso, já estavam prontos para começar a atacar o mercado.
Trazer conforto a quem precisa
Quando uma pessoa é amputada, é direcionada para um centro de próteses onde a prótese é montada. Um dos componentes mais importantes da prótese é o encaixe, que vai receber o membro amputado. Apesar de toda a tecnologia que há em tudo o resto que envolve a prótese, o encaixe continua a ser feito com métodos muito tradicionais. São feitos com moldes de gesso e, depois, começa um processo de tentativa e erro: o amputado diz como se está a sentir com a prótese, o protesista faz alterações, e assim sucessivamente. “O que criámos foi uma solução que permite ver o que está a acontecer entre o encaixe e o membro residual”, explica a mesma fonte.
“O INSIGHT da Adapttech é uma ferramenta usada pelo protesista que cria um modelo 3D do interior do encaixe da prótese, representando em tempo real as pressões que estão a ser sentidas entre o encaixe e o membro. Isso vai permitir ver como é que está a adaptação entre o membro amputado e o encaixe da prótese”, detalha. “O que conseguimos perceber é: se as coisas estão mal, mesmo que o amputado não as esteja a sentir num momento inicial, nós conseguimos indicar que as coisas estão mal e retificar antes do problema acontecer”, explica o empreendedor.
Os primeiros testes foram feitos no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, em Cascais. A experiência “permitiu-nos melhorar imenso o sistema e ter este contacto muito próximo com os pacientes, ver a reação das pessoas. Ver pacientes diferentes e conhecer as histórias, perceber o quão difícil era retomar a sua vida normal”, explica.
O sucesso do produto significa para além de validação pessoal e profissional, a felicidade de diminuir o sofrimento de outra pessoa. Como o de um “senhor inglês que vive em Portugal e que nos últimos 11 anos estava a tentar encontrar uma prótese que lhe servisse bem”, sem sucesso, conta Frederico. “Entrou em contacto connosco, durante seis semanas trabalhámos para fazer-lhe uma prótese. O senhor no fim chorou agarrado ao técnico de próteses”, recorda.
Para chegar aqui, foi preciso trabalho e dinheiro. Segundo a base de dados Crunchbase, Frederico e Mario receberam um primeiro financiamento de 1,5 milhões de euros em 2016, ronda-semente liderada pelo fundo de capital de risco britânico Mercia Fund Managers. E contou com a participação da Bionova Capital, então Hovione Capital – o fundo de capital de risco da farmacêutica portuguesa Hovione, liderada por Guy Villax –, dedicado a empresas no sector da saúde em estado inicial. Antes disso, a Bionova já tinha apostado, em pré-seed, com 300 mil euros. O fundo de capital de risco português participou na segunda ronda, na qual, a Adapttech recolheu 2,3 milhões de euros. Já são mais de quatro milhões de euros do lado da startup com o objetivo de fazer com que o produto e a empresa entrem em velocidade de cruzeiro. A associação com o fundo Mercia fez com que a empresa deslocasse a sede para Birmingham, no Reino Unido, “para conseguirmos ter acesso a um maior nível de capital”, detalha o fundador da Adapttech.
Mas até ao sucesso na captação de investidores e parcerias, os fracassos nos pitches a investidores foram muitos. Sete anos volvidos do início do projeto, Frederico conclui: “Uma pessoa levanta-se rapidamente e segue em frente. Quando se é empreendedor falhar é uma das partes mais importantes, falhar e aprender com aquilo em que se falhou. É um hábito que se cria e uma pessoa já nem fica afetada com isso”.