Como avalia a situação do mercado nacional na procura de soluções de crédito para a compra de casa? Ou seja, como avaliam o mercado em que se movem?
A situação atual é complexa. Há muitos fatores que se influenciam mutuamente e que contribuem para que, no primeiro semestre de 2023, houvesse uma contração do mercado de crédito habitação de, aproximadamente, 25% em termos homólogos, de acordo com os dados divulgados pelo Banco de Portugal.
Para este resultado, muito contribui a subida das taxas de juro, que tem um impacto significativo nos custos do crédito habitação. Portugal alcançou, em junho, o valor mais alto de taxa de juro média para novos créditos habitação desde março de 2012, o que deixa claro a magnitude dos aumentos das taxas de juros, que não sabemos até quando se vão manter.
Na prática, isto significa que a capacidade de endividamento das pessoas está a reduzir, logo o valor da casa que podem comprar tem de ser mais baixo. E aqui entra o outro elemento da equação: o preço das casas continua a subir, embora a um ritmo menor.
No primeiro semestre de 2023, houvesse uma contração do mercado de crédito habitação de, aproximadamente, 25% em termos homólogos.
Estas condições são particularmente limitativas para quem vai comprar casa pela primeira vez – estou-me a referir aos jovens, que precisam de ter acesso a capital, porque não têm uma casa para vender que assegure o valor de entrada necessário e que lhes permita ter acesso a melhores condições de crédito habitação. Este é, por isso, um segmento para o qual é fundamental haver algum tipo de apoio por parte do Estado.
De facto, a situação não está fácil para a compra de casa com a alta de preços de aquisição e também a alta de juros… Como isto prejudica ou facilita a vossa atividade?
O contexto atual é desfavorável para o mercado de crédito habitação porque reduz o espetro de clientes que têm condições para comprar casa. Mesmo clientes que, por norma, teriam um bom perfil, com um emprego estável e um bom nível salarial, estão a ter dificuldades porque o valor de empréstimo que conseguem obter é menor e o preço das casas continua a subir. E só há duas formas de contornar esta situação: ou se afastam ainda mais dos grandes centros urbanos, o que, para algumas pessoas, não é possível por questões laborais (pela rede de transportes públicos insuficiente, por exemplo); ou têm de baixar os seus níveis de exigência relativamente à casa que procuram.
A revisão pelo Banco de Portugal das regras dos testes de stress é um bom sinal, que nos deixa otimistas, porque há muitas pessoas que têm visto os seus processos serem barrados porque não conseguem fazer frente à prestação calculada com o indexante “stressado” em 3 pontos percentuais.
O contexto atual é desfavorável para o mercado de crédito habitação porque reduz o espetro de clientes que têm condições para comprar casa.
Mas, de qualquer forma, mantemo-nos tranquilos porque o crédito habitação é essencial para que as pessoas possam construir as suas vidas e, portanto, pode haver oscilações e fases de contração do mercado, mas que são temporárias. O direito à habitação dos cidadãos tem de ser salvaguardado.
Qual tem sido o vosso crescimento no mercado nacional?
Estamos em linha com o mercado em termos de contração do negócio no primeiro semestre. Não obstante, alguns segmentos estratégicos para nós, como os não residentes e o segmento green, mantiveram-se relativamente estáveis e até cresceram em termos de peso na carteira: o peso dos não residentes nos novos empréstimos concedidos pela UCI quase duplicou no primeiro semestre face ao mesmo período em 2022; e multiplicámos por 1,5 o peso das operações com imóveis green no mesmo período.
Quais os principais entraves ao vosso crescimento?
Sem dúvida que a subida das taxas de juros é o principal entrave para o nosso crescimento, porque impede que muitas pessoas que pretendiam comprar casa o façam, uma vez que não conseguem ter as condições necessárias para conseguir que a sua operação seja aprovada.
Isto deve-se também, claro, às regras impostas pelo Banco de Portugal. Os testes de stress, que fazem com que algumas pessoas estejam automaticamente excluídas do acesso ao crédito habitação, deverão ter um impacto menor com as novas regras.
“Não foi surpresa quando soubemos que UCI liderava a satisfação no crédito habitação num estudo levado a cabo pela DECO, com uma classificação de 7,3/10”.
Em compensação, temos, a nosso favor, algo fundamental: uma equipa especializada em crédito habitação, que consegue encontrar soluções para processos mais complexos que a banca tradicional muitas vezes não consegue dar resposta. Para além de dominar várias línguas, o que permite tratar de processos de clientes não residentes, por exemplo, com a mesma precisão e qualidade de um cliente português.
Mas, mais do que isso: temos uma equipa altamente motivada, que há quatro anos consecutivos faz da UCI um “Great Place To Work”. E isso traduz-se na satisfação dos nossos clientes, expressa pelo selo gold do eKomi que temos há vários anos, com uma avaliação atual de 4,9/5, absolutamente incomum quando falamos do setor bancário e serviços financeiros. Não foi, por isso, uma surpresa para nós quando recentemente soubemos que UCI liderava a satisfação no crédito habitação num estudo levado a cabo pela DECO, com uma classificação de 7,3/10.
A UCI apoia clientes na transferência de créditos. Como está a procura neste segmento? Sente-se maior dinamismo agora com os juros mais altos?
As transferências de créditos não são um mercado que nos interesse. O nosso foco está no financiamento para aquisição, com ou sem obras, e construção de casas.
No estudo que realizaram sobre Condomínios e Obras: A experiência das Empresas de Gestão de Condomínios, inquirindo 200 empresas, verifica-se que 87% dos condomínios não fizeram obras nos últimos 18 meses. A falta de meios é principal problema. Como isto afeta o setor? Como enfrentar esta situação?
A falta de meios por parte dos condomínios é um problema real e tanto assim é que 98% das empresas de gestão de condomínios estudadas concordam que existem condomínios que precisam de obras e que não as fazem por falta de recursos financeiros. O que é reforçado pelo facto de 75% das empresas acharem que se a legislação fosse alterada, permitindo aos condomínios recorrerem a soluções de financiamento, isso facilitaria a realização das obras.
A falta de meios por parte dos condomínios é um problema real e 98% das empresas de gestão de condomínios concordam que existem condomínios que precisam de obras e que não as fazem por falta de recursos financeiros.
Sendo a renovação do parque habitacional e a melhoria da eficiência energética das habitações temas estratégicos, pelo impacto que têm no consumo de energia e, consequentemente, no ambiente, já para não falar no bem-estar geral da população, é imperativo que se olhe para a questão do financiamento e se encontrem soluções. O lançamento do Programa de Apoio a Condomínios Residenciais no âmbito do Fundo Ambiental é um sinal de que a importância dos condomínios começa a ser reconhecida, mas é preciso fazer mais.
Há facilidade na contratação de crédito para obras nos condomínios? O que existe, o que faz falta e quais as principais barreiras?
O acesso a crédito por parte dos condomínios em Portugal é, atualmente, muito difícil, uma vez que não existe no ordenamento jurídico português um regime legal específico que proporcione aos condomínios, que não têm personalidade jurídica, a possibilidade de se financiarem. A eventual possibilidade de financiamento aos condomínios passaria, tendo em conta a onerosidade de uma decisão destas, por uma deliberação unânime em Assembleia de Condóminos. O que se torna muito difícil e, mesmo que haja casos em que se consiga fazê-lo, não serão à escala necessária para produzir resultados no perfil geral do parque habitacional.
É, por isso, essencial que haja alterações legais significativas que permitam aos condomínios recorrer diretamente a soluções de financiamento para realizarem as obras necessárias. Só assim haverá condições para caminharmos na direção certa.
Que outros resultados relevantes trouxe este estudo ao mercado, e quais os caminhos e soluções aponta?
Um dos pontos que quisemos estudar foi a questão da eficiência energética, de forma a percebermos se este é um tema que está no radar dos condomínios e se tem impacto no processo de tomada de decisão das obras.
“Apenas 12% da empresas de condomínios referiram a melhoria da eficiência energética, e 2,5% a redução das faturas de energia, entre os principais motivos para a realização de obras”.
Perguntámos, por isso, às empresas de gestão de condomínios se a melhoria da eficiência energética é uma razão considerada pelos condomínios para realizarem obras e 66,5% indicou que sim, o que é um sinal positivo. No entanto, apenas 12% referiu a melhoria da eficiência energética e 2,5% a redução das faturas de energia entre os principais motivos para a realização de obras, o que pode significar que não há ainda uma real compreensão dos impactos da eficiência energética. Ou então que, tendo conhecimento desses benefícios, simplesmente não são considerados prioritários face a outras questões, como a segurança e a manutenção, mencionada por 76,5%; a valorização do edifício, referida por 68,5%; a melhoria de condições/renovação do espaço, apontada para 61,5%; ou a resolução de problemas infraestruturais, indicada por 61%.
Como se compara esta questão com outros mercados, nomeadamente na Espanha?
Pela nossa experiência no mercado espanhol, em que a UCI opera há já muitas anos, há, de facto, uma diferença fundamental: em Espanha, a legislação quanto aos condomínios está mais desenvolvida, pelo que têm personalidade jurídica que lhes permite contratarem empréstimos bancários. Logo, há soluções de financiamento específicas de financiamento de obras em condomínios desenvolvidas pela banca que permitem fazer face à falta de recursos dos condomínios e realizar as obras necessários.
Adicionalmente, o que notamos é que, em Espanha, há mais programas de apoio, enquanto em Portugal só surgiu recentemente o Programa de Apoio a Condomínios Residenciais, que é ainda uma tentativa tímida e de carácter exploratório. E a existência de uma rede sólida e abrangente de apoios é fundamental porque a maioria dos condomínios só avança para as obras quando tem a confirmação da concessão do apoio. O que, juntamente com o financiamento, vem formar um círculo perfeito: o financiamento assegura que os condomínios têm dinheiro para o investimento inicial que é preciso fazer e esse valor é depois recuperado através do subsídio concedido.
Há, por isso, em Espanha, condições para trabalhar mais eficazmente uma estratégia de melhoria do perfil energético dos imóveis, o que em Portugal é ainda muito desafiante.